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CHICO BUARQUE
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Um Brasileiro Mambembe

 

            O engraçado com o Chico é isso. Parece que a gente o conhece. Mesmo quando o mais próximo que tenhamos chegado dele tenha sido a fileira de cadeiras no gargarejo de algum teatro, em um de seus raríssimos shows. Aliás, dizer isso é até lugar comum, já que parece que ele está mesmo fadado à virar ícone. Nos anos 70, ícone da luta contra a ditadura. Agora, ícone de uma brasilidade que alguns ainda teimam em resgatar. A velha brasilidade do futebol, paixão do Chico e nossa, sempre. Da feijoada com os amigos. Da cerveja gelada. Do bom humor. De uma certa malandragem. De uma certa preguiça. O engraçado do Chico é isso. Ele parece reunir todos os símbolos da brasilidade. E é por isso que parece que a gente já conhece o Chico, mesmo sem conhecê-lo. Um pouquinho de nós, brasileiros recalcitrantes, está nele. Pelo menos está associado à figura dele. Ele é o guardião de nossa brasilidade.

            Parece que a gente conhece o Chico. Mas para que nós tivéssemos essa impressão, o moleque nascido em 1944 no Rio de Janeiro percorreu um longo caminho. Em 1947, seu pai levou a família para São Paulo. Ele era o novo diretor do Museu do Ipiranga. E eles se instalaram na casa da rua Henrique Schaumann, no bairro Pinheiros. Depois, em 53, a família se mudou de novo. Só que dessa vez para mais longe. Foram dois anos em Roma, na Itália, onde Sérgio, o patrono, iria dar aulas numa universidade. E onde Chico acabou exercitando três idiomas ao mesmo tempo. Como estudava numa escola americana, falava inglês durante as aulas, italiano nas ruas e com os colegas, e português em casa. Na volta ao Brasil, eles se instalaram na rua Buri, no Pacaembu, em São Paulo, o que ajudou o Chico a alimentar sua paixão pelo futebol. Morando perto do estádio do Pacaembu, que na época era o maior da cidade, ficava fácil acompanhar as principais partidas dos campeonatos. Foi nessa mesma época que Chico começou à estudar no Colégio Santa Cruz, onde acabaria completando o segundo grau e onde ensaiaria os primeiros passos na música. Alguns sambinhas compostos na época são o que ele mesmo chama de sua "pré- história musical".

            O colégio estava acabando e era preciso definir o que cursar na faculdade. Ele escolheu arquitetura e foi fazer o curso na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da USP). Mas a escolha não durou muito. Em 1965, no terceiro ano, Chico havia abandonado os estudos em favor de sua carreira artística.

            Apesar de não ter se transformado em arquiteto, o período na faculdade foi importante para Chico. Foi quando ele conheceu Toquinho, seu primeiro parceiro, numa época em que a Bossa Nova vivia seu auge nos bares de universitários da Consolação e de Higienópolis, ainda em São Paulo.

 

A História Particular

            Mas tudo isso é história. Ou melhor, apenas uma parte da história da vida e da carreira de Chico. Uma história que já está mencionada, já faz parte da memória musical do Brasil. E talvez esta seja uma das razões por que parece que a gente conhece o Chico: momentos seus se tornaram nossos, preferências suas sempre foram preferências nossas e isso tudo foi se misturando ao longo dos anos, na música e na mídia. Mas, é claro, essa sensação de que a gente o conhece não é totalmente verdadeira.

            Chico carrega uma alma de viajante. Não aquele viajante que passeia por lugares diferentes e aprecia as paisagens e as leva para casa em fotos. Ele viaja com a alma. Seus caminhos são os sons e as palavras. É nessas excursões que Chico mostra seu verdadeiro ser. É nestes momentos que ele está totalmente exposto, e, se alguém pudesse entrar na mente do artista, aí sim, poderia dizer que o conhece. Mas essas jornadas são sempre solitárias. Chico compõe, cria, sempre criou solitariamente. Ultimamente, tranca- se no estúdio em sua casa, na Gávea para trabalhar. Trabalha sozinho, escrevendo à mão, com uma esferográfica comum (possivelmente uma BIC), e vai se acompanhando com o violão, quase sempre tarde da noite. A música e a letra geralmente aparecem juntas. E a gente apenas consegue ir até aí: o artista em seu momento de criação. Sabemos como ele cria, mas nunca seremos capazes de conhecê-lo. Para isso, precisaríamos compartilhar com ele seus pensamentos, para vislumbrar as paisagens que fazem parte de sua emoção.

            Mas, parece que a gente conhece o Chico. E conhecemos um pouco dele, sem dúvida. Transitamos no mesmo mundo, no mesmo tempo e, talvez, no mesmo universo. O que nós não conhecemos é como o artista consegue captar tudo isso e harmonizar tudo isso, em canções de amor, em canções de consternação pelos humilhados, em canções do dia- a- dia, carregadas de elementos eternos. Parece que a gente conhece o Chico. Afinal, ele captou a nossa alma e se tornou vizinho de nossos sentimentos.