A expedição às Canárias
Conhecidas desde a antiguidade clássica, as Canárias eram em geralmente identificadas como sendo as ilhas Afortunadas. Depois de várias explorações de carácter comercial, e das tentativas frustradas de cristianização das ilhas capitaneadas em 1339 por Lançarote Mallocelo (ou Lançarote de França), que deu o nome à ilha de Lanzarote, e em 1345 por Luís de La Cerda, existia na Europa cristã um crescente interesse pelas ilhas.
Nesse contexto, e provavelmente recorrendo aos contactos e experiências ganhos durante a expedição de 1390 ao Mediterrâneo, Jean de Bettencourt decide organizar, com outros nobres normandos, uma expedição às ilhas. Face à insuficiência dos 200 francos em ouro que obteve com a venda de alguns bens, hipotecou os seus senhorios na Normandia a seu tio Robert de Braquemont por 5000 libras, reunindo, com outros, os fundos necessários para a expedição.
Os objectivos da expedição, para além das típicas motivações religiosas da época, centradas na conversão cruzadística de pagãos ao cristianismo, parecem ter sido a procura da urzela para tinturaria, de que a Normandia era carente e as Canárias abundantes, e a afirmação pessoal de Jean de Bettencourte, que, graças à proximidade do seu tio Robert de Braquemont ao papa (na altura comandava a guarda do antipapa Bento XIII em Avinhão), podia aspirar ao apoio papal na concessão do senhorio das ilhas.
Iluminura do "Le Canarien" mostrando a embarcação de Gadifer de La Salle durante a expedição de 1402.
A força expedicionária era constituída por um variado bando de 280 aventureiros, alguns provenientes da aristocracia, como Gadifer de la Salle, que exercia as funções de segundo comandante, e Pierre Bontier, um franciscano de Saint Jouin de Marnes, que mais tarde oficiou em Lanzarote na igreja de Saint-Martial de Rubicon, que a expedição haveria de ali construir, e Jean le Verrier, um padre que viria a instalar-se em Fuerteventura, como vigário da capela de Nossa Senhora de Bethencourt, ali também construída pela expedição. Estes clérigos foram também os historiadores da expedição, registando os acontecimentos em textos que ainda sobrevivem e que estão na origem da conhecida crónica intitulada Le Canarien.
A expedição partiu a 1 de Maio de 1402 do porto de La Rochelle, escalando a Corunha e Cádis. Em Cádis a expedição demorou-se até Junho, tempo suficiente para Jean de Bettencourt estabelecer uma relação que ao que parece lhe terá dado um filho. A demora terá sido causada pela necessidade de recrutar nova tripulação, pois, devido a deserção, já só restavam 53 dos 280 homens iniciais.
Recomposta a expedição, partindo de Cádis para sul, Jean de Bettencourt atingiu a ilha Graciosa, nas Canárias, em apenas 8 dias de navegação. Dali dirigiu-se a Lanzarote onde desembarcou pacificamente na costa sul, no canal hoje conhecido por Estreito da Bocaina, a 30 de Junho de 1402, iniciando a construção de um forte a que deu o nome de Rubicão (hoje Rubicón), assim chamado devido à cor rubra dos rochedos do lugar.
Deixando parte da expedição encarregada de defender o novo forte, Bethencourt partiu com Gadifer de la Salle para Fuerteventura, mas foi obrigado a regressar devido a motins vários entre a marinhagem e à falta de víveres. Aliás os motins e a insubordinação foram a constante durante a permanência nas Canárias, culminando em 25 de Novembro de 1402, quando parte da expedição se rebelou e saqueou Rubicon, tomando como refém Guardarifa, o rei guanche de Lanzarote, que se tinha aliado a Bettencourt.
À expedição juntaram-se navios vindos de Castela, tendo Bettencourt regressado a Cádis, onde veio solicitar o apoio real, tendo-lhe sido concedido, a 10 de Janeiro de 1403, o senhorio das ilhas (daí ter passado a intitular-se Rei da Canária). Tal honra veio piorar as relações com Gadifer de la Salle, desencadeando novos motins e insubordinações. Apesar disso, Bettencourt terá visitado a generalidade das ilhas, embora sem conseguir submeter as suas populações (os últimos guanche apenas se renderam em 1496).
Em 1405 Bettencourt visitou a Normandia para obter novos recursos, tendo regressado às Canárias na companhia do seu sobrinho Maciot de Bettencourt. Terá aí permanecido até finais de 1406, partindo depois para Roma, de onde terá regressado à Normandia via Florença e Paris.
Não mais regressaria às Canárias, deixando os seus interesses nas mãos de Maciot de Bettencourt, do qual parecem descender os Bettencourt e Bettancourt que hoje se encontram em todos os arquipélagos da Macaronésia.
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