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TEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO (MAY, E. 'Ben Franklin leva Xeque-Mate de Lady Howe', sec.XIX)
O Papel da Comunicação
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TEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO PARA FILÓSOFOS

SEÇÃO I

» 2ª Unidade: O Papel da Comunicação

  • Das Teorias da Comunicação aos Jogos.
Por Antônio Rogério da Silva

Até aqui o curso Teoria dos Jogos e da Cooperação apresentou apenas seus principais conceitos gerais e alguns problemas relativos aos assuntos específicos da teoria da utilidade e da racionalidade dos jogadores. Mal foram abordados os pontos relacionados com jogos de múltiplos agentes e os leilões que são partes importantíssimas da teoria geral dos jogos (1). Por "amor à simplicidade", como é costume se dizer quando se procura explicar a teoria, esses e muitos outros aspectos específicos foram deixados de lado. Embora se reconheça a relevância destes temas, uma forçosa simplificação é-se obrigado a fazer quando em uma primeira introdução a qualquer assunto de interesse filosófico. Para oferecer o sabor da pesquisa detalhada e da aplicação da Teoria dos Jogos em outras áreas do conhecimento é que se falou, nos textos anteriores, da Teoria das Perspectivas, dos psicólogos Daniel Kahneman e Amos Tversky, e da Teoria dos Jogos Evolucionários, da qual se destacou o trabalho do biólogo John Maynard Smith.

Nesta segunda unidade, outro campo particular da teoria será abordado com maior atenção. Os jogos com comunicação ou aqueles em que a comunicação exerce um papel crucial, pela sua presença ou ausência, serão vistos mais de perto. A Teoria dos Jogos não foi a primeira, nem a última abordagem acadêmica a tentar elucidar a influência da comunicação sobre o comportamento humano. Muitos filósofos de outras áreas de investigação - na lógica, na linguística, epistemologia e mesmo na ética - procuraram antes, durante e depois de Thomas C. Schelling explicar o fenômeno da comunicação. Para isso, diversos conceitos foram formulados e alguns princípios lançados, a fim de descrever com maior precisão os atos de fala e a linguagem humana.

Apesar de poder-se encontrar estudos de filósofos precursores - a grosso modo voltados para compreensão da linguagem em Platão, Santo Agostinho, Jean-Jacques Rousseau, entre outros -, a comunicação por ela mesma só veio a ocupar o foco das investigações no século XX, sobretudo depois do advento da radiodifusão e meios eletrônicos de massa - rádio e cinema, no início; televisão, a partir dos anos 1950; e a rede mundial de computadores, no final do século passado. Em 1916, a publicação póstuma do Curso de Linguística Geral, do suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), procurou estabelecer um campo limitado para a linguística, associando-a à semiologia, linha de pesquisa que o próprio Saussure reservou para o estudo dos signos e seu uso social. Em seu domínio específico, caberia à linguística definir a função da língua no conjunto dos fenômenos semiológicos, em geral comunicativos (2). A semiologia buscou, então, delinear a estrutura da linguagem a partir do signo, seu significado e significante, inaugurando o estruturalismo linguístico que abriu espaço a um melhor entendimento do processo comunicativo. O conjunto dos signos linguísticos constituiria a língua, um sistema de hábitos consolidados no tempo pelas forças sociais que permite aos indivíduos a compreensão mútua. Ao lado da fala, a língua formaria, por fim, a linguagem como um fenômeno mais abrangente. No esquema proposto por Saussure, a linguagem era subdividida em fala e língua, sendo esta última, por sua vez, dividida em parte sincrônica - que trata das relações lógicas e psicológicas dos termos em um sistema reconhecido pela coletividade - e diacrônica - onde as relações entre os termos é intercambiável, sem a forma de um sistema percebido pelo coletivo (3).

