SUMÁRIO

INTRODUÇÃO *

1. HOMICÍDIO SIMPLES *

1.1. Conceito *

1.2. Objetividade jurídica *

1.3. Sujeito ativo *

1.4. Sujeito passivo *

1.5. Tipo objetivo *

1.6. Nexo de causalidade *

1.7. Tipo subjetivo *

1.8. Consumação e tentativa *

2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO * 2.1. Impelido por motivo de relevante valor social (sentimento coletivo); *

2.2. Impelido por relevante valor moral (sentimento individual) *

2.3. sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima *

2.4. Fatos controversos do homicídio privilegiado *

3. Homicídio Qualificado * 3.1. Artigo 121, § 2° , inciso I, Código Penal - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe. *

3.2. Artigo 121, § 2°, inciso II, Código Penal - por motivo fútil. *

3.3. Artigo 121, § 2°, inciso III, Código Penal - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. *

3.4. Artigo 121, § 2°, inciso IV, Código Penal - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. *

3.5.Artigo 121, § 2°, inciso V, Código Penal - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. *

4. HOMICÍDIO CULPOSO SIMPLES * 4.1. Capitulação e noções gerais *

4.2. Elementos ou categorias do homicídio culposo *

4.2.1. Conduta voluntária *

4.2.2. Resultado antijurídico não intencional *

4.2.3. Nexo causal *

4.2.4. Inobservância do cuidado objetivo e modalidades de culpa *

4.2.5. Previsibilidade objetiva *

4.2.6. Ausência de previsão *

4.2.7. Tipicidade *

4.3. Questões controversas *

4.3.1. Culpa consciente e dolo eventual *

4.3.2. Previsibilidade do evento *

4.3.3. Co-autoria *

4.3.4. Imperícia ou erro profissional *

4.3.5. Ofendículos *

4.3.6. Prestação de socorro *

4.3.7. Extensão do perdão judicial *

CONSIDERAÇÕES FINAIS *

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS *
 
 


INTRODUÇÃO

O crime de homicídio, previsto normativamente na estrutura penal, estabelece essencialmente a preservação da vida humana.

Com esta exposição, procura-se trazer este instituto à baila, a fim de que sejam delimitados os aspectos, características, qualificadoras e privilégios existentes com relação ao crime de homicídio no ordenamento jurídico nacional.

O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo, a partir de pesquisa bibliográfica, em especial livros doutrinários e jurisprudências pertinentes sobre o assunto.

O trabalho foi estruturado em quatro capítulos. No primeiro discorreu-se sobre a forma básica do delito de homicídio, ou melhor, o homicídio simples, dando-se certa relevância ao seu conceito, objetividade jurídica, os sujeitos do delito, o tipo objetivo, o tipo subjetivo etc.

No segundo capítulo relatou-se a respeito do homicídio privilegiado, especificamente quando a prática do mesmo deu-se por motivo de relevante valor social, relevante valor moral e violenta emoção, destacando-se alguns aspectos controvertidos acerca do tema.

No terceiro capítulo foram abordadas certas circunstâncias elementares enumeradas nos incisos do § 2° no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, os quais qualificam diretamente o crime, trazendo à tona um aumento na pena ao agente causador do delito criminoso. Desta forma, tratou-se do homicídio quando cometido mediante paga ou promessa de recompensa; por motivo fútil; com o emprego de veneno, etc.

Respeitante ao quarto capítulo, deslindou-se acerca do homicídio quando praticado de forma culposa, dando ênfase à conduta voluntária, ao resultado, ao nexo causal, à inobservância do cuidado objetivo, previsibilidade etc., dando-se uma especial atenção a certas controvérsias.

Destaca-se, por fim, que o presente estudo objetiva propiciar uma visão geral do crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, ressaltando algumas curiosidade e interpretações controvertidas, porém, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, porquanto a intenção é apenas relembrar alguns aspectos que foram estudados durante a graduação e devam ser considerados durante a vida profissional.
 
 


1. HOMICÍDIO SIMPLES

1.1. Conceito

Desde os primórdios, a humanidade incrimina o homicídio, o qual consta, inclusive, de um dos mandamentos: Não matarás. Dito isto, ressalta-se que o homicídio simples é previsto no Código Penal, em seu artigo 121, caput, que dispõe: "Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos."

Desta forma, para que haja o tipo ‘homicídio simples’, o agente deverá praticar todos os elementos (ou categorias) desta norma penal, senão cairemos na tentativa. Exemplificando: Matar (1.º elemento) alguém (2.º elemento).

Assim, presentes estes dois elementos, já é possível ao Promotor de Justiça formar um juízo subjetivo de culpabilidade. Porém, nem sempre tal juízo poderá ser considerado verdadeiro (p. ex., lesões corporais seguidas de morte – crime preterdoloso – dolo no antecedente e culpa no conseqüente).

Julio Fabbrini Mirabete destaca:

"O homicídio, punido desde a época dos direitos mais antigos, era definido por Carrara como sendo a destruição do homem injustamente cometida por outro homem, por Carmignani como a ocasião violenta de um homem injustamente praticada por outro homem e por Antolisei como a morte de um homem ocasionada por outro homem com um comportamento doloso ou culposo e sem o concurso de causa de justificação." (grifamos) Da explanação acima referida, constata-se a presença dos termos "injustamente "e "violenta", porém, merece contraste que injustiça e violência não fazem parte do tipo penal homicídio.

Neste sentido, manifesta-se Damásio E. de Jesus:

"Alguns conceitos antigos incluem na definição a injustiça e a violência. Entretanto, a injustiça do comportamento do sujeito não integra o tipo penal pertencente ao segundo requisito do crime, à antijuridicidade. Não possuindo o tipo de homicídio qualquer elemento de natureza normativa, referente à ilicitude do comportamento, não devemos incluir no conceito a antijuridicidade. Esta é requisito do crime de homicídio. A violência também não faz parte do conceito, uma vez que é perfeitamente possível ao sujeito causar a morte da vítima sem emprego de força bruta, como é o caso do venefício." Feitas tais considerações, constata-se que a melhor definição para o crime de homicídio é: "destruição da vida de um homem provocada por outro".

1.2. Objetividade jurídica

O objeto jurídico a ser tutelado com o presente dispositivo é a vida humana. Acerca de tal bem jurídico e sua proteção, Julio Fabrini Mirabete assevera:

"Tem a vida a primazia entre os bens jurídicos, sendo indispensável à existência de todo direito individual porque ‘sem ela não há personalidade e sem esta não há cogitar de direito individual’. Consta do art. 4.º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário: ‘Toda pessoa tem o direito que se respeito sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.’ Protege-se a vida humana extra-uterina, considerada esta como a que passa a existir a partir do início do parto. Na eliminação da vida intra-uterina há aborto." 1.3. Sujeito ativo

Segundo Damásio E. de Jesus, "o tipo do homicídio não contém exigência de nenhuma qualidade pessoal do sujeito ativo ou passivo. Não é crime próprio, a exigir uma legitimidade ativa ou passiva "

Assim sendo, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição particular. Ressalta-se que devem ser excluídos de tal conceituação aqueles que atentam contra a própria vida, eis que trata-se de suicídio, o qual é considerado atípico.

Acrescente-se que o delito de homicídio admite co-autoria e participação, por ação ou omissão. Nesta órbita de idéias é da jurisprudência:

"TJMG: ‘Homicídio. Co-autoria. Acusado que, estando ao lado do filho menor, que portava revólver, nada fez para impedir que ele disparasse a arma, alvejando mortalmente a vítima com quem havia brigado. Pronúncia mantida. Inteligência do art. 25 (art. 29 vigente) do CP. A co-autoria não depende da prática de atos de execução pelo próprio co-autor, sendo suficiente para a sua caracterização a simples presença física do partícipe em atitude de solidariedade, de auxiliar, eventualmente, o agente’ (RT 536/368). 1.4. Sujeito passivo

O sujeito passivo pode ser qualquer ser vivo, nascido de mulher. Ressalta-se que a vida começa com o rompimento do saco amniótico. Se o delito contra a vida for praticado antes do início do parto, o crime será de aborto.

