DISCURSUSTEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO (MAY, E. 'Ben Franklin leva Xeque-Mate de Lady Howe', sec.XIX) O Papel da Comunicação
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TEORIA DOS JOGOS E DA COOPERAÇÃO PARA FILÓSOFOS

SEÇÃO I

» 2ª Unidade: O Papel da Comunicação

  • Informação Perfeita, Ameaças e Outros Conceitos.
Por Antônio Rogério da Silva

A formalização matemática dos modelos de negociação de Nash e Rubinstein, além de suas variantes e dos modelos de Harsanyi-Zeuthen (1) - outros, como Kalai-Smorodinsky e Maschler-Perles, propuseram modelos tendo por base a teoria dos jogos cooperativa (2) -, só foi possível depois que o próprio John Nash se propôs a interpretar a capacidade de negociar de uma maneira diferente da que havia sido traçada por Von Neumann e Morgenstern. Antes, as dificuldades percebidas para a descoberta de um resultado único para um processo de barganha decorria do fato de se considerar imponderável a capacidade de negociação dos agentes. Por causa disso - como conta Ken Binmore, na introdução aos Essays on Game Theory, de John Nash (3)-, a solução para os jogos cooperativos estava voltada para formação de coalizões em um conjunto de resultados que representassem a distribuição dos ganhos entre os participantes. O que significa que, do ponto de vista dos jogos cooperativos, neste tipo de imputação, os jogadores atuariam no sentido de descartar todos os pares de pagamentos conjuntos que fossem dominados por outro ou ao menos o que cada um pudesse obter sem participar da cooperação, ficando a solução entendida como o conjunto das imputações que não podem ser dominadas internamente, entre si, nem externamente, por uma outra escolhida fora do conjunto (4).

Os jogos cooperativos pressupõem que os jogadores possam coordenar seus planos, se ameaçarem e fazerem promessas, em um processo de barganha fora das regras formais do jogo. Neste sentido, Luce e Raiffa destacaram que a seleção de um resultado entre a multiplicidade de pontos em um conjunto de negociação dependeria de "certos aspectos psicológicos dos jogadores que são relevantes para o contexto de barganha" (5). Von Neumann e Morgenstern pensavam estar fornecendo a primeira abordagem matemática apropriada para a sistematização das condições psicológica do problema da barganha, quando tratavam a negociação a partir da perspectiva dos jogos cooperativos. Entretanto, Nash não se satisfez com a constatação de que a solução para o problema da barganha fosse indeterminada e imaginou que os jogadores poderiam ser dotados de técnicas de negociação que fossem as melhores para a situação em que eles se achavam, ao invés de esperar que um negociador racional idealmente seja mais habilidoso do que o outro. Desse modo, a solução cooperativa de Von Neumann e Morgenstern passou a ser interpretada sob a ótica dos mesmos fins básicos que subjazem à teoria dos jogos cooperativos e não-cooperativos, embora nem sempre a visão da negociação como jogo não-cooperativo possa ser reproduzida na realidade.

Por sua vez, Ken Binmore, Martin Osborne e Ariel Rubinstein consideram que tanto a teoria dos jogos cooperativos como a dos não-cooperativos podem ser compreendidas como complementares, pois por ser mais ampla a interpretação cooperativa da negociação apresentaria o conjunto de soluções que, apesar de indeterminado e genérico, permitiria ao modelo da barganha não-cooperativa apontar especificamente em quais contextos o conceito de solução é aplicável (6). O que de certo modo, permite Shubik argumentar que o uso dos termos "cooperativos" ou "não-cooperativos" é inadequado, uma vez que a descrição das situações por regras formais não traz imanente a cooperação ou não-cooperação (7).