Essa tendência esquemática influenciou alguns autores, dos quais se destacou o linguista russo Roman Jakobson (1896-1982), cujos trabalhos sobre fonética definiram os conceitos de emissor, receptor, mensagem, código e canal. Desde Jakobson, que, no processo de comunicação, se entende o emissor como aquele que, de posse de um código - traços distintos que podem ser combinados segundo regras -, transmite uma mensagem - um conjunto de elementos portador de informação - através de um canal - meio ou veículo pelo qual trafega a informação - para um receptor, aquele que recebe uma mensagem e a relaciona com um código comum ao emissor, decodificando e interpretando a informação (4). O modelo de comunicação de Jakobson influenciou todos os campos de pesquisas que, a partir de 1962, de alguma maneira trataram do assunto, da antropologia à teoria matemática da informação, ainda que não adotassem plenamente o ponto de vista estruturalista.

Jakobson incentivou a generalização dos seus conceitos para domínios além da visão antropocêntrica da linguagem. Paralelo ao desenvolvimento da linguística, o desenvolvimento de máquinas inteligentes capazes de tratar a informação levou o estadunidense Norbert Wiener (1894-1964) a definir um novo ramo, em 1948, chamado por ele de cibernética - termo derivado do grego kybernetike, a arte da pilotagem, ou governo. A cibernética investiga o controle e a comunicação nos animais (incluindo os seres humanos) e as máquinas. Ao transmitir uma mensagem, o processo comunicativo cibernético exigiria que um sinal de retorno (retroalimentação) fosse recebido pelo emissor, a fim de permitir a correta compreensão de que a mensagem enviada, uma comunicação ou comando, fora adequadamente entendida e executada pelo receptor. A informação, aqui, representa o conteúdo trocado pelo emissor com o mundo exterior que o faz se ajustar a este de modo perceptível. A troca de informação seria, então, um processo de ajuste de quem se comunica "às contingências do meio ambiente e (...) efetivo viver nesse meio ambiente" (5). Em Uma Introdução à Cibernética (1956), William Ross Ashby (1903-1972) apresentou alguns esclarecimentos sobre o propósito da cibernética. Esta seria uma teoria dos modos como todas máquinas possíveis comportam-se, sendo, assim "essencialmente funcional e comportamental" (6). Vinculada à teoria matemática da informação, a cibernética permitiu ampliar a discussão sobre o alcance da comunicação em horizontes não restritos aos seres humanos. A comunicação passou a ser concebida também independente do aparato transmissor, embora não totalmente, a ponto de prescindir de um estado orgânico que lhe preservasse o significado:

as ordens de comando por via das quais exercemos controle sobre nosso meio ambiente são uma espécie de informação que lhe transmitimos. Como qualquer outra espécie de informação, essas ordens estão sujeitas à desorganização em trânsito. Geralmente, chegam a seu destino de forma menos coerente (...) do que quando foram emitidas. Em comunicação e controle, estamos sempre em luta contra a tendência da natureza de degradar o orgânico e destruir o significado; a tendência (...) de a entropia aumentar (WIENER, N. Cibernética e Sociedade, cap. 1, p. 17).

Além das questões sintáticas e semânticas da estrutura da linguagem e da comunicação, a cibernética chamou atenção para aspectos funcionais e do comportamento retroalimentado, que na filosofia da linguagem têm paralelo com a perspectiva pragmática e de ação social. O âmbito no qual o austríaco Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889-1951) definiu o conjunto da linguagem como sendo jogos de linguagem, ou seja "todo processo de uso das palavras" em que alguém age de acordo com as palavras que o outro pronuncia (7). Essa nova visão, estimulou autores como o britânico John Langshaw Austin (1911-1960) e John R. Searle a considerarem que os falantes de uma língua, em todos aspectos da comunicação, exercem ações linguísticas. Toda essa produção e emissão de frases corresponderia a uma função distinta - ameaças, promessas, nomeação etc. -, regida por um elenco de regras respectivas (8). A vinculação do estudo da linguagem a sua função comunicativa proporcionou a abordagem de outras questões ligadas ao comportamento de quem se comunica. Ao debate sobre a comunicação, somou-se os esforços de Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas em tentar caracterizá-la como domínio apropriado para o estabelecimento de normas válidas moralmente, alargando ainda mais a compreensão que se tinha sobre o papel da comunicação na vida de todos (9).