Destaca-se a seguinte jurisprudência:

"TACRSP: ‘Tocante ao sujeito passivo do crime de homicídio: ‘Pode ser qualquer pessoa, ou seja, qualquer ser vivo, nascido de mulher. Antes do nascimento não há crime de homicídio, mas, sim, de aborto. Todavia, a morte do feto durante o parto configura crime de homicídio, a menos que seja praticado pela própria mãe, sob a influência do estado puerperal, caso em que o crime a identificar-se será infanticídio. Desde o início do parto (que se dá com o rompimento do saco amniótico) a morte do feto constituirá homicídio’ (RT 729/571)." Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt esclarecem acerca da possibilidade do delito de homicídio não se enquadrar junto aos crimes contra a pessoa: "...quando o sujeito passivo de homicídio for o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara de Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, o crime será contra a Segurança Nacional (art. 29 da lei 7.170/83). Quando se tratar de vítima menor de 14 anos, a pena será majorada em um terço (2.ª parte do § 4.º, com redação da Lei 8.096/90 – ECA)." Da mesma forma é a manifestação de Damásio E. de Jesus, que acrescenta, sobre a qualificadora por ser o crime praticado contra menor de quatorze anos: "Tratando-se, entretanto, de fato cometido contra o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal, o delito é contra a Segurança Nacional (Lei n.º 7.170, de 14-12-1983, art. 29). Sendo doloso e praticado contra vítima menor de 14 anos incide uma causa de aumento de pena, nos termos do art. 121, § 4.º, 2.ª parte, do CP." 1.5. Tipo objetivo

A conduta típica consiste em matar alguém, isto é, eliminar a vida de outra pessoa. Assim sendo, merece destaque que o homicídio exige, no mínimo, a inclusão de dois sujeitos, o que mata e o que morre.

Circunstâncias particulares que ocorrerem na realização do homicídio estão fora do tipo, mas poderão integrar as qualificadoras ou privilegiadoras do crime. Ora, o homicídio pode ser cometido por intermédio de conduta comissiva ou omissiva. Os meios de execução podem ser materiais ou morais. E o homicídio pode, ainda, ser praticado por meio direto ou indireto.

Júlio Fabbrini Mirabete ressalta:

"Os meios para a prática do crime podem ser físicos, químicos, patogênicos ou até morais, como a provocação de susto para matar, ou a condução de um cego para o abismo. Pode ser praticado por ação ou omissão, ocorrendo o ilícito pela inatividade do agente que tinha o dever de agir para evitar o resultado (art. 13, § 2.º do CP). Evidentemente, como em qualquer crime, não se dispensa o nexo causal entre a conduta e a morte do ofendido, sempre com fundamento na teoria da equivalência dos antecedentes referida no art. 13." Sintetizando a abordagem supra referida, adscreve Celso Delmanto: "Pode o homicídio ser praticado por qualquer meio de execução (crime de forma livre), direto ou indireto, tanto por ação como por uma conduta negativa (omissão), lembrando-se, quanto a esta, ser necessário que o agente tenha o dever jurídico de impedir a morte da vítima (CP, art. 13, § 2.º)" 1.6. Nexo de causalidade

Para que alguém seja responsabilizado pela prática de homicídio, deve-se demonstrar o nexo de causalidade entre a sua conduta e o resultado morte.

Damásio E. de Jesus exemplifica a questão:

"A mata B a golpes de faca. Há o comportamento humano (ato de desferir facadas) e o resultado (morte). O primeiro elemento é a causa; o segundo, o efeito. Entre um e outro existe uma relação de causalidade, uma vez que a vítima faleceu em conseqüência dos ferimentos produzidos pelos golpes de faca. Ao estabelecer-se esse liame, o juiz não irá indagar se o sujeito agiu acobertado por uma causa de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade. Verificará apenas se a morte foi produzida pelo comportamento do sujeito, pois a ilicitude e a culpabilidade pressupõe a imputação do fato a um sujeito. Somente após apreciar a existência do fato típico, no qual se inclui o nexo causal entre a conduta e o evento, é que fará juízos de valor sobre a ilicitude e a culpabilidade." Destaca-se que o Código Penal Brasileiro adotou a teoria da equivalência dos antecedentes, ou seja, atribui relevância causal a todos os antecedentes do resultado.

Dito isto, mais uma vez socorre-se aos exemplos de Damásio E. de Jesus:

"...o movimento de um automóvel, são considerados a máquina, o combustível etc., que influem no movimento. Com a exclusão de qualquer deles, o movimento se torna impossível. Em relação ao resultado, ocorre o mesmo fenômeno: causa é toda condição do resultado, e todos os elementos antecedentes têm o mesmo valor. Para se saber se uma ação é causa do resultado, basta, mentalmente, excluí-la da série causal. Se com sua exclusão o resultado teria deixado de ocorrer, é causa. É o denominado procedimento hipotético de eliminação de Thyrén, segundo o qual a mente humana julga que um fenômeno é condição de outro toda vez que, suprimindo-o mentalmente, resulta impossível conceber o segundo fenômeno. Suponha-se que A tenha matado B. A conduta típica possui uma série de fatos antecedentes, dentre os quais podemos sugerir os seguintes: 1.º) produção do revólver pela indústria; 2.º) aquisição da arma pelo comerciante; 3.º compra de revólver pelo sujeito; 4.º)refeição tomada pelo homicida; 5.º) emboscada; 6.º) disparo de projéteis; 7.º resultado morte Dentro dessa cadeia, excluindo-se os fatos sob ns. 1.º a 3.º, 5.º a 6.º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados causa. Excluindo-se o fato n.º 4 (refeição), ainda assim o evento teria acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada causa." 1.7. Tipo subjetivo

O tipo subjetivo de qualquer delito compreende o dolo e os elementos subjetivos do injusto ou a culpa em sentido estrito.

No dizer de Celso Delmanto, o tipo subjetivo do delito de homicídio é o "dolo (vontade livre e consciente de matar alguém), tanto direto como eventual. Na corrente tradicional é o ‘dolo genérico’."

Já para Damásio de Jesus, para a configuração do dolo de homicídio:

"...é necessário que o agente tenha consciência do comportamento positivo ou negativo que está praticando e, do resultado típico. Em segundo lugar, é preciso que sua mente perceba que a conduta pode derivar a morte do ofendido, que há ligação de causa e efeito entre eles. Por último, o dolo requer vontade de praticar o comportamento e causar a morte da vítima." Destaca-se que efetivar distinções entre o dolo e a culpa, no tipo subjetivo do delito de homicídio é de suma importância para a sua tipificação e, conseqüentemente, para o enquadramento do sujeito ativo.

Podemos citar, p. ex., a controvérsia existente entre o delito de homicídio e lesões corporais seguidas de morte. Ora, a distinção entre ambas as condutas é dada apenas pelo elemento subjetivo, ou seja, animus necandi, pois, enquanto no homicídio existe dolo no antecedente e conseqüente, nas lesões corporais existe dolo no antecedente, porém, culpa no conseqüente. Trata-se de crime preterdoloso.

Sobre crime preterdoloso é a doutrina de Julio Fabbrini Mirabete:

"O crime preterdoloso é um crime misto, em que há uma conduta que é dolosa, por dirigir-se a um fim típico, e que é culposa pela causação de outro resultado que não era objeto do crime fundamental pela inobservância do cuidado objetivo. Não há aqui um terceiro elemento subjetivo, ou forma nova de dolo ou mesmo de culpa. Como bem acentua Pimentel, ‘é somente a combinação de dois elementos — dolo e culpa — que se apresentam sucessivamente no decurso do fato delituoso: a conduta inicial é dolosa, enquanto o resultado final dela advindo é culposo. Há, como se tem afirmado, dolo no antecedente e culpa no conseqüente." Outra controvérsia existente é quanto ao elemento subjetivo da tentativa de homicídio, em contraposição com o delito de lesões corporais. Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em acórdão da lavra do eminente Des. Nilton Macedo Machado, assentou: "JÚRI — HOMICÍDIO — TENTATIVA — DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS — ANIMUS NECANDI DEMONSTRADO — DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS — NOVO JULGAMENTO ORDENADO. A tentativa também se revela pelos atos praticados pelo agente, aliados à natureza e sede das lesões sofridas pela vítima; se ele não só feriu a vítima em região letal, mas também se evidenciou que tinha o objetivo de matá-la, não se trata de lesão corporal, mas de homicídio tentado diante do evidente animus necandi." Ora, enquanto o delito de lesões corporais consiste na vontade livre e consciente de apenas causar dano à integridade física ou à saúde de outrem ou a aceitação do risco de provocar o resultado, o de homicídio consiste na vontade de ceifar a vida de um semelhante.

