Por mais que as cruentas e inglórias batalhas do cotidiano
tornem um homem duro e cínico
a ponto de fazê-lo indiferente às desgraças e alegrias coletivas,
sempre haverá no seu coração,
por minúsculo que seja , um recanto suave onde ele guarda
ecos dos sons de algum momento de amor já vivido.
Bendito seja quem souber dirigir-se
a esse homem que se deixou endurecer , de forma a atingi-lo
no pequeno porém macio núcleo da sua sensibilidade.
E pôr aí despertá-lo , tirá-lo da apatia ,essa grotesca forma
de autodestruição a que pôr desencanto ou medo se sujeita.
E pôr aí inquietá-lo e comovê-lo para as lutas comuns da libertação.
O ator tem esse dom.
Ele tem o talento de atingir as pessoas
nos pontos onde não existem defesas.
O ator, não o autor ou o diretor , tem esse dom .
Pôr isso o artista do teatro é o ator.
O público vai ao teatro pôr causa dele.
O autor e o diretor só são bons na medida
em que dão margem as grandes interpretações.
Mas o ator deve se conscientizar de que é um cristo da humanidade
seu talento é muito mais uma condenação do que uma dádiva.
Ele tem que saber que ,para ser um ator de verdade,
vai Ter que fazer mil e uma renúncias , mil e um sacrifícios.
É preciso coragem , muita humildade e, sobretudo,
um transbordamento de amor fraterno para abdicar da própria
personalidade em favor de seus personagens ;
com a única intenção de fazer a sociedade entender que
o ser humano não tem instintos e sensibilidades padronizados,
como pretendem os hipócritas, com seus hipócritas códigos de ética.
Amo a ator nas suas alucinantes
variações de humor ,nas suas crises de euforia ou depressão.
Amo o ator no desespero de sua insegurança,
quando ele , como viajor solitário ,
sem a bússola da fé ou da ideologia ,
é obrigado a vagar pelos labirintos de sua mente
procurando, no seu mais secreto íntimo,
afinidades com as distorções de caráter de seu personagem .
Amo o ator mais ainda quando,
depois de tantos martírios , surge no palco com segurança,
oferecendo seu corpo , sua voz , sua alma , sua sensibilidade
para expor , sem nenhuma reserva ,
toda a fragilidade do ser humano reprimido , violentado .
Amo o ator pôr se emprestar inteiro
para expor os aleijões da alma humana,
na tentativa de que o público se compreenda , se fortaleça
e caminhe no rumo de um mundo melhor ,
a ser construído pela harmonia e pelo amor.
Amo o ator consciente
de que a recompensa possível não é o dinheiro , nem o aplauso .
Mas a esperança de poder rir todos os risos
e chorar todos os prantos.
Amo o ator consciente de que , no palco,
cada palavra e cada gesto são efêmeros,
pois nada registra nem documenta sua grandeza
Amo o ator e pôr ele amo o teatro.
Sei que é pôr ele que o teatro e eterno
e jamais será superado pôr qualquer arte
que se valha da técnica mecânica
PlinioMarcos
Homenageado do FESTA 2000
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