Nesse contexto de rica discussão acadêmica sobre a comunicação, a Teoria dos Jogos se insere como um instrumento a mais para ajudar esclarecer pontos que ficaram obscuros em uma abordagem ou outra e ajudar estabelecer contatos que aparentemente eram, de início, vistos como incompatíveis entre ramos de investigação opostos - por exemplo a Teoria Crítica da chamada Escola de Frankfurt e a Teoria da Escolha Racional. Depois que a comunicação passou a ser entendida como uma ação que visa transmitir informações entre duas ou mais partes e que tem uma estrutura própria e um fim que não se esgota no entendimento do significado da mensagem, mas exige a realização de seu conteúdo linguístico, para ser mantida, seus fins instrumentais puderam ser formalmente tratados tendo em mente que uma ação comunicativa pretende afinal mudar o estado do mundo em favor de quem comunica, em primeiro lugar.

Comunicação na Teoria dos Jogos

Quando Wittgenstein, desconhecendo completamente a Teoria dos Jogos, chamou o processo de uso das palavras, que envolveria desde a denominação dos objetos, a aprendizagem da língua materna e até a repetição ostensiva dos termos pronunciados, de jogos de linguagem, sua interpretação pragmática deste conceito ressaltava o papel comunicativo do processo linguístico, dependente da interação entre parceiros que agem de acordo com o que fora pronunciado. Tal acordo, para ser fiel a Wittgenstein, faria parte da forma de vida dos participantes, capazes de entender as regras adequadas às diversas maneiras em que a linguagem pode ser "jogada". Este aspecto interativo que torna a linguagem uma atividade comum aos falantes é partilhado também pela Teoria dos Jogos, na sua definição básica de jogos estratégicos como sendo aqueles em que as ações exercidas são escolhidas em função da reação esperada da outra parte envolvida. Diz respeito também ao ponto crucial da comunicação na visão da cibernética, onde a resposta adequada do ouvinte, retroalimentando o processo comunicativo, permite o controle do emissor sobre a justeza da informação transmitida. Em suma, em todo o processo comunicativo, a "audição" da voz do outro é o ponto central para que o "jogo da linguagem" seja bem sucedido na sua concepção mais ampla.

A comunicação, do ponto de vista pragmático da linguagem e da Teoria dos Jogos, tem portanto uma tarefa decisiva para solução dos problemas dos falantes. Entretanto, convém lembra que embora a classificação dos jogos em cooperativos e não-cooperativos dependa por definição da comunicação, como já foi destacado antes [veja A Estrutura do Jogo], jogos de soma zero com informação perfeita, entre duas partes, podem dispensar por completo o seu emprego. Isto porque, aquele jogador que encontrar primeiro sua estratégia vitoriosa fatalmente a usará contra o seu adversário obtendo a vitória, ou pelo menos o empate (isto é zero util), posto que em jogos de soma zero entre dois jogadores um deve vencer e o outro perder, caso contrário ambos nada ganham ao final.

No texto inaugural da teoria dos jogos contemporânea, Von Neumann e Morgenstern enfocavam sobretudo os jogos de soma zero com n-jogadores, sob o argumento de que os jogos de soma variável poderiam ser transformados em soma constante pela simples adoção de um jogador a mais que absorvesse as perdas ou os ganhos em jogo. Admitiam também que a comunicação fosse partilhada naturalmente em jogos com múltiplos participantes que poderiam, então, cooperar uns com os outros na formação de coalizões que imputassem uma solução aos jogos. Nos jogos cooperativos, a coalizão mais forte venceria a mais fraca segundo uma distribuição adequada dos ganhos entre os membros desta coalizão. O que não quer dizer que uma coalizão tivesse de ser formada necessariamente por jogadores fortes e poderosos. Uma coalizão vencedora poderia ser aquela que tivesse como participante o elemento mais fraco, desde que se conformasse em receber uma parte conveniente dos ganhos.

A abordagem sugerida por Von Neumann e Morgenstern desde 1944, define solução como uma imputação na qual a distribuição dos bens garante pelo menos a cada integrante da associação o recebimento de um mínimo equivalente ao que conseguiria se agisse por conta própria, sem tomar parte da união. Um conjunto de imputações é uma solução quando nenhuma distribuição de pagamentos interna domina a outra e, além disso, nenhuma imputação externa é preferida em relação ao conjunto formado(10).