Na mesma linha dos ensinamentos precedentes, destaca-se o seguinte precedente:

"TJSP: Quem dispara arma em direção do ofendido demonstra vontade de produzir o resultado morte, ou assume o risco de produzi-la. Tal fato de forma alguma se ajusta à imprudência, cujo conceito é inteiramente outro (RT 404/100). Assim sendo, o tipo subjetivo no delito de homicídio, ou melhor, o dolo do homicídio "é a vontade consciente de eliminar uma vida humana, ou seja, de matar (animus necandi ou occidendi), não se exigindo qualquer fim especial. A finalidade ou motivo determinante do crime pode, eventualmente, constituir uma qualificadora (motivo fútil ou torpe etc.) ou uma causa de diminuição de pena (relevante valor moral ou social)."

Para finalizar, no que pertine ao homicídio com dolo eventual, o qual deve ser equiparado ao dolo direto, colaciona-se o seguinte julgado:

"TJSP: Dolo eventual é plenamente equiparado ao dolo direto. É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento equivale tanto quanto quere-lo; ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu advento (RT 720/412)." 1.8. Consumação e tentativa

Consuma-se o homicídio quando da ação humana resulta a morte da vítima. Como crime material, admite a tentativa. Podem ocorrer também as hipóteses de desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Quanto ao acontecimento das hipóteses de desistência voluntária e arrependimento eficaz, traz-se à colação os exemplos práticos de Edmundo José de Bastos Júnior:

"Liroca, querendo eliminar seu inimigo Tibúrcio, dispara contra ele dois tiros, prostrando-o ao solo, sem, todavia, feri-lo mortalmente. Com o inimigo caído a seus pés, e dispondo de outras balas no revólver, Liroca muda de idéia e se retira, sem efetuar novos disparos. Tibúrcio sofre lesões graves, mas sobrevive. — Está caracterizada a desistência voluntária. Liroca só responde por lesão corporal grave. O motivo da interrupção do ataque não vem ao caso, a menos que fosse a convicção de que os ferimentos causados na vítima já eram suficientes para determinar-lhe a morte, porque, nesta hipótese, evidentemente, não haveria razão para o tratamento privilegiado, restando punível a tentativa. E logo em seguida, caracteriza a outra hipótese: "Amoroso quer matar a sogra e, para tanto, serve-lhe um chá com dose legal de veneno. Condoíco, dá-lhe um vomitório e lhe salva a vida. — Tendo sido eficaz o arrependimento de Amoroso, é ele punível por lesão grave (perigo de vida). Se, contudo, tivesse seu esforço resultado vão, sobrevindo a morte da mulher, responderia ele por homicídio consumado."

2. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO

O homicídio privilegiado está elencado no artigo 121, § 1° do Código Penal Brasileiro, "in verbis":

"Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (viinte) anos. Caso de diminuição de pena. § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço." Não é delito autônomo; é um caso de diminuição de pena;

Divide-se em três privilegiadoras, sendo as duas primeiras presas aos motivos determinantes do crime:

2.1. Impelido por motivo de relevante valor social (sentimento coletivo);

Há que se frisar que neste caso, deve se tratar de um valor coletivo. Para Ferri estes crimes sugerem a existências de uma paixão social merecedora de benevolência da lei, v. g., sugeridos pela exposição de motivos do Código Penal, a morte causada por patriotismo ao traidor da pátria, e a eliminação de um perigoso bandido para que se assegure a tranqüilidade da comunidade.

2.2. Impelido por relevante valor moral (sentimento individual)

Diz respeito aos interesses individuais, particulares do agente, entre eles os sentimentos de piedade e compaixão, v.g., o homicídio eutanásico, haja ou não consentimento do ofendido. É punível a ortotanásia (eutanásia por omissão), mas discute-se a possibilidade de não se falar em homicídio quando se interrompe uma vida mantida artificialmente por meio de aparelhos.

2.3. sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima

O chamado homicídio emocional tem 03 requisitos para sua configuração; a) emoção violenta; b) injusta provocação da vítima; c) imediatidade entre provocação e reação. A emoção deve ser violenta intensa, absorvente, atuando o homicida em verdadeiro choque emocional; pois quem reage quase que com frieza não pode invocar o privilegio. Se existir apenas a influência da emoção, ocorre somente a atenuante prevista no art. 65, inciso II, alínea "c", do Código Penal (RT 625/267). Necessário ainda que o estado emotivo tenha-se apresentado em decorrência de injusta provocação da vítima. A potencialidade provocadora – afirma Bento de Faria – deve ser apreciada com critério relativo, tendo em vista as relações anteriores entre ambos, a educação, as circunstâncias de lugar, tempo, etc... Por mais grave que seja a provocação e que dela haja resultado violenta emoção, somente ocorrerá a causa minorante se for aquela injusta, ou seja, antijurídica ou sem motivo razoável (RJTESP 26/465; RT 429/367, 494/3762, 596/311, 620/280). Decidiram-se jurados e tribunais pela ocorrência de homicídio privilegiado na conduta do réu, cuja filha menor fora seduzida e corrompida por seu ex-empregador (RJTJESP 28/384, 25/487), do que fora provocado e mesmo agredido momentos antes pela vítima (RT 398/82) ou do que sofrera injúria agredido momentos antes pela vítima (RT 394/82) ou do que sofrera injúria real (RF 163/130. 112/228). Ocorre também o homicídio emocional quando o marido surpreende a mulher em flagrante adultério, eliminando-a e ao amante em evidente exaltação emocional.

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Santa Catarina, a aplicação da causa privilegiadora no homicídio quanto o agente realiza sob o domínio de violenta emoção, conforme colação:

"APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA FUTILIDADE. RECONHECIMENTO PELO COLEGIADO POPULAR DO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO (CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA). SÚPLICA DEFENSIVA OBJETIVANDO A DIMINUIÇÃO DA REPRIMENDA AO SEU MÍNIMO LEGAL, HAJA VISTA PREENCHER O RÉU TODOS OS REQUISITOS DO ART. 59 DO CP, COM A CONSEQÜENTE FIXAÇÃO DO REGIME PRISIONAL ABERTO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. RECURSO MINISTERIAL COLIMANDO A ANULAÇÃO DO JULGAMENTO POR TER SIDO A DECISÃO DO COLEGIADO POPULAR MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA ENCARTADA. PROVIMENTO DO RECURSO DO ÓRGÃO MINISTERIAL PARA ESSE FIM. PREJUDICADO O APELO DEFENSIVO. Não é possível prevalecer o reconhecimento do homicídio privilegiado, em razão de relevante valor moral, quando o agente confessa que cometeu o crime em virtude de desentendimento anterior com a vítima ou quiçá até de um hipotético ataque partido desta." 2.4. Fatos controversos do homicídio privilegiado

Provocação e agressão; provocação não se confunde com agressão. Se aquela colocar em risco a integridade do ofendido assumirá a natureza de agressão, autorizando a legítima defesa.

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conforme colação jurisprudencial:

"Leciona Heleno Cláudio Fragoso: Não basta, porém, a provocação, por mais grave e veemente que seja, que seja. É mister que haja resultado violenta emoção. O homicídio praticado friamente não será privilegiado, não obstante a ocorrência de provocação. A simples existência de emoção por parte do agente, por outro lado, igualmente não basta, pois, não se trata de outorgar privilégios aos irascíveis ou às pessoas que facilmente se deixam dominar pela cólera" Homicídio privilegiado-qualificado; é possível a ocorrência quando se tratar de qualificadoras objetivas (meios, forma e conexão) eis que as privilegiadoras são todas de ordem subjetiva. Respondendo positivamente e os quesitos das privilegiadoras, ficam prejudicados os quesitos quanto as qualificadoras subjetivas, mas nada impede que as privilegiadoras concorram coma s qualificadoras objetivas (emboscada, a traição, mediante paga ou promessa, etc... com exceção do motivo torpe ou fútil – qualificadoras subjetivas), é o entendimento de Júlio Fabbrini Mirabete, v.g., o homicídio praticado com relevante valor moral com veneno – adultério, o comedido por violenta emoção através da esganadura, a eutanásia praticada com asfixia.

Contudo, existe outra posição de João José Leal, que tem entendimento diverso "Cremos, porém, que as circunstâncias privilegiadoras, uma vez caracterizadas são inconciliáveis também com as qualificadoras objetivas do homicídio. Na verdade, se o homicídio é praticado por motivo de relevante valor moral ou social ou sob o domínio de violenta emoção, as eventuais circunstâncias de emboscada, da traição, do emprego de veneno, etc..., perdem o caráter de desvalor ético-jurídico que fundamente o rótulo da qualificação legal do homicídio, para fins de aumento significativo da carga punitiva em relação ao seu tipo básico".

