ORIGEM
Esse chinês teve seu aspecto alterado em consequência da Revolução Comunista. Hoje, luta para ser como antes. Conheça sua fascinante história.

O Shar Pei não está entre as raças mais comuns de serem vistas desfilando pelas ruas. Nem é daqueles que todo mundo conhece pelo próprio nome.Mas ainda assim, é reconhecido por grande parte das pessoas. Estranho? Não. Vários motivos fizeram o Shar Pei ser amplamente explorado pela mídia. A história e a imagem desse cão repercutiram. Veio da China onde a tradição de comer cachorros não o poupava; foi quase extinto devido à matança aos cães ordenada por Mao Tsé Tung; tornou-se alvo de um trabalho de preservação iniciado pelos americanos na década de 70, após um apelo dos poucos chineses que se interessavam por ele; e por fim é dono de uma aparência totalmente inusitada. Só no ano de 1981, o jornal O Estado de São Paulo publicou cerca de dez reportagens sobre a raça, enfocando principalmente o visual exótico e a luta para que não desaparecesse de uma vez por todas. Em meados da década de 80, ninguém menos que a apresentadora Xuxa lançou a música "Meu Querido Xuxo". Xuxo era o Shar Pei dela, que chegou a participar do programa. Quem era criança nessa época, certamente nunca esquecerá o acontecimento do cãozinho estrelando na tela. As feiras de animais domésticos, que Cães & Cia promovia, também tiveram uma participação importante na divulgação da raça. Realizados em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília, contavam com uma média anual de público de 200 mil pessoas. Por dois anos, o Shar Pei foi tema principal da campanha publicitária. Aparecia em tamanho gigante nos outdoors. Na televisão era veiculado nos mais diversos horários, inclusive nos nobres. Na primeira feira o sucesso foi tanto, que na segunda criou-se um personagem da raça: um homem vestido de Shar Pei, que cantava com as crianças.
O engraçado é que as pessoas, diante de uma foto da raça, costumam exclamar coisas do gênero: "é aquela chinesa" ou "é o cão mais enrugado do mundo". A idéia das rugas abundantes é inerente ao Shar Pei. Mesmo porque, o filhote é, de fato, um mar de rugas. Na infância, ele merece não só o "título" de cão mais enrugado, como também de espécie animal mais enrugada. O adulto, ao contrário do que se pode pensar, não tem que ser tão pelancudo. Mas isso é uma novidade com apenas dois anos de vida. Faz parte de uma série de alterações feitas pelos chineses no padrão oficial da raça, redigido por eles e adotado pela Federação Cinológica Internacional (FCI). Nesse novo padrão que entrou em vigor em 1994, lê-se que a pele em excesso no tronco é indesejável e as pregas pronunciadas devem se restringir à cabeça e à cernelha, região onde o dorso se encontra com o pescoço. Já no anterior, de 1981, a descrição é praticamente oposta: "em continuação às rugas da face e barbelas do pescoço, as numerosas pregas de pele recobrem o corpo todo." Entre outras alterações, estão as proporções físicas de forma geral, incluindo o tamanho da cabeça, a altura e o peso. O Shar Pei, como nós mais conhecemos, tem um "cabeção". Tanto que a versão antiga do padrão dizia que a cabeça era bem grande em comparação ao corpo, passando a idéia de desproporção. Comparava inclusive o focinho do Shar Pei com o de um hipopótamo, pois de tão largo quase se confundia com a largura do crânio - uma característica peculiar àquele mamífero gigantesco. Hoje, pelos novos moldes determinados para a raça, uma cabeça muito grande, com aspecto pesado é considerada "falta". Ou seja, os exemplares que a apresentarem perdem pontos em exposições. A comparação com o focinho de hipopótamo, que bem passava a idéia de gigantismo, também foi eliminada. Quanto à altura, o Shar Pei "cresceu". Se anteriormente as medidas estabelecidas variavam entre 40 e 51 centímetros (medidos na parte mais alta do dorso, a cernelha), hoje o padrão pede altura entre 48 e 58,5. Vale dizer que houve um engano na tradução brasileira do novo padrão, na qual consta que a medida deve variar entre 47,5 e 57,5.Na prática, a mudança é radical. O Shar Pei que antes podia ser um pouco maior que o Cocker, pode, agora, ter a altura de um Dálmata. O peso que antes simplesmente não era determinado, passou a ser limitado entre 18 e 29 quilos. O resultado do Shar Pei descrito pelas regras atuais é um cão menos robusto e atarracado. Ele é mais alto e tem limite máximo de peso, o que exige uma ossatura mais leve e traz uma aparência mais longilínia, ainda que essa palavra seja um pouco exagerada para descrever a raça.


O SHAR-PEI MUDOU, MUDOU POR QUÊ?

Conforme conta Nelson Lam, presidente do Hong Kong Shar-Pei Club e responsável pelas alterações do padrão, as mudanças previstas têm como objetivo resgatar certas características do tipo original da raça. Objetivo, aliás, muito comum na criação de cães de forma geral. O tipo físico original do Shar Pei foi se perdendo na própria China, a partir do final da década de 40. Foi o preço pago pelo mundo canino em consequência da Revolução Comunista no país, em 1949. Nessa época, a raça quase foi extinta. A posse de cães e outros animais de estimação virou um luxo proibido. "Abriu-se uma exceção para os cães de camponeses que comprovadamente os usavam para caça", conta Nelson Lam. Os demais só poderiam ter o direito de existir se seus proprietários arcassem com multas altíssimas. Caso contrário, a sentença era a execução, cumprida pelos soldados de Mao Tse Tung. Os cães "não trabalhadores" do país viram alimento para o povo esfomeado.Por sorte, o Shar Pei original era um excelente caçador. Por azar, o número de caçadores era relativamente pequeno, restando poucos exemplares vivos. E mesmo entre esses nem todos escaparam da morte, e desta vez por uma seleção dos próprios caçadores, que utilizavam apenas os serviços dos exemplares considerados bons na caça. Os outros eram servidos à mesa.
Os poucos Shar Peis sobreviventes tiveram que enfrentar ainda outro problema: os efeitos da desnutrição. Alimentando-se apenas com sobras das mesas dos camponeses, começaram a diminuir gradativamente de tamanho. Como lembra a bióloga e geneticista Helena Schulz Pereira, a desnutrição impede que o tamanho ideal determinado pelo potencial genético seja atingido. "Os filhotes de pais desnutridos tendem a nascer menores e mais fracos, e assim sucessivamente, até que o problema da desnutrição seja resolvido". Porém, mesmo quando a desnutrição acabou, o tamanho das novas gerações continuou menor. O fator responsável por isso provavelmente foram os acasalamentos consangüíneos e inter-raciais, já que havia pouquíssimos exemplares. "Os Shar Peis diminuíram dos cerca de 58 centímetros para aproximadamente 45", diz Lam. "Daí, queremos novamente a altura maior." Os malefícios da reprodução entre parentes e da mistura de raças perduram até hoje. Apesar de o padrão pedir tamanhos maiores, a maioria dos cães não os atingem.
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