A despeito dessa diversidade de opiniões, em Two-Person Cooperatives Games (1950), Nash procurou mostrar como se poderia reduzir o jogo cooperativo a um jogo não-cooperativo, onde a comunicação das etapas de negociação ocorresse em movimentos sequenciais, representados na forma extensiva. Para tanto, cada jogador teria de possuir informação completa da estrutura do jogo e da função de utilidade de seu oponente, sendo ambos indivíduos plenamente racionais. O que vale dizer que todos jogadores sabem que cada um tem o conhecimento comum (informação partilhada pelos envolvidos) de todas as suas respectivas estratégias e ganhos, durante todo o desenrolar do jogo. Assim, cada um sabe quantos participam do jogo, as decisões que podem tomar e as suas recompensas esperadas (8). Além disso, na evolução do jogo, cada jogador tem a informação perfeita sobre qual ponto de decisão, nó do jogo extensivo, se encontra, isto é, na sua vez de escolher o que fazer o agente sempre sabe o que os outros fizeram até aquele momento.

A perfeição e completude das informações disponíveis permitem aos jogadores racionais encontrar por meio do procedimento da indução reversa o equilíbrio perfeito do jogo, antes mesmo de executarem suas ações. O Jogo da Centopeia - desenhado na figura 1 - serve como exemplo de revelação dos efeitos desses conceitos quando analisados sob esta técnica. Partindo do último movimento, a melhor escolha de Coluna seria "esquerda" que lhe proporciona um util a mais do que a "direita". Contudo, Linha prevendo que isto poderia acontecer na penúltima rodada, dobraria à "esquerda", garantindo 99 para ambos. Porém, antes que isso viesse ocorrer Coluna já teria desviado à "esquerda" que lhe pagaria 100, ao invés de se arriscar aos 99. Descendo assim a árvore, a centopeia chegaria às primeiras etapas, onde, seguindo sempre pela "direita", se voltaria à raiz no momento em que Linha já sabendo de tudo que iria se desenrolar, decide escolher a estratégia da "esquerda", de modo que em vez de conseguirem (100, 100) os jogadores da centopeia acabam por conseguirem apenas (1, 1).

Figura 1: Jogo da Centopeia

A perplexidade diante do paradoxo da centopeia é mais uma entre tantos paradoxos apresentados pela Teoria dos Jogos e decorre das premissas de racionalidade e maximização da utilidade que foram apontadas antes [veja A Irracionalidade do Agente Racional]. Mas outros fatores contribuem para sua previsão teórica afronte as intuições do cotidiano. Desde quando Robert W. Rosenthal apresentou o primeiro estudo sobre a "centopeia" - no artigo "A Model in which an Increase in the Number of Sellers Leads to a Higher Price" ("Um Modelo no qual um Incremento no Número de Vendedores Leva ao Preço Superior", 1980) -, vários testes empíricos indicaram que raramente o primeiro jogador escolhe o equilíbrio perfeito descoberto através da indução reversa (9). O conhecimento comum que todos os jogadores partilham entre si das informações relevantes sobre o outro, somado ao prazo finito da interação e a plena consciência das informações que estão em jogo faz com que, teoricamente, a busca pelo menor risco leve a um resultado mínimo, mas seguro, na perspectiva de quem tem uma reputação a preservar. Na prática, entretanto, a imperfeição da informação pode levar a resultados melhores, na Centopeia, devido à incerteza quanto ao final do jogo ou sobre a personalidade do oponente. A informação imperfeita evitaria assim que a indução reversa pudesse ser aplicada. Como foi dito no texto anterior, a indução reversa é o método mais prático para se encontrar em um jogo extensivo - uma árvore de Kuhn - o equilibrio perfeito de um subjogo que vale para todos os outros subjogos e para toda árvore original, ao se descobrir a folha que representa o par de ganhos em equilíbrio para os jogadores, sendo o resultado superior daquele que fez o último movimento correspondente a sua subárvore. No jogo da Centopeia, o equilíbrio perfeito recai sobre (1,1) logo no primeiro movimento do primeiro jogador que dá início a ele. As maneiras pelas quais se pode ter acesso às alternativas melhores na Centopeia e os modelos de jogos dessa família serão expostos na última unidade desta seção. Por enquanto, outros conceitos relacionados com a comunicação precisam ser introduzidos.