A única regra pacífica de entendimento e aplicabilidade é no que tange as qualificadoras de natureza subjetiva (motivo torpe e fútil) onde é inadmissível o concurso.

Dispõe a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quanto a inconciliação da qualificadora do motivo torpe com a causa relevante de valor moral para atenuar a punibilidade, conforme colação jurisprudencial:

JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO COM RECONHECIMENTO DO PRIVILEGIUM. IMPOSSIBILIDADE. QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE E MEIO CRUEL INCONCILIÁVEIS COM A CAUSA DE ESPECIAL DIMINUIÇÃO DE PENA DO RELEVANTE VALOR MORAL. INCOMPATIBILIDADE. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. JULGAMENTO ANULADO. Redução obrigatória ou facultativa; é uma faculdade do juiz, que assim pensa a maioria dos doutrinadores, dita na exposição de motivos do Código Penal, porém, após a Constituição Federal de 1946 que instituiu a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, a redução se tornou obrigatória, atendendo-se à decisão dos jurados. Na jurisprudência tem prevalecido que a redução é obrigatória (RT 448/356; RJTJESP 21/541), porém há decisões em sentido contrário (RF 247/310; RJTESP 33/283).

Ficando o quantum da redução (1/6 a 1/3), este sim, ficará a critério da discricionaridade prudente do juiz.

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, conforme colação jurisprudencial:

"Homicídio qualificado pelo motivo fútil e surpresa - Reconhecimento, pelo Tribunal Popular, da forma privilegiada, restando prejudicada a futilidade do motivo -Rejeição da qualificadora da surpresa, por maioria de votos. Recurso ministerial visando a anulação do julgamento, por manifestamente contrário às provas dos autos - Inacolhimento, posto que os elementos probatórios colhidos, embora sem conteúdo fático exuberante, revelaram sérias divergências entre réu e vítima, antes dos fatos, ensejando, em face da soberania do Júri, a opção por uma das versões. Reprimenda irrogada no mínimo legal para homicídio simples - Redução obrigatória, posto que reconhecida pelos jurados." Existe ainda a súmula do STF n° 162, que comina a nulidade do julgamento do júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstância as agravantes, conforme colação, in verbis: "É absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os quesitos da defesa não precedem aos das circunstâncias agravantes".

Homicídio privilegiado e crime hediondo; há incompatibilidade entre este e aquele. O homicídio simples só é hediondo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Logo, não se compatibiliza com relevante valor social ou moral ou logo em seguida a injusta provocação da vítima.
 
 


3. Homicídio Qualificado

O homicídio qualificado é aquele em que cuja prática, ocorre alguma das hipóteses enumeradas em um dos incisos do § 2° no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, ou seja, em virtude de certas circunstâncias elementares.

Preleciona Hungria delimitando o homicídio qualificado sendo:

"Homicídio acompanhado de alguma dentre certas circunstâncias agravantes que a lei, no tocante a essa entidade criminal, toma em especial consideração, para o efeito de majoração a priori da pena, dado o maior grau de criminosidade que revelam. Não se dá mudança do ‘titulo do crime, nem da espécie ou qualidade da pena; mas esta é independente (cominada dentro de novos limites) e quantitativamente superior à pena ordinária ou editada in abstracto para o homicídio simples. De simples accidentalia dos crimes em geral, tais circunstâncias passam a ser a essentialia ou elementos constitutivos do homicídio, na sua forma qualificada. Chamadas agravantes qualificativas ou elementares, estão elas alinhadas nos ns. I a V do parágrafo acima citado. Dizem umas com certos motivos determinantes, indiciários de maior intensidade da mens rea (ns. I, II, e V), e outras com o modo especialmente perverso da ação ou da execução do crime (ns. IV e II)". As circunstâncias que qualificam o crime de homicídio podem ser divididas em cinco incisos, do § 2°, relacionados ao respectivo artigo 121 do Código Penal:

3.1. Artigo 121, § 2° , inciso I, Código Penal - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe.

O crime cometido mediante paga ou promessa de recompensa é o chamado de homicídio mercenário, que o agente pratica o crime por motivo de pagamento.

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina caracterizando a qualificadora mediante paga ou promessa de pagamento, conforme colação jurisprudencial:

"O Chamado homicídio mercenário (mediante paga ou promessa de recompensa) caracteriza a qualificadora do motivo torpe, devendo ser responsabilizado por atitude tão baixa e repugnante o seu executor, bem como o mandante do crime" A doutrina e a jurisprudência têm como pacífico que não é qualquer vingança que qualifica o homicídio, sendo necessário que ela esteja eivada de torpeza, seja ignominiosa, repulsiva a qualquer sentido ético.

Com isso, vingança, por si só, não induz necessariamente a torpeza. Tal se dá somente quando a desforra, posta em correlação com o ato que a motivou, exprime a ignomínia e a abjeção que a lei penal incrimina como qualificadora o delito, conforme colação jurisprundencial:

"JÚRI - DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA. ‘Estando o veredicto amparado em versão, ainda que fraca, consignada no contexto probatório amealhado no correr do processo, não há que acoimá-lo de manifestamente contrário à prova, sob pena de se decidir contra o princípio constitucional da soberania do Júri’ (rel. Des. Márcio Batista, JC 69/465). QUESITO REFERENTE À QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE - IRREGULARIDADE NA SUA FORMULAÇÃO - NULIDADE AFASTADA. Quando da formulação do quesito referente à qualificadora, recomenda a boa técnica que se descreva a conduta que recebe a adjetivação penal. Assim, questionando o Magistrado aos senhores jurados acerca da qualificadora do motivo torpe, poderá fazer o acréscimo descritivo da conduta que indica a torpeza referindo-se expressamente ter sido o homicídio praticado por "vingança", sem que se possa falar em induzimento do Conselho de Sentença. In casu, a qualificadora encontra esteio na prova coligida. ATENUANTE RECONHECIDA PELOS JURADOS E APLICADA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA - INCONFORMISMO IMPROCEDENTE - CONDENAÇÃO MANTIDA." A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina elenca a impossibilidade da qualificadora no crime de homicídio, do motivo torpe e o meio cruel, inconciliáveis com a causa de especial diminuição de pena, relacionado ao relevante valor moral, não podendo coexistir os dois elementos do crime simultaneamente, conforme exposto na colação jurisprundencial transcrita: "JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO COM RECONHECIMENTO DO PRIVILEGIUM. IMPOSSIBILIDADE. QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE E MEIO CRUEL INCONCILIÁVEIS COM A CAUSA DE ESPECIAL DIMINUIÇÃO DE PENA DO RELEVANTE VALOR MORAL. INCOMPATIBILIDADE. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. JULGAMENTO ANULADO." 3.2. Artigo 121, § 2°, inciso II, Código Penal - por motivo fútil.

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quanto a qualificadora do crime de homicídio, com fulcro no inciso II e IV, por motivo fútil e pelo emprego que tornou impossível a defesa da vítima :

"Apelação criminal - Júri - Decisão que reconhece a ocorr&ência das qualificadoras da futilidade do motivo e do emprego de meio que tornou impossível a defesa da vítima, com amparo na prova. Recurso desprovido. ‘A embriaguez que descaracteriza a qualificadora do motivo fútil é aquela capaz de comprometer o estado psíquico do agente ou que possa afetar o seu juízo crítico e não aquela decorrente de afirmativa do próprio acusado ou de testemunhas que não podem assegurar o grau da embriaguez’ (JC 57/283). Somente a embriaguez comprovada é incompatível com o motivo fútil. Agredir alguém completamente embriagado e dormindo, sem qualquer possibilidade de defesa, configura a qualificadora do recurso que tornou impossível a defesa da vítima." A jurisprudência atinente, relata que, a embriaguez que descaracteriza a qualificadora do motivo fútil é aquela capaz de comprometer o estado psíquico do agente ou que possa afetar o seu juízo crítico e não aquela decorrente de afirmativa do próprio acusado ou de testemunhas que não podem assegurar o grau de embriaguez. Com isso, podemos observar que somente a embriaguez comprovada é incompatível com o motivo fútil.

Além disso, dispõe a jurisprudência dos Tribunais que ao autor do delito ao agredir alguém completamente embriagado e dormindo, sem qualquer possibilidade de defesa, configura qualificadora do recurso que tornou impossível a defesa da vítima.

