As estradas de ferro mal haviam se disseminado pelo mundo, e mesmo na Europa ainda
existia descrédito e resistência ao novo meio de transporte e já no Brasil começavam as
tentativas de estabelecimento de diretrizes para o surgimento de ferrovias.
O embrião desse movimento foi a chamada Lei Feijó, sancionada pelo então Regente do
Império, em 31 de outubro de 1835, com o intuito de ligar o Rio de Janeiro às capitais
de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia.
Estabelecia, entre outras vantagens, privilégio de quarenta anos, isenção de impostos
de importação para todas as máquinas durante os cinco primeiros anos, cessão gratuita de
terrenos necessários à estrada (se pertencessem ao governo), e direito de desapropriação
no caso de pertencerem a particulares, estabelecendo ainda, o prazo de oitenta anos
para a concessão, findo o qual reverteria ao patrimônio nacional.
No entanto, a grandiosidade do plano, carente de disponibilidade de recursos financeiros
à altura, mesclado à agitação política que conturbava a vida do país nos anos difíceis da
Regência, foram o suficiente para que essa primeira lei ferroviária não tivesse efeitos
práticos.
A partir de 1850 a sociedade brasileira já havia se tornado bem mais favorável a
empreendimentos de natureza tão arrojada. Uma relativa estabilidade política e um capital
abundante e ocioso não mais aplicado no tráfico negreiro, aliados à necessidade de expansão
comercial do Império, forjariam nesse momento o cenário para o surgimento da segunda
tentativa de construção de estradas de ferro no País.
A Lei 641, de 26 de junho de 1852 marca efetivamente o início da história ferroviária
do Brasil.
Em moldes mais práticos do que leis anteriores e com todos os favores da antiga Lei Feijó,
dotando as concessões de mais favores e incentivos de ordem financeira, vedando ainda a
utilização de mão-de-obra escrava na construção das estradas e premiando aqueles
trabalhadores que fossem empregados nas obras de construção com a dispensa do serviço
militar na então Guarda Nacional, o governo do Império criava uma política de privilégios e
garantias com vistas a atrair capitais nacionais e estrangeiros para a ligação ferroviária
entre as principais províncias do País.
É desse mesmo ano de 1852 a concessão feita a Irineu Evangelista de Souza (1813-1889),
futuro Barão de Mauá, para a ligação do Rio de Janeiro ao Vale do Paraíba e, mais tarde,
a Minas, por um trajeto misto:
por mar, do Rio até o porto Mauá, na Baia de Guanabara; por estrada de
ferro, de Mauá até a raiz da Serra da Estrela; por estrada de rodagem daí até Petrópolis e
novamente por estrada de ferro de Petrópolis em diante.
Não era plausível à época a construção de trecho vencendo a montanha pois não havia ainda
tecnologia disponível. Para se ter idéia, basta mencionar o fato de que a primeira estrada
de ferro de montanha no mundo, só veio a ser inaugurada em 1853, nos Alpes.
Embora esse trecho inicial não fosse de grande valor econômico, deduz-se que a escolha
deveu-se à visão política de seu construtor, de vez que a família imperial tinha especial
predileção pela cidade serrana, e a viagem do Rio até lá era uma jornada extremamente penosa
e demorada. É evidente que a eliminação ou atenuação desse inconveniente só poderia trazer
satisfação para D. Pedro II. Dessa forma, a gratidão do monarca para com o autor do
empreendimento seria inevitável. E, na verdade, não foi outra coisa o que aconteceu.
Assim, em 30 de abril de 1854 foi inaugurado o primeiro trecho ferroviário não só do
Brasil, mas de toda a América Latina; um percurso de 14 quilômetros ligando o pequeno porto
de Mauá - nos fundos da Baia de Guanabara - até à estação de Fragoso. Esses trilhos
pioneiros somente alcançariam a raiz da Serra da Estrela dois anos depois.
O projeto da Estrada de Ferro Mauá, como foi chamada, dependia fundamentalmente do
término da construção da rodovia União e Indústria; os atrasos na construção e pavimentação
da estrada acabaram por liquidar a ferrovia, que em 1883 foi incorporada e absorvida
pela The Leopoldina Railway.
Independentemente desses percalços, a Lei 641 produziu os efeitos desejados.
Foram feitas diversas concessões para a construção de estradas de ferro, sendo as primeiras
e mais significativas as seguintes:
para construir e explorar uma estrada de ferro entre Recife e Água Preta
concessão outorgada a Eduardo e Alfredo de Mornay, pela Lei 1.030, de 07 de agosto de 1852.
para construir e explorar uma ferrovia ligando Petrópolis a Porto Novo do Cunha
concessão feita a Irineu Evangelista de Souza, pela Lei 1.088, de 13 de dezembro de 1852.
para construir e explorar uma via férrea ligando Salvador a Juazeiro
concessão outorgada a Joaquim Francisco A. B. Muniz Barreto, pela Lei 1.299, de 19 de
dezembro de 1854.
Contudo, o ano mais notável, em se tratando de concessões para construção e exploração de
estradas de ferro em nosso País, foi sem dúvida o de 1855.
Na capital do Império é criada a empresa - sob forma de sociedade anônima - "Estrada de
Ferro D. Pedro II", sob o comando do pioneiro Cristiano Ottoni e da família Teixeira Leite,
da cidade de Vassouras.
Pela Lei 1.599, de 09 de maio de 1855, eram aprovados os estatutos dessa companhia, com
direito à exploração pelo período de 90 anos, entre outras benesses. O projeto tinha como
objetivo construir inicialmente em trecho de ferrovia entre o Rio de Janeiro e São Paulo,
e, em seguida, estendê-lo até Minas Gerais, a partir de um ponto intermediário da estrada.
A E. F. Dom Pedro II se transformaria mais tarde na famosa Estrada de Ferro Central do
Brasil, mola impulsora de desenvolvimento econômico das regiões sul e sudeste do Brasil.
A troca do nome - um dos primeiros atos do Governo Republicano - mais do que uma mudança
estrutural da companhia, foi apenas um momento de pequenez política, com o objetivo de
apagar o nome do ex-Imperador da história inicial dos transportes ferroviários do Brasil.
De certa forma isso foi reparado anos depois, quando a principal estação da ferrovia passou
a se chamar Estação Dom Pedro II.
Essas são as pinceladas iniciais da nossa história ferroviária.
Apesar de tudo o que o Império fez para implantar e desenvolver o transporte ferroviário
no Brasil, foram cometidos muitos erros, alguns fatais para a sobrevivência do sistema.
Concessões que beiravam a perpetuidade, falta de planejamento global para o sistema como
um todo, permissão para que se construissem estradas com as mais variadas bitolas e a
cada vez maior injeção de recursos públicos em compnhias sem consistência, foram alguns
dos fatores que vieram a propiciar nos anos 50 o advento de políticas visando eleger o
transporte rodoviário como solução para os problemas da malha ferroviária.