Os Conceitos dos Jogos com Comunicação

Embora o modelo de negociação de Nash seja formal ao extremo de praticamente ignorar a cooperação gerada pela comunicação prévia - lembre-se que ele reduziu os jogos cooperativos aos não-cooperativos em seu programa -, teve de incorporar as trocas de ameaças, como dispositivo necessário para alcançar o único ponto de equilíbrio da negociação. Ameaças e promessas constituem compromissos ou ações que os agentes poderiam dispor para restringirem suas escolhas ou as dos outros no futuro, de maneira que não possam mais voltar atrás (10). Na visão de Nash, alguém ameaça o outro quando o convence de que caso não atue conforme sua exigência, então o ameaçador será obrigado a agir no sentido que havia proposto, ainda que isto seja algo que o próprio agente não quisesse fazer (11). Uma definição para ameaça mais curta dos que as cinco regras semânticas que John R. Searle propôs para indicar esta função ilocucional na teoria dos atos de fala, a saber:

  1. Uma ameaça deve ser emitida por uma frase, cuja emissão predica um ato futuro do falante, caso o ouvinte não aja segundo a demanda do falante;
  2. A ameaça deve ser emitida se o ouvinte prefere que o falante não a realize e está em condições de fazer o que o falante quer, sabendo este disto;
  3. A ameaça será enunciada se não for óbvio para os agentes que será executada no decurso normal dos acontecimentos;
  4. Ao enunciar a ameaça o falante tem realmente a intenção de fazê-la, caso o ouvinte não faça o que este quer;
  5. E sua emissão vale como uma obrigação de realização da ação por parte do falante, se o ouvinte não agir como ele deseja (12).
De qualquer forma, trata-se da situação que pode ser claramente representada na matriz montada por Luce e Raiffa, em Games and Decisions, reproduzida na figura 2.

Figura 2 Estratégias Coluna
Esquerda Direita
Linha Alto 0, 100 100, 0
Baixo -1, -200 -40, -300

O par (0, 100) mostra o equilíbrio que resulta do encontro das estratégias puras dominates alto e esquerda, respectivamente para Linha e Coluna. Sem a possibilidade de comunicação e jogado simultaneamente de uma única vez, é previsível que Coluna vá receber 100 e Linha zero. Entretanto, se for permitida a comunicação prévia entre os jogadores, Linha terá a oportunidade de impor um acordo a Coluna, ameaçando jogar "baixo", ainda que viesse sofrer a perda de -1, caso seu oponente mantivesse a posição da "esquerda" e não aceitasse abrir mão dos 100 em seu favor, pelos resultados produzidos através das ações "alto-direita". Do ponto de vista de um agente egoísta, esse tipo de comportamento, da parte da Linha seria impensável, posto que qualquer perda, ainda que pequena, deve ser evitada pela racionalidade estratégica, presumida. Contudo a possibilidade de ameaça está aberta pela via da comunicação e se Coluna prefere fazer valer sua expectativa de ganho, deve evitar de todo modo entrar em contato com Linha, mantendo o jogo na categoria não-cooperativa e preservando o curso "natural" das coisas. Por sua vez, Linha, caso queira perseguir os 100, deve procurar de todas as maneiras levar Coluna à mesa de negociação, onde demonstraria todo seu poder de barganha. Neste caso, Coluna poderia contra atacar ameaçando "direita" se Linha jogar "baixo". Porém, o prejuízo que teria seria maior do que os -40 impostos ao primeiro, já que o próprio perderia 100 a mais do que em sua dominante. A ameaça de Coluna, portanto, teria pouca credibilidade em relação a da Linha (13).