Disciplina ainda a jurisprudência dos Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que os casos de homicídio por ciúme são mencionados como circunstâncias qualificadoras de motivo fútil, conforme colação: "Nos casos em que o ciúme é mencionado como circunstância qualificadora, sempre é enquadrado como motivo fútil e não como motivo torpe"

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina dispondo que são inconciliáveis a qualificadora do motivo fútil, com os elementos identificadores do homicídio privilegiado. Conforme define a doutrina e a jurisprudência atual é pacífica e indiscutível é a regra de que é inadmissível a coexistência de homicídio privilegiado e qualificado por circunstâncias subjetivas, sendo que a futilidade do motivo e o estado de violenta emoção são ambos de natureza subjetiva e se repelem, sendo nulo o julgamento onde um e outro são reconhecidos. Com isso há a incompatibilidade no reconhecimento simultâneo do motivo fútil e do estado de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima - dois elementos estritamente subjetivoos e de coexistência inadmissível, conforme colação jurisprudencial:

"Júri - Contradição nas respostas aos quesitos - Reconhecimento, pelos jurados, da qualificadora do motivo fútil e do homicídio privilegiado - Inadmissibilidade - Nulidade absoluta - Novo julgamento oordenado. A contradição entre as respostas dadas aos quesitos que reconheceram, simultaneamente, a qualificadora do motivo fútil e a emoção violenta, ambos de natureza subjetiva, caracteriza nulidade absoluta, pois não é da espécie que se sana pela ausência de reclamo no momento próprio." Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, delimitando que no homicídio qualificado por motivo fútil a embriaguez voluntária do réu, não exonera o reconhecimento da circunstância qualificadora, conforme colação jurisprudencial: JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO E HOMICÍDIO CONSUMADO DUPLAMENTE QUALIFICADOS. ALEGAÇÃO DE DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. Não se pode reconhecer a legítima defesa (seja própria ou putativa), tampouco violenta emoção, quando o agente, embriagado, aproxima-se de grupo de jovens e, sem dar a estes oportunidade de defesa, infundadamente, dispara vários tiros, vindo a ferir mortalmente um jovem de 18 anos e atingindo um outro que não morreu por circunstâncias alheias a sua vontade. Havendo duas versões nos autos, tendo optado o soberano Conselho de Sentença pelo que lhe pareceu mais crível e estando esta decisão roborada pelo conjunto probante, confirma-se o veredicto." 3.3. Artigo 121, § 2°, inciso III, Código Penal - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.

O crime cometido com o emprego de veneno, deverá essencialmente ser praticado com dissimulação, não havendo a qualificadora se o veneno é administrado à força ou com o reconhecimento da vítima.

Relata Celso Delmanto sobre o emprego de fogo ou explosivo:

"Fogo. Como exemplo, cite-se o deitar combustível e atear fogo ao corpo da vítima. Explosivo. O meio usado é a dinamite ou substâncias de efeitos análogos". A qualificadora de asfixia, segundo Celso Delmanto, determina que: "O emprego asfixia: pode ser mecânica (ex: enforcamento, afogamento, etc.) ou tóxica (ex: gás asfixiante). Embora a Lei n° 7.209/84 tenha retirado a ‘asfixia’ das circunstâncias agravantes, ela permanece como qualificadora do homicídio". O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, elenca em consonância com os Tribunais Pátrios que o crime de asfixia é considerado como qualificadora no crime de homicídio, conforme colação jurisprudencial: "RECURSO CRIMINAL. PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RECURSO COLIMANDO PELA IMPRONÚNCIA OU, ALTERNATIVAMENTE, A DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL PARA O ARTIGO 121, CAPUT, DO CODEX PENAL. MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADA. INDÍCIOS DA AUTORIA DELITIVA. DUPLA VERSÃO DOS FATOS. QUALIFICADORA DA ASFIXIA QUE SE EXSURGE DO AUTO DE EXAME CADAVÉRICO. PRESENÇA DE DEPOIMENTOS DANDO CONTA DO MOTIVO FÚTIL. DÚVIDAS QUE NA PRESENTE FASE PROCESSUAL RESOLVEM-SE EM FAVOR DA SOCIEDADE. PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO." Segundo Celso Delmanto, quanto a qualificadora de tortura e de meio insidioso, dispõe: "Emprego de tortura: É o suplício, que causa atroz e desnecessário padecimento. A tortura, geralmente, é física, mas também pode ser moral, desde que exacerbe o sofrimento da vítima.

"Meio insidioso: É o meio dissimulado. Como exemplo, a armadilha mortífera, o meio fraudulento. Distingue-se do modo dissimulado do inciso IV, pois aqui a insídia é o meio usado".

Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que a qualificadora com o emprego de meio cruel, exposto no inciso ao crime de homicídio, somente deverá ser aplicado no caso concreto quanto existir um procedimento intencional, capaz de produzir na vítima, antes do evento morte, um sofrimento prolongado e desnecessário, conforme colação jurisprudencial: "HOMICÍDIO QUALIFICADO. DISSIMULAÇÃO E MEIO CRUEL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO MANIFESTADO PELO RÉU CONTRA A PRONÚNCIA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DA MORTE. INADMISSÃO, POR OUTRA PARTE, NA INFORMAÇÃO RECURSAL, DAS DUAS QUALIFICADORAS. RECURSO PROVIDO, APENAS, PARA EXCLUIR DA PROVISIONAL A QUALIFICADORA DO MEIO CRUEL. Se as lesões retratadas em laudo pericial e visualizadas em fotografias, entremostram-se extremamente graves, mormente em se tratando de vários ferimentos produzidos na cabeça da vítima, que quedou indefesa, reveladores, ademais, de impactos fortes e violentos, a morte subseqüente deve ser imputada, como entidade autônoma, inscrita na moldura própria do homicídio, a título de risco assumido pelo próprio agressor. Só se pode conceber a lesão corporal na espécie tipificada no art. 129, § 3º, do Código Penal, se o evento letal não foi querido nem direta nem eventualmente. A dissimulação deve ser tida como caracterizada sempre que o agente, ao se aproximar da vítima, oculta, de uma forma ou outra, a sua intenção com o propósito de, desprevenida, atingi-la. Somente se pode considerar como meio cruel, para efeito de qualificação do homicídio, o procedimento intencional capaz de produzir na vítima, antes do evento morte, sofrimento prolongado e desnecessário." A qualificadora no crime de homicídio praticado, segundo o meio de que possa resultar perigo comum, disciplinado no inciso III, § 2°, artigo 121 do Código Penal, é condizente como aquele meio pelo qual é utilizado intencionalmente pelo agente para alcançar um indefinido número de pessoas.

3.4. Artigo 121, § 2°, inciso IV, Código Penal - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido.

A qualificadora de traição, relata que poderá ser o ataque sorrateiro, praticado inesperadamente pelo agente, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso. A traição indica uma forma de execução do crime com que o agente procura evitar a defesa.

A emboscada é como uma forma de tocaia realizado intencionalmente pelo agente criminoso, no qual, ficará a espera astuciosamente de sua vítima.

A dissimulação, é a ocultação da intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa, pois, o criminoso age com falsas mostras de amizade, no qual a vítima é iludida, não tendo motivo para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta e indefessa. Tanto qualifica a ocultação do propósito como o disfarce usado pelo agente, com o intuito de conseguir aproximar diretamente da vítima.