Para ilustrar isso, vem a calhar um exemplo esclarecedor de Rapoport. O conjunto de imputações:

S=[(50, 50, 0); (50, 0, 50); (0, 50, 50)],

que distribui $100 por três jogadores é uma solução, pois nenhuma imputação entre elas é preferida ou pode ser dominada por outra de fora - como (60, 0, 40), que seria preterida por (0, 50, 50), a preferida pelos segundo e terceiro jogadores (11). Aqui, a comunicação levaria dois jogadores a repartirem igualmente entre si o montante oferecido, deixando de fora o terceiro elemento que nada ganha, posto que o pouco que ganhe terá de ser retirado de algum outro jogador da coalizão majoritária que, por princípio, não abrirá mão de seus $50. De um modo geral, nos jogos cooperativos com muitos jogadores, a comunicação exerce a função de coodenadora das ações, a fim de que as coalizões sejam formadas, dentro do conceito de solução, como conjunto de imputações, embora não defina qual coalizão será a vencedora.

Da maneira que fora posta por Von Neumann e Morgenstern, a partir de 1944, a comunicação era tida como característica distintiva dos jogos cooperativos, onde uma rodada de troca de informações prévia era permitida. Em jogos não cooperativos e estritamente competitivos (soma zero), entre dois jogadores, sua presença seria, de fato, totalmente desnecessária quando a informação fosse perfeita - xadrez, velha, damas etc. Nos jogos de informação imperfeita, por sua vez, seu papel restringir-se-ia ao uso do blefe, isto é fazer passar ao outro a falsa impressão de força ou fraqueza, no intuito de induzir o oponente a desistir de executar uma determinada estratégia por causa dessa informação confusa. Neste sentido, a comunicação atuaria como uma sinalização de um falso comportamento que visaria gerar incerteza e, por conta disso, limitar as escolhas do adversário. Vale dizer que a comunicação não serviria como fonte de soluções, mas de ardil restrito aos jogos de informação imperfeita, e que somente uma mistura de estratégia adequada, como a maximin representa uma resolução para tais tipos de jogos entre duas pessoas (12).

As coalizões que surgem nos jogos cooperativos com n-pessoas, indicam a necessidade de negociação para que haja um efetivo encontro de um conjunto de imputações que constituam a solução do jogo. No caso de apenas dois jogadores, a solução cooperativa será aquela que encontrar o par de ganhos que garanta a cada uma das partes ao menos aquilo que elas poderiam assegurar jogando sozinhas. Chegar-se-ia a este resultado depois de descartados todos os outros pares que não atendessem a esse requisito mínimo. Contudo, como afirmaram Luce e Raiffa, achar o melhor resultado em um conjunto de negociação com muitos pontos possíveis depende de aspectos psicológicos que são relevantes no contexto de uma barganha e estão fora do alcance da matemática (13).

Problemas de Barganha

Uma tentativa de solucionar matematicamente o problema da barganha foi elaborada por John Nash, em 1950, nos artigos "The Bargaining Problem" e "Non-cooperative Games". Nash partiu da suposição de que se poderia reduzir os jogos cooperativos (com comunicação prévia) à forma não cooperativa. Para isso, bastaria que fosse contruído um modelo em que a negociação prévia teria suas etapas transformadas em um jogo não-cooperativo com uma quantidade infinita de estratégias puras que representariam toda situação. A solução obtida para este jogo "alargado", por conseguinte, corresponderia ao valor obtido em um jogo cooperativo equivalente (14). Pelo "programa de Nash", a solução de um jogo não-cooperativo, quando houvesse, seria um par de equilíbrio único, considerando que cada indivíduo deseja maximizar sua utilidade; que o acordo obtido se torna obrigatório por não poder ser superado por nenhum outro alternativo, dentro do mesmo conjunto de negociação compacto e convexo, geometricamente; e que ambos jogadores tenham a mesma habilidade de barganha. A solução de Nash, em jogos com barganha, equivale ao ponto de equilíbrio que corresponde ao máximo de todos produtos de utilidade maiores que zero. Na divisão de $100 entre dois jogadores, por exemplo, a solução de Nash é (50, 50), desde que a utilidade seja assumida como linear, do mesmo modo que o dinheiro. Nenhum outro par de coordenadas, dentro da região de resultados possíveis desenhada no gráfico da Figura 1, pode oferecer um produto de suas utilidades que seja superior a 2500 utiles.