Para que a comunicação da ameaça surta algum efeito, é preciso que o oponente não perceba que haja qualquer incentivo da parte de quem ameaça para mentir. Desde modo, o grau de credibilidade que o conteúdo desta informação pode alcançar depende da coincidência dos interesses dos jogadores em um ponto de equilíbrio viável. Mas ainda assim, uma completa previsão do que pode acontecer depende de um entendimento detalhado da análise econômica e psicológica dos agentes, posto que entra em jogo também a reputação de cada um e sua disposição em preservá-la. A troca de ameaças em uma negociação visa promover a dissuasão entre as partes. Nesse sentido, agir como uma máquina do juízo final torna-se um recurso muito eficaz em situações extremas [veja sua descrição em Dr. Fantástico]. Por outro lado, paradoxalmente, cortar as comunicações pode vir a ser a melhor atitude de quem tenha vantagem se o jogo for disputado de uma só vez na forma não-cooperativa, sem conversações prévias. Além disso, um dos fatores que contribuem para reforçar a credibilidade das ações é o custo de realização das ameaças. Quanto maiores eles forem e quanto mais abrangentes as suas consequências, maiores são as dúvidas de que possam vir a ser desempenhadas, tal como a destruição nuclear, depois da Guerra Fria. Esse detalhe sobre o custo da ameaça para o falante permite que a interpretação desse tipo de ato de fala, seja mais abrangente, através da Teoria ds Jogos do que apenas pela Filosofia da Linguagem, uma vez que vai mais longe que a visão analítica, semântica, ou até pragmática, comum a essa área da filosofia, e amplia os estudos da compreensão do comportamento linguístico, incorporando os interesses expressos na função de utilidade dos agentes falantes.

Outro aspecto linguístico importante que pode ser tratado pela teoria dos jogos falados diz respeito ao significado que não pode ser entendido apenas por análise de conceitos. As mensagens que são empregadas para formação de equilíbrio precisam ser enviadas dependem do conhecimento comum da língua partilhado pelos falantes de uma comunidade. Mensagens que sejam consideradas neologismos, inesperadas para o contexto em que estão sendo usadas, não permitem que pontos de equilíbrios possam ser encontrados, exceto quando seu significado literal é considerado. De tal sorte, que a interpretação do significado fornecida por Joseph Farrell corrobora a concepção wittgensteiniana de que o uso é uma das principais maneiras de conferir significado aos termos da língua (14). Mesmo que problemas de comunicação possam impedir a troca de informações entre os jogadores, prejudicando a compreensão do significado, modelos de situações onde se busca a coordenação, mostram que pontos focais podem ser descobertos por agentes que partilhem interesses comuns e convivam sob convenções semelhantes. Seguindo Thomas Schelling, de um modo geral jogos de coordenação são aqueles em que situações de negociação tácita podem transformar o conflito de interesses na escolha por uma ação coordenada promovida por um consenso em torno de um resultado que corresponda à mesma interpretação de algum sinal que sirva de foco para o encontro das trajetórias traçadas. Tais pontos focais precisam ser nítidos e restringirem os possíveis resultados. Jogos de coordenação podem surgir entre pessoas com interesses divergentes, como na divisão meio-a-meio dos $100 descrita no texto anterior ou podem aparecer como "pura coordenação" na matriz da figura 3.

Figura 3 Estratégias Coluna
Esquerda Centro Direita
Linha Alto 10, 10 0, 0 0, 0
Centro 0, 0 9, 9 0, 0
Baixo 0, 0 0, 0 10, 10

Embora (9, 9) não ofereça o melhor pagamento entre os pontos de equilíbrio, é o único resultado que permite o encontro sem confusão entre os jogadores, na ausência de comunicação, pois provê uma dica ou "cola" que orienta as escolhas comuns feitas por agentes racionais. Pontos focais, nem sempre fornecem a melhor solução para os indivíduos, no sentido estrito da teoria dos jogos, mas são uma indicação de que, em contextos empíricos, sinais e convenções devem ser apreciados para que uma escolha recaia em soluções racionais fora de "uma formulação dos jogos puramente matemática" (15). Na coordenação das ações, a comunicação leva ao encontro de um equilíbrio mais refinado para os agentes, principalmente quando o ótimo de Pareto está disponível. Porém, ainda que uma comunicação direta não seja possível a simples presença de um rótulo ou mediador (humano ou máquina) pode ajudar os jogadores a se comunicarem ou sugerir estratégias que levem aos melhores resultados. Sua atuação fica evidenciada, por exemplo, em jogos de multi-estágios como o da figura 4. A tarefa do mediador é de procurar uma ação recomendável para cada jogador, que pode ser uma probabilidade, e apresentá-la confidencialmente a cada um. Tais ações são calculadas a partir de relatórios fornecidos pelos jogadores, e sua precisão depende da honestidade dos relatos e da obediência às recomendações.