Quanto a qualificadora relacionada a dissimulação, disciplina o Tribunal de Justiça Catarinense, conforme colação jurisprudencial:

"HOMICÍDIO QUALIFICADO - DISSIMULAÇÃO -QUALIFICADORA COM LASTRO NA PROVA - PRRO-NÚNCIA - RECURSO DESPROVIDO. Dissimulação é a ocultação da intenção hostil para acometer a vítima de surpresa, dificultando-lhe a defesa; o criminoso age com falsas mostras de amizade, ou de tal modo que a vítima, iludida, não tem motivo para desconfiar do ataque e é apanhada desatenta, indefesa." Relata Celso Delmanto quanto ao crime de homicídio a qualificadora mediante outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima: "Mediante outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa: O modo deve ser análogo aos outros do inciso IV (traição, emboscada ou dissimulação). A surpresa, para qualificar, é a insidiosa e inesperada para a vítima, dificultando ou impossibilitando a sua defesa". Dispõe a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quanto a qualificadora da surpresa, devendo ser aplicada se o autor do delito houvesse contribuído para criar uma situação que diretamente impossibilitasse ou dificultasse a defesa pessoal da vítima, conforme colação: "RECURSO EX OFFICIO. PROVA ÚNICA NO SENTIDO DE QUE O ACUSADO AGIU SOB O PÁLIO DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIRO. ABSOLVIÇÃO LIMINAR. RECURSO DESPROVIDO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. TESE DA LEGÍTIMA DEFESA QUE NÃO ENCONTRA GUARIDA NOS AUTOS, IMPOSSIBILITANDO SEU RECONHECIMENTO EM SEDE DE PRONÚNCIA. RECURSO DE UM DOS ACUSADOS PROVIDO PARCIALMENTE PARA EXCLUIR DE SUA PRONÚNCIA A QUALIFICADORA DO PARÁGRAFO SEGUNDO, INCISO QUARTO, DO CP, RECURSO QUE DIFICULTOU OU IMPOSSIBILITOU A DEFESA DO OFENDIDO POR NÃO TER APOIO NAS PROVAS. Não há que se reconhecer a qualificadora da surpresa, se o acusado havia sido anteriormente atingido pela vítima, e não contribuiu para criar uma situação que impossibilitasse ou dificultasse a defesa desta." A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina delimita que nos casos de crimes de homicídios qualificados pelo inciso IV, do artigo 121 do Código Penal Brasileiro, poderá ser qualificado o homicídio por circunstâncias objetivas, que versam sobre os meios e os modos de execução, podendo com isso coexistir com as circunstâncias que envolvem o privilégio, subjetivas, conforme colação: "JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO - RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO ((par. 1°., do art. 121, CP) - POSSIBILIDADE. Qualificado o homicídio por circunstâncias objetivas, que versam sobre os meios e os modos de execução, podem coexistir com as circunstâncias que envolvem o privilégio, subjetivas. PENA CRIMINAL - PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL SEM FUNDAMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO EM APELAÇÃO. Fixada a pena-base acima do mínimo legal sem fundamentação expressa, o órgão de jurisdição de segundo grau no julgamento da apelação pode dispensar a pretendida declaração de nulidade para corrigir a pena, ajustando-a a limite compatível com o apenado. A presença de circunstâncias legais, atenuantes, não pode implicar em redução da pena aquém do mínimo legal abstrato." As circunstâncias objetivas que versem sobre os meios e modos de execução do homicídio (artigo 121, § 2°, incisos III, IV e V) podem coexistir com as circunstâncias que envolvem o privilégio (artigo 121, § 1°). Nenhuma contradição pode ser considerada no caso, porque o privilégio se configura por circunstância subjetiva que não contradiz a objetiva referente ao meio ou ao modo pelo qual foi concretizada a conduta criminosa.

3.5.Artigo 121, § 2°, inciso V, Código Penal - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.

Relata Celso Delmanto quanto a qualificadora do crime de homicídio para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime:

"O outro crime pode ter sido praticado por terceira pessoa. As qualificadoras do inciso trazem o elemento subjetivo do tipo, constituído pelo especial fim de agir. Como exemplos, o homicídio praticado para lograr o cometimento de outro crime ou evitar a sua descoberta". Disciplina a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto aos crimes de homicídio qualificados para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime, conforme colação: "Configura-se a agravante do homicídio cometido para assegurar a ocultação, impunidade ou vantagem de outros crimes, se o acusado, para forrar-se à confrontação com a autoridade pública a qual, pelos seus antecedentes criminais em investigação, sabia ser-lhe desvantajosa, resiste e atira mortalmente no policial que o detinha"
 

4. HOMICÍDIO CULPOSO SIMPLES

4.1. Capitulação e noções gerais

O art. 121, parágrafo 3O, do Código Penal, prevê a modalidade culposa do homicídio, punida com detenção de 1 (um) a 3 (três) anos. Em seguida, no parágrafo 4O, estão previstas causas de especial aumento de pena, no caso do homicídio culposo ter sido praticado em determinadas circunstâncias. E, ainda, no parágrafo 5O, está consignada a possibilidade de concessão de perdão judicial de acordo com as conseqüências deste crime.

Analisar-se-ão as categorias identificadas na conceituação de crime culposo, partindo-se do conceito operacional proposto por E. Magalhães Noronha:

"...diz-se do crime culposo quando o agente, deixando de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, em face das circunstâncias, não previu o caráter delituoso de sua ação ou o resultado desta, ou, tendo-o previsto, supôs levianamente que não se realizaria." O Código Penal não definiu culpa, apenas referiu-se às suas modalidades no art. 18, inc. II, advertindo, no parágrafo único, a excepcionalidade dos crimes culposos, que deverão estar expressamente previstos para que sejam passíveis de punição. De acordo com o citado autor, "a previsibilidade é o que melhor fundamenta a culpa"

No caso específico do homicídio, o resultado morte é proveniente de uma conduta voluntária, porém não intencional do agente, o qual não observa o dever de cuidado e atenção no desenvolver a atividade e não prevê, ou excepcionalmente prevê, a sua possível conseqüência danosa.

Para que seja considerado um fato típico, devem ficar demonstradas, inequivocamente, a culpa e a previsibilidade objetiva do evento, não podendo punir-se fato decorrente de caso fortuito ou força maior distantes da esfera de previsão do homem comum, como também da esfera subjetiva do agente.

Do exposto, tem-se que são elementos do homicídio culposo: a) conduta voluntária (ação ou omissão); b) resultado antijurídico não intencional; c) nexo causal entre a conduta do agente e o resultado; d) inobservância do dever de cuidado objetivo, manifestada através das modalidades de culpa (imprudência, negligência ou imperícia); e) previsibilidade objetiva; f) ausência de previsão por parte do agente; e g) tipicidade.

4.2. Elementos ou categorias do homicídio culposo

4.2.1. Conduta voluntária

A pessoa que acaba por cometer este tipo de crime, normalmente, age de forma lícita, não procurando resultado algum com sua ação ou omissão, ao contrário da forma dolosa. No entanto, o modo pelo qual voluntariamente se conduz revela descuido ou falta de atenção exigidos diante de uma situação padrão.

A conduta inicialmente lícita, torna-se reprovável e típica justamente for infringir a exigência de zelo e cuidado. A pessoa deve pautar-se de acordo e no sentido de não prejudicar as demais com suas ações, observando e até prevendo as possíveis conseqüências destas.

Busca-se como parâmetro a atitude exigível de uma pessoa, em situação hipotética, pautada pela diligência necessária. Serve, assim, como base para analisar a conduta do agente, a objetividade da previsão. Se não há como se prever o fato objetivamente, não poderá ser exigida atitude diversa do envolvido em situação concreta. Exclui-se, assim, a tipicidade do fato.

Atenta-se para a conduta omissiva, que é penalmente relevante, conforme o art. 13, parágrafo 2O, do Código Penal, quando a pessoa tem o dever e pode agir para evitar o resultado lesivo. A omissão, ainda, pode ser crime autônomo, se não foi causa do homicídio, p. ex., ou, também, pode ser causa de aumento de pena, especificamente no dever de prestar socorro à vítima no homicídio culposo.

4.2.2. Resultado antijurídico não intencional

Apenas a conduta desprovida de resultado não configura ilícito, a não ser que seja tipificada como crime autônomo. É necessária, portanto, a lesão a bem jurídico para a configuração do delito. Obviamente, no homicídio culposo, apesar de não querida, a morte da vítima é indispensável, ainda que não ocorra imediatamente, mas que tenha sido provocada pela ação ou omissão voluntária do agente.

4.2.3. Nexo causal

O resultado morte deve indissociavelmente ligar-se à conduta do agente. Se, apesar desta, a vítima falecer por razão diversa, ou, tecnicamente, pela superveniência de causa relativamente independente (art. 13, parágrafo 1O, CP), aquele responde apenas pelos fatos anteriores que praticou e que se configurem típicos.

4.2.4. Inobservância do cuidado objetivo e modalidades de culpa

O fundamento de toda reprovabilidade do crime culposo, principalmente o homicídio, é a falta de cautela, de diligência, de atenção, de cuidado no trato com os semelhantes. Exige-se que a conduta de alguém seja prudente o suficiente ao ponto de não potencializar lesão à bens jurídicos alheios, especificamente à vida humana. Não observadas objetivamente tais exigências, o fato torna-se típico, antijurídico e censurável baseado na culpa.

Logicamente, a toda atividade corresponde um inerente risco. Porém, a legislação tenta limitá-la ao traçar condutas permitidas e condutas proibidas, estabelecendo deveres e obrigações às pessoas justamente para evitar resultados lesivos quando devidamente observadas. Com isso, tenta-se conceituar de forma objetiva que tipo de cuidado deve-se ter no convívio em sociedade. A atitude contrária, infringente a essa noção, é reprovável e constitui-se fato típico punível nas modalidades de imprudência, imperícia ou negligência.

