Simone Carneiro Maldonado - "Dois Excertos de Georg Simmel" - Política & Trabalho 14 - set/1998 - PPGS-UFPb

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Política e Trabalho 14 - Setembro / 1998 - pp. 173-175


DOIS EXCERTOS DE GEORG SIMMEL

Simone Carneiro Maldonado (1)


Dando continuidade à pesquisa sobre a sociologia de Georg Simmel que venho desenvolvendo e que tem resultado em traduções comentadas de trabalhos seus, volto a esta publicação com mais dois excertos ou melhor dizendo com mais duas digressões, tendo sido as anteriores A Ponte e a Porta e a Filosofia da Paisagem ambas relativas à noção de espaço. Nelas, Simmel referiu-se às percepções, bem à maneira kantiana, que se articulam em seqüências no curso da experiência subjetiva, que nelas mesmas não são "natureza", assim como não o são os elementos objetivos a não ser quando se combinam em coerências causais.

Dependentes de uma organização físico-psíquica, as nossas impressões são subjetivas, mas se tornam "objetos" quando tomam forma no nosso intelecto, assumindo regularidades fixas, num quadro coerente do que seja a "natureza".

Nas duas peças aqui apresentadas, A Metafísica da Morte e Estética e Sociologia, Simmel refere-se às conexões societárias possíveis como sínteses em que a consciência de constituir uma unidade com os outros é o que entra em questão.

Na Tragédia da Cultura, trabalho maior que abriga os excertos acima (Jankélévitch,1988), Simmel trabalha a questão da "objetificação" da vida, que leva não só a antíteses fundamentais como cultura objetiva e cultura subjetiva; processos associativos e processos dissociativos (Nedelman,1989; Maldonado,1996), forças constituintes e poderes dissolventes (Simmel,1986), com que o mundo da vida objetiva passe a se contrapor e até a ameaçar o desenvolvimento das dimensões pertinentes à subjetividade, instância histórica em que Simmel identifica os aspectos negativos do comportamento coletivo e os impactos da metrópole sobre a vida mental dos indivíduos, no que Schmidt (1992) chama o seu "pessimismo cultural".

No caso, os dois textos chegam mais perto do que Simmel chamaria os "limites intrínsecos da cultura subjetiva". Falava ele da capacidade receptiva do indivíduo, aprisionado na sua escassa [fim da página 173] disponibilidade de tempo e de energia dedicados a cada vida individual e na sua própria unidade e fechamento.

N'A Metafísica da Morte, encontra-se o burilamento de um par de opostos: a vida e a morte. Metodologicamente Simmel se afirma muito nesta digressão, num posicionamento que perpassa seus trabalhos :a complementaridade e a inevitável justaposição e complementaridade dos opostos (Simmel, 1983).

Para Simmel, este grande dualismo não só serve de plataforma de decolagem para o processo que se desenvolve entre o sujeito e o objeto, como sinaliza os aspectos objetivos e subjetivos de que o mesmo se compõe.

Assim, nos seus limites, a vida contém o seu oposto, a morte, que por sua vez desenha e constitui esses limites.

No bojo da discussão da metafísica da morte, Simmel esboça uma definição da cultura em que esta não se limita à aquisição de habilidades nem ao acesso ao conhecimento, sendo essencial para que se possa falar de cultura, o desenvolvimento, o aperfeiçoamento do psiquismo e da subjetividade individuais.

Mas o ponto forte desta digressão é a questão da forma: "(...) a forma do rochedo é constituída pela erosão, a da lava pela solidificação". São forças constituintes que em ações diferentes, conduzem à forma. Nesta peça, Simmel desvela a face nem sempre perceptível porém verdadeira da morte, que é a de dar forma à vida mediante "o lugar onde o ser e o não-mais-ser do objeto são um só". A morte dá vigor à vida que cresce, tornando-se cada vez mais viva, e vai além do desenlace final, na medida em que atua também sobre os conteúdos vitais. "Somos como homens andando sobre um barco no sentido oposto ao seu curso".

Na Estética e Sociologia, a grande afirmação de Simmel é de que "(...) a questão social é não somente uma questão de ética, mas também de estética", o que ele faz ao abordar a forma e a estética de uma sociedade racionalmente organizada, corporificada no socialismo. Visando destacar a beleza específica do Estado socialista em termos da sua finalidade e confiabilidade nas ações e imbricações harmoniosas na interação, Simmel demonstra a atração estética do funcionamento desse sistema sócio-político.

Na perspectiva de Simmel, a proposta do conhecimento da totalidade do social a partir do fragmento da experiência se articula à sua intuição artística e ao seu senso estético como sociólogo (Mongardini,1989). Nesta digressão ele mostra que as estruturações sociais trazem em si formas estéticas específicas.

[fim da página 174]

Essa estética estaria também imbricada nos domínios da cultura, constituindo "uma economia de forças para o pensamento", em oposição à inquietação e à imprevisibilidade da sociedade individualista. Sob esta perspectiva, a economia de forças intelectivas que a sociedade socialista propicia, seria um dos alicerces da cultura subjetiva, na medida em que os elementos organizacionais e racionais que subjazem à forma desse Estado vão oportunizar que o indivíduo, o locus da cultura subjetiva possa desenvolver suas capacidades e articular-se com o mundo em que vive, tendo garantidos por assim dizer pela sociedade em que vive, as oportunidades de crescimento e de aperfeiçoamento sem as quais, para Simmel, a cultura subjetiva ou não existe ou está seriamente comprometida.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CAVALLI, Alessandro. (1989). Georg Simmel e Max Weber: un Confronto su Alcune Questioni di Metodo. Rassegna Italiana di Sociologia (XXX.4).

JANKÉLÉVITCH, E. (1988). Georg Simmel, La Tragédie de la Culture. Paris: Rivages Roche.

MALDONADO, Simone C. (1996). Georg Simmel: Uma Apresentação. Política & Trabalho (12).

MONGARDINI, Carlo. (1989). La "Sociologia" di Simmel: la Modernità di un Classico. Rassegna Italiana di Sociologia (XXX.4).

NEDELMANN, Birgitta. (1989). Georg Simmel e la sua Analisi dei Processi Autonomi. Rassegna Italiana di Sociologia (XXX.4).

SCHMIDT, Gert. (1992). Simmel: dal Relativismo alla Filosofia della Vita. Rassegna Italiana di Sociologia (XXX.4).

SIMMEL, Georg. (1983). Simmel. Organizado por Evaristo Moraes Filho (Coleção Grandes Cientistas Sociais). São Paulo: Ática.

_______________. (1986). Sociologia. Madrid: Alianza Editorial.

NOTA

1)Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa).


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