Figura 4: Jogo em Multi-estágios

De acordo com a interpretação fornecida por Roger B. Myerson, este jogo de multi-estágios faz com que o primeiro jogador, a Linha, tenha um momento em que pode decidir se escolhe a ação "A", onde um equilíbrio de Nash aguarda em (2,2), ou "a", arriscando obter (5,1) como um outro ponto de equilíbrio que poderia ser alcançado se Coluna fosse para "E" depois de Linha ter jogado "C". Contudo, apenas um mecanismo gerador de probabilidade poderia tornar isto factível, uma vez que o conjunto de informação de Coluna não permitiria que este decidisse pela estratégia pura "E", sabendo que poderia ganhar (1,5), seguindo "D". Se um meio de comunicação pudesse garantir que a probabilidade 0,5 seria assinalada para ambos resultados (C, E) e (B, D), então, cada um poderia receber a expectativa de ganho de pagamento (3, 3), como uma mistura dessas duas estratégias. Porém, este novo ponto de equilíbrio só estaria disponível se Linha abrisse mão de ir para "A", estratégia que domina "B", por lhe fornecer dois seguros e não apenas o incerto um. Neste instante, a presença de um mediador facilita-lhe as coisas ao recomendar que Linha vá para "a", a fim de maximizar sua utilidade esperada. No segundo estágio, o mediador imparcial faz suas recomendações depois de lançar uma moeda, cujos lados estariam vinculados respectivamente às estratégias conjuntas (C, E) e (B, D). Sua orientação não será desobedecida enquanto um jogador esperar que o outro obedeça às instruções. Tentar fugir unilateralmente dessa situação, tem como punição zero de recompensa. Tal exemplo, ilustra o modo como a comunicação em multi-estágios, feita em qualquer etapa do jogo extensivo, pode gerar novos equilíbrios com a intervenção de um mecanismo de mediação adequado (16).

Sinalização e "Conversa Barata"

Todas as situações em que a comunicação foi apresentada até agora foram montadas de maneira que a troca de mensagens e a transmissão de informações, de um modo geral, não representavam nenhum custo para o emissor, falante ou ouvinte. Quando isso acontece, significa que o simples fato da conversação ter sido permitida não alterou os valores da matriz de pagamentos dos jogadores envolvidos. Uma conversa barata (do inglês cheap talk), além do custo zero de implementação, só pode ser compreendida quando a comunicação é plena, sem mediadores e sem compromissos vinculantes anteriores. Em uma "conversa barata", os jogadores simplesmente falam, embora nem sempre os jogadores confiem na verdade do que é dito ou acreditem na palavra de quem fala. Não obstante, ainda que não modifique diretamente os pagamentos, as respostas dos ouvintes ao que é dito afetam decisivamente o resultado do jogo. O que significa que em deternimados cenários a conversação plena pode gerar a confiança e a crença que motivem os jogadores à cooperação (17).