É imprudente aquela pessoa que não age com as cautelas devidas no caso concreto, causando perigo através de uma conduta precipitada. Negligência é a falta de ação ou ação deficiente, que revela indiferença quanto ao resultado. A imprudência é caracterizada pela falta de habilitação para profissão ou falta de habilidade técnica para determinada atividade.

4.2.5. Previsibilidade objetiva

Cuida-se, aqui, da possibilidade de antevisão de um resultado. Potencialmente, o sujeito deve ter como possível, ao praticar a conduta, determinada conseqüência. De forma simplista, é uma questão de lógica. Por isso, a previsibilidade de que se trata é a habitual, não a extraordinária, e depende da análise das condições específicas do caso concreto.

Sobre o assunto, explica o autor Damásio E. de Jesus:

"...há dois critérios de aferição da previsibilidade: o objetivo e o subjetivo. De acordo com o critério objetivo, a previsibilidade deve ser apreciada, não do ponto de vista do sujeito que realiza a conduta, mas em face do homem prudente e de discernimento colocado nas condições concretas. Nos termos do critério subjetivo, deve ser aferida tendo em vista as condições pessoais do sujeito." A previsibilidade objetiva tem influência na análise da tipicidade do fato. A previsibilidade subjetiva é base para auferir-se a culpabilidade ou não do agente.

4.2.6. Ausência de previsão

Apesar de confuso, deve ser auferida a previsibilidade subjetiva do agente para chegar-se à conclusão sobre a culpabilidade e, também, estar configurada a ausência de previsão do resultado, para que fique definitivamente excluída a possibilidade de dolo.

Novamente esclarece o autor Damásio de Jesus: "o resultado era previsível, mas não foi previsto pelo sujeito. Daí falar-se que a culpa é a imprevisão do previsível"

Excepcionalmente, admite-se a previsão em crimes culposos, é o caso da culpa consciente, quando o sujeito prevê o resultado, porém não o tem como possível, em outras palavras, acredita que possa evitá-lo com sua habilidade. Esta difere do dolo eventual, porque neste há previsão do resultado e o agente assume o risco de produzi-lo, é indiferente ao mesmo.

4.2.7. Tipicidade

É a adequação da conduta a uma previsão legal. Deve estar prevista a modalidade culposa para que o fato seja punível, como é o caso do homicídio.

4.3. Questões controversas

4.3.1. Culpa consciente e dolo eventual

Consignada a tênue diferença entre uma e outro, a doutrina e a jurisprudência não são unânimes sobre o assunto, principalmente no que se refere ao homicídio ocorrido no trânsito ou decorrente do uso de armas de fogo. A divergência é perfeitamente aceitável, porque a caracterização do crime por culpa consciente ou dolo eventual depende de análise minuciosa do caso concreto e das circunstâncias específicas que o envolveram.

As conseqüências da tipificação, porém, são díspares. No primeiro caso, segue-se, normalmente, o rito ordinário; a pena mínima é de 1 (um) ano, ensejando aplicação da Lei n. 9099/95, ou seja, existe, para uma corrente, a possibilidade de suspensão condicional do processo; a pena é de detenção, podendo, in concreto, ser substituída pelas alternativas. Na segunda hipótese, o sujeito pode ser pronunciado e submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri; parte-se da pena-base do homicídio simples (reclusão de 6 a 20 anos). Há denúncias, especificamente em homicídio decorrente de acidente de trânsito, no sentido de o qualificarem, quando ocorrem "rachas", aliados ao álcool. Isso já transmuda o delito culposo em crime hediondo, com todos os seus efeitos (responde ao processo preso; a pena-base é de 12 anos, entre outros).

Nesse sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

"A conduta social desajustada daquele que, agindo com intensa reprovabilidade ético-jurídica, participa, com o seu veículo automotor, de inaceitável disputa automobilística realizada em plena via pública, nesta desenvolvendo velocidade exagerada – além de ensejar a possibilidade de dolo eventual inerente a esse comportamento do agente -, justifica a especial exasperação da pena, motivada pela necessidade de o Estado responder, grave e energicamente, à atitude de quem, em assim agindo, comete os delitos de homicídio doloso e de lesões corporais. (RT 733/478-9)" 4.3.2. Previsibilidade do evento

Há divergência, também, de decisões sobre a previsibilidade ou não do evento para configuração da culpa. Isso porque trata-se de uma verificação subjetiva e, redundantemente, depende do caso concreto. Nos delitos culposos, sempre deverá ser feita, pelo juiz, uma adequação da situação ao dispositivo legal, por se estar lidando com "tipos abertos".

4.3.3. Co-autoria

Teoricamente, é admitida, porém, nem os Tribunais Superiores são acordes nesse sentido:

a) STF: "Assentada orientação pretoriana no sentido de admitir o concurso de agentes no crime culposo, a exemplo do proprietário que confiou a direção do veículo a menor inabilitado, causador do acidente. (DJU de 29-5-95, p. 15.533)"; b) STJ: "A co-autoria, tanto em crimes dolosos ou culposos, depende da existência de um nexo causal físico ou psicológico ligando os agentes do delito ao resultado. Não é admissível, por tal fato, a co-autoria em delito culposo de automóvel onde figura como autor menor inimputável. A negligência do pai, quando existente, poderá dar causa à direção perigosa atribuída ao menor, jamais à causa do evento. (DJU de 24-5-93, p. 10.013)" 4.3.4. Imperícia ou erro profissional

Há discussões, primeiramente, na conceituação do se que seja imperícia. Para alguns autores, é a falta de habilitação ou falta de conhecimento para exercício da profissão ou de arte. Para outros, pode ser imperito inclusive o profissional habilitado. Seria, nessa hipótese, uma incongruência dizer-se que, p. ex., um médico, que cursou faculdade, fez residência, aprimorou-se, é imperito em sua profissão. Compara-se, em seguida, o ato de um sujeito que, sem qualquer habilitação ou conhecimento de técnica médica, habitualmente prescreve receitas e, até muitas vezes, faz cirurgias.

A imperícia, modalidade de culpa, fundamenta-se nas noções desta, ou seja, deverão, para sua incidência, não serem observados o cuidado objetivo, a previsibilidade do evento, etc., para poder-se distinguir do erro profissional, onde o agente apesar de pautar-se conforme o requerido, acaba causando dano. Importante ratificar que não é aceitável o erro grosseiro, inescusável.

Ainda, é importante a distinção, porque há especial causa de aumento de pena (não homicídio culposo qualificado), quando não é observada regra técnica de profissão arte ou ofício.

Esclarece o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:

"A circunstância majorante do art. 121, parágrafo 4O, CP, 1a parte, não se confunde com a imprudência, a imperícia ou a negligência. Estas são modalidades de culpa, situadas, na topologia estrutural do delito, no tipo. Já a inobservância de regra técnica importa em maior reprovabilidade da conduta, seja qual for a modalidade de culpa. Situa-se, portanto, na culpabilidade (= reprovabilidade), juízo de valor que incide sobre o autor. Daí a distinção que os autores estabelecem entre imprudência ou imperícia e inobservância de regra técnica. Se a culpa é decorrente de qualquer das três modalidades legais, a pode a punição do autor ser agravada pelo plus decorrente de especial reprovabilidade no agir sem cautelas." 4.3.5. Ofendículos

O exercício regular de um direito ou legítima defesa na utilização de ofendículos (ex: instalação elétrica) pode contrapor-se a conduta de um sujeito, o qual pode agir dolosamente ou ser surpreendido com a falta de cuidado do ofendido. Nesses casos, conforme jurisprudência, tem fundamental importância a intenção da "suposta" vítima.

4.3.6. Prestação de socorro

Deixar de prestar socorro à vítima, no homicídio culposo, é causa de especial aumento de pena. A jurisprudência diverge no sentido de incidir ou não a majorante se o agente deixa o local com medo de represálias ou, ainda, se apesar da inércia deste, a vítima é socorrida por terceiros. Nessa hipótese, admitir-se-ia a responsabilidade solidária. Decisões, também, sobre a necessidade do socorro no caso de vítima ter morte instantânea.