Solução de Nash

Matematicamente, a justeza do programa de Nash é indiscutível. Entretanto, a maneira pela qual o conceito de barganha é definido pode ser discutida. Sua suposição de que, em uma negociação, os indivíduos sejam "altamente racionais, possam comparar detalhadamente seus desejos pelas coisas, sejam igualmente capazes de negociar e tenham pleno conhecimento dos gostos e preferências do outro" (15) restringe o contexto da barganha a situações de informação completa onde haja o pleno conhecimento comum das preferências por parte dos jogadores. Barganhas com informação incompleta permanecem um desafio para os teóricos.

Outro modelo de negociação lançado nos anos 1980 por Ariel Rubinstein permitiu analisar a troca de ofertas alternadas entre os jogadores, levando em conta o grau de impaciência dos jogadores (o desejo destes anteciparem o final do jogo). Isto é, em um jogo sequencial - quando os jogadores tomam decisões em rodadas sucessivas e em determinada ordem de movimentos - a alternância de ofertas chegará a uma solução se esta representar um equilíbrio perfeito em seus subjogos. Um subjogo é qualquer parte de um jogo na forma extensiva que se inicia em um único nó de decisão e forma um conjunto completo de nós e ramos que sucedem a este nó. Eventualmente, um subjogo apresenta um nó terminal em equilíbrio de Nash, cuja combinação de movimentos que leva ao ponto de equilíbrio não apenas em todo jogo estendido, mas também em cada subjogo existente na árvore original. Quando isto acontece o ponto é considerado de equilíbrio perfeito em subjogos.

Um jogo de negociação simplificada para divisão dos $100, sob o modelo de Rubinstein, ilustra como esse equilíbrio seria encontrado entre dois jogadores pacientes ou com graus diferentes de impaciência. Ambos devem resolver essa divisão no máximo em três rodadas, sendo que o primeiro tem um grau de impaciência "l" e o segundo "c", que devem descontar os ganhos futuros como uma taxa para cada rodada. Além disso, caso um jogador tenha um ganho igual nas opções oferecidas em um determinado ponto de decisão, ele preferirá a alternativa que oferecer maior ganho para o adversário, do contrário, se não houver acordo, ambos nada ganharão. A figura 2 mostra como esse jogo finito de ofertas alternadas com impaciência, registra na primeira rodada a aceitação da oferta, como equilíbrio de Nash perfeito.

Divisão de $100 no Modelo de Rubinstein

Pelo modelo de negociação de Rubinstein, é possível analisar diversas situações variantes desde quando é jogado em apenas uma etapa até um jogo infinito com um número indeterminado de rodadas. Na versão de uma etapa, também conhecida como jogo do Ultimato [tema previsto para ser apresentado no final da primeira seção deste curso e que será estudado em detalhes na terceira unidade da segunda seção], testes empíricos mostraram que a maioria das ofertas do primeiro jogador (Linha) aproximam-se da oferta justa (50, 50), que seria a solução no modelo de negociação de Nash. Em geral, as ofertas menores do que 30% arranhavam a reputação do segundo jogador (Coluna) que prefere a recusar ao invés de aceitar uma proposta indecorosa. A previsão teórica, no entanto, baseada na suposição de agentes egoístas, seria de que qualquer oferta, por mais ínfima que fosse deveria ser aceita por parte de Coluna, tal como é o espírito da interpretação que sugere ser a opção por (100, 0) preferida sobre (0, 0), como qualquer quantia muito pequena oferecida próxima de zero, semelhante a um centavo para Coluna e $99,99 para Linha (16).