Desde que Luce e Raiffa criaram a "Batalha dos Sexos" [veja a matriz em Estratégias Dominantes, Maximin...], sabe-se que a presença da comunicação proporciona resultados melhores, na fronteira do ótimo de Pareto, aos jogadores. O segundo estágio do exemplo fornecido por Myerson é uma variante da "batalha" original na sua forma extensiva. Nestes casos, um mecanismo de mediação gera a confortável aplicação de suas estratégias mistas. Entretanto, uma autêntica conversa barata não lança mão de tais recursos. Se for permitido que um dos jogadores, como a Linha, tenha a primazia de transmitir uma mensagem antes de Coluna anunciar sua decisão, a escolha por sua estratégia favorita obrigará o segundo a seguir esse programa, sob pena de ambos nada obterem. Para que o jogo de conversa barata, também chamado de Jogo Falado (18), tenha efeitos positivos sobre as pretensões dos jogadores de modo simultâneo, é preciso que se constitua uma loteria em que ambos troquem mensagens ao sabor da sorte até que uma estratégia coordenada surja em primeiro lugar. Assim, uma longa conversa barata soluciona o problema de coordenção em jogos onde haja conflitos de interesses, como na Batalha dos Sexos, ao permitir que a troca de informações seja feita, durante várias rodadas indeterminadas, até que uma opção em equilíbrio surja entre os falantes. No entanto, existem razões para estar cético quanto à eficiência dos jogos falados que serão exploradas no próximo ponto.

Em geral, no jogo falado, as mensagens que estão sendo utilizadas não influem nos ganhos dos jogadores, pois seus significados são de conhecimento comum. Os equilíbrios obtidos dependem apenas do conteúdo da informação que está sendo enviada e das ações tomadas a partir disso. As mensagens passam a determinar os resultados quando a informação é incompleta para os jogadores, isto é, um jogador (o emissor) sabe de alguma coisa relevante que o outro (o receptor) desconhece. Nesta circunstância, a transmissão de um sinal eficaz passa a ter importância decisiva nos jogos chamados de sinalização, aqueles que na sua descrição canônica correspondem ao jogo simples de duas pessoas, desenrolado em dois estágios, no qual o Emissor (E) detém uma informação privada com um tipo de valor (t) que deve ser transmitida por uma mensagem ou sinal (s), tirada do repertório (S), ao Receptor (R). Este, por sua vez, embora desinformado, possui crenças, baseadas no conhecimento comum, sobre o tipo da informação de E que será transmitida com uma distribuição de probabilidade qualquer (p), em relação ao conjunto de tipos possíveis (T). Ao receber o sinal, R escolhe de sua lista de estratégias compatíveis (A) a ação (a) mais adequada a ser tomada. Os ganhos de ambos jogadores é obtido por uma função que envolve os conjuntos (T, S, A) para cada um. Ao passo que, em uma "conversa barata", os resultados dos falantes são atingidos pelas funções de (T, A), já que a mensagem não acarreta nenhum custo para ambos.

Sobre outro aspecto, as mensagens que não são usadas para formar equilíbrios são chamadas de neologismos. Apesar de inesperados, os neologismos podem, entretanto, vir a ter significado e credibilidade, quando o conhecimento comum for rico o suficiente para permitir uma compreensão literal do enunciado. Sua credibilidade também pode ser resgatada em situações em que as mensagens são auto-sinalizantes, quando E deseja que R acredite que o sinal corresponde precisamente a t, sabendo que isso só será possível se a mensagem for verdadeira. Nesses casos, R poderia dar crédito ao neologismo, interpretando subjetivamente, com razoável probabilidade, que sua crença na verdade de t é correta (19).

Um exemplo típico de sinalização ocorre nas vendas, em geral, onde o vendedor (E) de carros ou imóveis procura levar o consumidor (R) a se decidir pela compra do produto ou serviço. O produto pode estar em perfeito estado ou conter algum vício oculto (T) e o vendedor sabe qual é o seu verdadeiro tipo. Na dúvida, o comprador atribui uma certa probabilidade (p) para o estado do objeto. Sem ter como apresentar diretamente a qualidade do produto, o vendedor deve oferecer uma garantia que será transmitida por um sinal. O comprador decide, com base nesta mensagem, por pagar um preço que varia de acordo com a amplitude da garantia (A). Algumas variações desta situação admitem mais de um comprador ou ainda ofertas do tipo pegar ou largar, quando o vendedor junto com a garantia estipula um preço fixo para venda, demonstrando que tem pleno domínio da negociação (20).