4.3.7. Extensão do perdão judicial

Por fim, é prevista a possibilidade, não obrigatoriedade, do juiz deixar de aplicar a pena, no homicídio culposo, quando deste decorrem conseqüências pessoais graves ao agente. O perdão judicial tem ou não como pressuposto vínculo sangüíneo entre este e a vítima; em caso negativo, quais as pessoas/vítimas que estariam abrangidas para que o mesmo fosse concedido. Decisões admitindo no caso de cônjuges, pais, noiva ou namorada, parentes próximos, amigos.
 
 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em toda a estrutura jurídica nacional, observamos princípios e normas legais com o intuito de pacificação e de segurança para com a sociedade. Uma estrutura normativa com o intuito estabelecer limites ao cidadão para o convívio em sociedade.

Com a promulgação do Código Penal Brasileiro e suas alterações, foram incorporados no ordenamento jurídico nacional, os crimes contra a pessoa, em especial contra a vida, no qual delimitamos exclusivamente o homicídio, elencado diretamente no artigo 121 do Código Penal Brasileiro.

No âmbito da estrutura penal brasileira, as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, determinam os elementos fáticos e materiais a serem observados pelo aplicador do Direito, para a definição do crime de homicídio e sua punição dentro da sociedade.

Assim sendo, constata-se que o homicídio é um crime praticado contra a vida humana, podendo englobar diversas peculiaridades (qualificadoras ou privilegiadoras ao delito), as quais irão influir diretamente na condenação do sujeito ativo. Demais disso, dentro da sistemática da ação penal, dada a importância deste tipo incriminador, a ação penal para a sua apuração será pública incondicionada de caráter especial, competindo ao Tribunal do júri o seu julgamento.
 
 



NOTAS

1.  MIRABETE, Julio Fabbrini.  Manual de Direito Penal.  12. ed.  São Paulo : Atlas, 1997.  v. 2.  p. 61.
2.  JESUS, Damásio E. de.  Direito Penal.  19. ed.  São Paulo : Saraiva, 1997.  p. 18.
3.  Ibidem, p. 17.
4.  MIRABETE, Julio Fabbrini.  Manual de Direito Penal.  12. ed.  São Paulo : Atlas, 1997.  v. 2.  p. 62.
5.  JESUS, Damásio E. de.  op. cit., p. 19.
6. PRADO, Luiz Regis. BITENCOURT, Cezar Roberto.  Código Penal anotado e legislação complementar.  São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997.  p. 485.
7.  JESUS, Damásio E. de.  op. cit., p. 19.
8.  MIRABETE, Julio Fabbrini.  Código Penal Interpretado.  São Paulo : Atlas, 2000.  p. 644.
9.  DELMANTO, Celso et al.  Código Penal Comentado.  5. ed.  Rio de Janeiro : Renovar, 2000.  p. 229.
10.  JESUS, Damásio E. de.  op. cit., p. 22.
11.  JESUS, Damásio E. de.  op. cit., p. 23.
12.  DELMANTO, Celso et al.  op. cit., p. 229.
13.  JESUS, Damásio E. de.  op. cit., p. 37.
14.  MIRABETE, Julio Fabbrini.  Manual de Direito Penal.  12. ed.  São Paulo : Atlas, 1997.  v. 1.  p. 151.
15.  Apelação Criminal n. 96.008251-4, de Tangará, rel. Des. Nilton Macedo Machado, Primeira Câmara Criminal, j. em 08.10.96.
16.  MIRABETE, Julio Fabbrini.  Manual de Direito Penal.  12. ed.  São Paulo : Atlas, 1997.  v. 2.  p. 64.
17.  BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de.  Código Penal em exemplos práticos.  Florianópolis : Ilha de Santa Catarina, 1998.  p. 45.
18.  Apelação Criminal nº 34.186, 2ª Câmara Criminal do TJSC , São Domingos, Rel. Des. Jorge Mussi, 27.02.96.
19.   TJSC – AC – Rel. Gonçalves Sobrinho – RJTJSP 80/360.
20. Apelação criminal nº 33.386, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Santo Amaro da Imperatriz, Rel. Des. Jorge Mussi, 09.10.95.
21. Apelação criminal nº 31.299, 1ª Câmara Criminal do TJSC, Florianópolis, Rel. Des. Aloysio de Almeida Gonçalves, 22.11.94
22.  HUNGRIA, Nélson apud FRANCO, Alberto Silva et el.  Lei penais especiais e sua interpretação jurisprudencial.  6. ed.  São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997, p. 1858.  v. 1.  Tomo II – Parte Especial.
23. TJSC – AR – Relator Ernani Ribeiro – RTJE 49/253.
24.  Apelação criminal nº 34.376, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Caçador, Rel. Des. Álvaro Wandelli, 19.03.96, Publ. no DJESC nº 9.464 - Pág 12 - 23.04.96.
25.  Apelação criminal nº 33.386, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Santo Amaro da Imperatriz, Rel. Des. Jorge Mussi, 09.10.95.
26.  Apelação criminal nº 31.426, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Chapecó, Rel. Des. Souza Varella, 03.06.94.
27. TJSP – Rec. – Rel. Luiz Betanho – RT 691/310.
28. Apelação criminal nº 27.848, 1ª Câmara Criminal do TJSC , Fraiburgo, Rel. Des. Marcio Batista, 01.06.92, Publ. no DJESC nº 8.525 - Pág 05 - 25.06.92.
29.  Apelação criminal nº 29.150, 1ª Câmara Criminal do TJSC , Braço do Norte, Rel. Des. Ernani Ribeiro, 08.02.93.
30.  DELMANTO, Celso et al.  op. cit.  p. 220.
31.  Ib idem. p. 220.
32.  Recurso criminal nº 96.010025-3, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Gaspar, Rel. Des. Jorge Mussi, 27.05.97.
33.  DELMANTO, Celso et al.  op. cit.  p. 220.
34.  Recurso criminal nº 9.954, 1ª Câmara Criminal do TJSC , Biguaçu, Rel. Des. Napoleão Amarante, 15.08.95.
35.  Recurso criminal nº 9.449, 1ª Câmara Criminal do TJSC , Santa Cecília, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, 28.06.93.
36.  DELMANTO, Celso et al.  op. cit. p. 221.
37. Recurso Criminal nº 96.011813-6, 1ª Câmara Criminal do TJSC , Abelardo Luz, Rel. Des. Genésio Nolli, 25.03.97.
38.  Apelação criminal nº 27.259, 2ª Câmara Criminal do TJSC , Tangará, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, 25.09.92, Publ. no DJESC nº 8.605 - Pág 06 - 19.10.92.
39.  DELMANTO, Celso et al.  op. cit.  p. 221.
40.  TJSP – Rec. – Rel. Acácio Rebouças – RT 446/387.
41.  MAGALHÃES NORONHA, Edgard. atualizado por ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo.  Direito Penal.  26. ed.  São Paulo : Saraiva, 1994.  v. 2.  p. 28.
42.  Ibidem.
43.  JESUS, Damásio E. de.  Direito Penal. 19. ed.  São Paulo : Saraiva, 1995.  v. 1.  p. 256.
44.  JESUS, Damásio E. de.  Direito Penal. 19. ed.  São Paulo : Saraiva, 1995.  v. 1.  p. 256.
45. MIRABETE, Julio Fabbrini.  Código Penal Interpretado.  São Paulo : Atlas, 2000.  p. 169.
46.  MIRABETE, Julio Fabbrini.  Código Penal Interpretado.  São Paulo : Atlas, 2000.  p. 171-172.
47. RT 731/643.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos. Florianópolis : Ilha de Santa Catarina, 1998. p. 45.

2. DELMANTO, Celso. DELMANTO, Roberto. DELMANTO JUNIOR, Roberto. DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal comentado. 5. ed. São Paulo : Renovar, 2000.

3. FRANCO, Alberto Silva et al. Lei penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 6. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997. v. I. Tomo II – Parte Especial.

4. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 1995. v. 1.

5. ________________. Direito Penal. 19. ed. São Paulo : Saraiva, 1997. v. 02.

6. JURIS SÍNTESE. Legislação e jurisprudência - mar-abr/99. Porto Alegre : Síntese Editora. (em CD-rom).

7. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. atualizado por ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Direito Penal. 26. ed. São Paulo : Saraiva, 1994. v. 2.

8. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 12. ed. São Paulo : Atlas, 1997. v. 1. p. 151.

9. ________________________. Manual de Direito Penal. 12. ed. São Paulo : Atlas, 1997. v. 2.

10. ________________________. Código Penal Interpretado. São Paulo : Atlas, 2000. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. v. 4., 11. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1991.


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