Num jogo extensivo finito, o equilíbrio de Nash é buscado através de indução reversa, também conhecida como algoritmo de Zermelo em jogos sequenciais com informação perfeita, ou ainda pelo nome pomposo de procedimento padrão de programação dinâmica. Partindo das "folhas" - pontos terminais - até a "raiz" - ponto inicial -, em cada "nó" - ponto de decisão - de um jogador, escolhe-se o "ramo" - movimento - que leva ao subjogo que lhe ofereça o maior ganho. Uma vez encontrado o ponto de equilíbrio que represente uma solução para o subjogo original e todos os outros na mesma árvore, ter-se-á achado o equilíbrio de Nash perfeito dos subjogos. Assim, a divisão dos $100 em três lances de oferta, contra-oferta e oferta final faz com que Linha pronha ficar com tudo ou nada para ambos como sua última proposta. Considerando o grau de impaciência da Linha que varia entre 0 e 1, Coluna, sabendo que na última etapa ele corresponderá a 1 (o total em jogo), prefere ganhar 1 - l e oferecer l a Linha, que na penúltima etapa seria um pouco menor que um (devido à taxa de desconto), a ficar sem nada no final. Contudo, para evitar chegar nessa fase, Linha pode preferir explorar a impaciência de Coluna, oferecendo-lhe de imediato c - algo maior que 0 e menor que 1 - multiplicado pelo que ganharia depois (1 - l). Destarte, considerando a impaciência dos dois, a negociação entorno dos $100 os dividiria a uma proporção que desse 1 - c(1 - l) para Linha e c(1 - l) à Coluna, logo no primeiro lance (17).

Em uma variante mais ampla da barganha, para chegar-se ao equilíbrio perfeito de subjogos em negociações com infinitas alternâncias de ofertas, não é possível se recorrer à indução reversa. Nestes casos, o modelo de Rubinstein prevê que o equilíbrio perfeito ficaria na proporção da divisão oferecida pelo primeiro jogador (Linha) que propusesse para o segundo jogador (Coluna)

c(1 - l)/1 - cl

e o próprio ofertante ficasse com

1 - c/1 - cl

desde que seus graus de impaciência estivessem entre 0 e 1, sendo ambos indiferentes a aceitar ou rejeitar uma oferta feita (18).

Tudo isso e mais alguma coisa que não foi dita, mas será apresentada no momento oportuno, é o que acontece nas negociações tendo em vista os modelos de Nash e Rubinstein. Contudo, embora a comunicação seja um elemento chave da barganha, não é plenamente considerada nesses contextos que apenas a supõem. Os efeitos da comunicação na negociação começam a aparecer com maior destaque quando se observa um jogo sugerido por Thomas Schelling que propõe a divisão dos $100 simultaneamente por dois jogadores, mas sem a possibilidade de troca de informação. Caso a soma das pretensões dos dois viesse a ser menor ou igual a $100, ambos ganhariam a respectiva quantia acertada. De outro modo, nada receberiam (19).

Nestas circunstâncias, Schelling revela que 36 das 40 pessoas que participaram do teste, nos anos 1950, decidiram ficar com $50. A resolução do problema de coodenação da divisão dos $100 levou a busca pela única resposta que entre outras tantas poderia servir como coordenadora, mesmo que os interesses divergentes de ambos fosse uma dificuldade quase intransponível para o encontro de uma solução "justa", numa barganha explícita. A ausência de comunicação, tacitamente gerou a divisão equilibrada por meio de linhas de ação comuns entre os agentes. De fato, como interpreta Schelling, o foco na divisão meio-a-meio deveria ser creditado a padrões éticos, opinião pública ou algum mecanismo precedente partilhado em comum pelos jogadores (20). Elementos aos quais também podem ser creditados os resultados próximos à oferta "justa" que ocorrem no Jogo do Ultimato - quando a barganha deve ser decidida em uma etapa de oferta. O conceito de ponto focal [que será tratado, no próximo texto, junto com outros conceitos pertinentes aos jogos com comunicação] foi defendido por Schelling como principal ferramenta na barganha tácita e um dos principais na negociação explícita, onde os participantes precisam convergir suas expectativas. "Pontos focais" serviriam como sinais claros que pudessem ser lidos sem ambiguidade.

Além da Negociação

Muitos outros conceitos, além daqueles trabalhados na barganha, foram elaborados por teóricos dos jogos que se debruçaram sobre o papel da comunicação na solução de desafios estratégicos. De um modo geral, jogos com comunicação foram definidos como sendo aqueles em que, além das opções de estratégicas puras especificadas na estrutura do jogo, é possível aos jogadores fazer uso de uma série de alternativas implícitas que permitem a comunicação entre eles. As partes não precisam sequer assinar contratos, bastando apenas que possam falar (21). Instrumentos como mediador, sinalização, credibilidade, neologismo, conversa barata (cheap talk), entre outros conceitos específicos podem ser decisivos para a análise correta desse tipo de jogo.