Esses são os principais conceitos empregados na Teoria dos Jogos na hora de analisar os modelos de situações em que a comunicação exerce a sua influência. Muitos outros surgem para explicar os detalhes eventuais ao longo da investigação. No próximo texto, ver-se-á como eles podem ser mobilizados nos modelos que já se tornaram clássicos, enquanto a comunicação transformar jogos não-cooperativos em cooperativos, e vice-versa, desmanchando os limites tradicionais e apresentado os jogos falados como uma nova categoria, com suas complexidades e dificuldades próprias.

Notas
1. Uma introdução acessível aos modelos de barganha não-cooperativa pode ser encontrada em BINMORE, K., OSBORNE, M. J. & RUBINSTEIN, A. "Noncooperative Models of Bargaining", in AUMANN, R. J. & HART, S. Handbook of Game Theory, vol 1, cap. 7, pp. 181-225. Muitos detalhes, como desconto, risco, pagamentos laterais, negociação com múltiplos agentes, entre outros, não poderão ser discutidos aqui.
2. Descrição sumária dos modelos de Kalai-Smorodinsky e Maschler-Perles pode ser lida em SHUBIK, M. Teoría de Juegos en las Ciencias Sociales, VII, §§ 6.1 e 6.2, pp. 192-196.
3. Veja BINMORE, K. "Introduction", in NASH, J. F. Essays on Game Theory, p. XIII.
4. Veja VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. Theory of Games and Economic Behavior, cap. 1, § 4.5, pp. 39-40.
5. LUCE, R. D. & RAIFFA, H. Games and Decision, cap. 6, § 6.2, p. 118.
6. Veja BINMORE, K., OSBORNE, M. J. & RUBINSTEIN, A.Op. cit., vol 1, cap. 7, pp. 181-182.
7. Veja SHUBIK, M. Op. cit., § IX.1, p. 232, n. 1.
8. Veja NASH, J. F. "Two-Person Cooperative Games", in Essays on Game Theory, pp. 129-130.
9. Veja KREPS, D. M. Game Theory and Economic Modelling, cap. 4, pp. 77-82.
10. Veja BINMORE, K., OSBORNE, M. J. & RUBINSTEIN, A.Idem, vol 1, cap. 7, § 4, p. 197.
11. Veja NASH, J. F. Op. cit., p. 130.
12. Tentativa de estabelecer as regras semânticas da ameaça tendo por base a teoria exposta por SEARLE, J. R. Atos de Fala, cap. 3, § 3.4, pp. 86-95.
13. Veja LUCE, R. D. & RAIFFA, H. Op. cit., cap. 6, § 6.3, pp. 119-120.
14. É no artigo FARRELL, J. "Meaning and Credibility in Cheap-Talk Games", § 5, p. 519 que a aproximação entre a Teoria dos Jogos e a Teoria da Linguagem de WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas aparece de uma forma explícita.
15. SCHELLING, Th. The Strategy of Conflict, apêndice C, pp. 302-303.
16. Tudo isso está em MYERSON, R. B. "Multistage Games with Communication", § 2, pp. 325-327.
17. Veja FARRELL, J. & RABIN, M. "Cheap Talk", p. 104 e AUMANN, R. J. & HART, S. "Long Cheap Talk", pp. 1 e 2.
18. Para a explicação que se segue, veja AUMANN, R. J. & HART, S. Op. cit., p. 14.
19. Veja FARRELL, J. Op. cit, §§ 2 a 6, pp. 516-521.
20. Para descrição do modelo canônico e da sinalização de mercado, queira ver KREPS, D. M. & SOBEL, J. "Signalling", in AUMANN, R. & HART, S. Handbook of Game Theory with Economic Application, vol. 2, cap. 25, pp. 851-852.

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Referências Bibliográficas

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