A partir dos testes realizados por Schelling, percebeu-se que os movimentos dos jogadores pelos ramos de um jogo na forma extensiva não eram suficientes para descreverem a riqueza de possibilidades que a comunicação pode produzir quando os jogadores entram em contato uns com os outros. A inserção da comunicação em suas estratégias implícitas permitiu modelar jogos cujo estudo apresentaram em detalhes os efeitos das ameaças e promessas - quando são críveis ou não, bem como as respostas plausíveis que as evitem ou tornem vinculantes -, além do refinamento dos equilíbrios para coordenação de expectativas. Neste contexto, merecem detaque os trabalhos de Robert J. Aumann, Roger B. Myerson, Joseph Farrell, David M. Kreps e Joel Sobel, entre outros que ajudaram a construir uma Teoria dos Jogos capaz de tratar dos problemas da comunicação à altura das tradicionais teorias acadêmicas sobre o assunto. A ponto de servir como uma ponte entre concepções de racionalidade estratégica e comunicativa, na filosofia [tema polêmico que será abordado no ponto final desta unidade].

Por outro lado, a concepção naturalista da comunicação, por sua vez, demanda que esta possa ser entendida como um desenvolvimento biológico que trouxe algum tipo de vantagem em termos de sobrevivência e reprodução para o indivíduo. A comunicação não poderia, então, existir sem que fatores materiais evidentes concoressem para isso. Entendida como uma ação que visa transmitir informações entre duas ou mais partes, a comunicação tem uma estrutura própria e um fim que não se esgota no entendimento do significado da mensagem, mas exige a realização de seu conteúdo linguístico, para ser mantida. O que vale dizer que a ação comunicativa se estende a seus fins instrumentais: mudar o estado do mundo em favor de quem comunica. Essa é uma das extensões do sentido de controle e comando apontado pela cibernética como essencial ao processo comunicativo, pois, para que o emissor saiba que sua informação foi corretamente compreendida pelo ouvinte, se requer que este o responda, executando uma ação correspondente (22). Assim, a matéria sobre a qual a comunicação trabalha depende dos interesses individuais, que não se reduzem ao emprego correto de "pressupostos pragmáticos" - como quer a Teoria do Agir Comunicativo da qual se falará no último ponto desta unidade. Para que tenha significado e credibilidade se faz necessário um "conhecimento comum" perene do jogo de linguagem praticado. Nos próximos pontos, toda essa discussão será observada mais de perto, começando pela apresentação dos conceitos utilizados durante o desenvolvimento da pesquisa em torno dos jogos com comunicação.

Notas
1. Apenas como exemplo do alcance destas diversas classes de jogos que exigiriam um curso para cada uma delas, vale a pena citar rapidamente o jogo que Martin Shubik chamou de "O Leilão de Dólar". Em um leilão ascendente no qual as partes pagam os seus lances, ganha o dólar quem oferecer a maior quantia, devendo também as inferiores serem pagas pelos demais participantes ao leiloeiro. Caso ninguém faça um lance, o dólar ficará com o leiloeiro. Se os interessados puderem comunicar-se, a cooperação forma-se em torno dos lances de US$ 0,01 e zero, quando dois jogadores enfrentarem o leiloeiro, que é obrigado a vender o dólar por um centavo ao jogador que, supostamente, repartirá os 99 centavos restantes com seu colega. Assim, o leilão termina logo no primeiro lance. Contudo, se a coalizão for proibida e o jogo desenvolvido em rodadas sucessivas indeterminadas, Shubik destaca que há dois pontos de equilíbrio em estratégia pura se um de cada oferecer um dólar enquanto o outro não fizer lance, respectivamente. De outro modo, as quantias positivas que forem feitas poderão levar o jogo a uma escalada sem fim, com a soma subindo muito acima do dólar oferecido. Alguém que ofereça um dólar poderá ser superado por US$ 1,05 de quem antes tivesse proposto 95 centavos. Deste modo, o segundo jogador reduziria as perdas dos 95, para apenas cinco centavos. Entretanto, o primeiro poderia retrucar, superando esse lance para evitar perder um dólar, e assim por diante. No "mundo real", um macabro jogo de escalada ocorreu durante a Guerra Fria (1945-1989), quando Estados Unidos e a antiga União Soviética aumentavam seus arsenais nucleares acima da capacidade de extinguir a vida no planeta. O "céu é o limite", neste tipo de jogo! Descrições acessíveis sobre ele podem ser encontradas em SHUBIK, M. Teoría de Juegos en las Ciencias Sociales, cap. IX, § IX.4.1, p. 282 e em RAIFFA, H. El Arte y la Ciencia de la Negociación, cap VI, pp. 90-94. Além da comunicação, o papel do tempo e a psicologia dos agentes são fatores para saber quando parar em um ponto de equilíbrio que sirva de limite natural.
2. Veja SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral, introdução, cap. III, § 3, p. 24.
3. Veja SAUSSURE, F. Op. cit., I part., cap. III, § 9, pp. 115-116, para descrição detalhada de seu sistema.
4. Todos esses conceitos estão definidos em JAKOBSON, R. Fonema e Fonologia, I part., seç. I, § 4, p. 60; §§ 7 e 7a, p. 78 e II part., p. 115.
5. WIENER, N. Cibernética e Sociedade, I, pp. 17 e 18, para essa citação e toda descrição feita da cibernética.
6. ASHBY, W. R. Uma Introdução à Cibernética, cap. 1, § 1.2, p. 1.
7. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas, § 7, p. 12.
8. Alguns critérios foram lançados por AUSTIN, J. L. Quando Dizer é Fazer, V conferência, pp. 57-65 e SEARLE, J. R. Os Atos de Fala, I part, cap. 3, pp. 73-95.
9. Sobre o conteúdo moral da discussão argumentativa é particularmente esclarecedora a leitura de HABERMAS, J. Erläuterungen zur Diskursethik (Esclarecimentos sobre a Ética do Discurso) que já possui tradução em português.
10. Veja Von NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Theory of Games and Economic Behavior, cap. VI, § 30.1.1, p. 264.
11. Veja RAPOPORT, A. Lutas, Jogos e Debates, cap. XII, p. 156.
12. Uma análise detalhada do blefe, em uma variante de pôquer simplificada, pode ser encontrada em Von NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Op. cit., cap. IV, §§ 19.1 a 19.16, p. 186-219, que é uma resposta ao problema original tratado por BOREL, É. "Le Jeu du Poker", in Traité du Calcul des Probabilités, et de ses Applications, vol. IV, 2, cap. 5.
13. Veja LUCE, R. D. & RAIFFA, H. Games and Decisions, cap. 6, § 6.2, p. 118.
14. Veja NASH, J. "Non-cooperative Games", in Essays on Game Theory, p. 295.
15. NASH, J. "The Bargaining Problem", in Essays on Game Theory, p. 155.
16. Para ser justo com Rubinstein, KREPS, D. M. Game Theory and Economic Modelling, cap. 5, pp. 125-126 lembra que em seu artigo de 1982 ("Perfect Equilibria in a Bargaining Model"), Rubinstein observara que jogos de negociação com alternância de ofertas que tenham muitos equilíbrios de Nash, há um único equilíbrio livre de ameaças que está próximo da divisão meio a meio.
17. Veja VARIAN, H. R. Microeconomia, cap. 29, § 29.7, pp. 573 e ss.
18. Duas apresentações didáticas diferentes do mesmo resultado de Rubinstein podem ser encontradas respectivamente em FIANI, R. Teoria dos Jogos, cap. 5, p. 132 e VARIAN, H. R. Op. cit., cap. 29, § 29.7, pp. 575.
19. Veja SCHELLING, Th. C. The Strategy of Conflict, cap. 3, p. 61.
20. Veja SCHELLING. Th. C. Op. cit., cap. 3, pp. 66 e ss.
21. Veja MYERSON, R. B. "Communication, Correlated Equilibria and Incentive Compatibility", § 1, p. 828.
22. Veja WIENER, N. Op. cit., cap. 1, p. 16.

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Referências Bibliográficas

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