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A Ameaça
Fantasma da Superstição
no Cinema e na Televisão
Matt
Nisbet
Este é um
ensaio sobre George Lucas e Steven Spielberg, Lordes Negros do "Sith".
A mitologia moderna criada pelos dois cineastas através de filmes como
Guerra nas Estrelas, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e ET, tem sido
exaltada pela mídia mundial, mas há um lado negro nas histórias
tramadas por estes que são os principais contadores de histórias dos
Estados Unidos. Em resumo, Darth Lucas e Darth Spielberg criaram um
legado de filmes que atacam a razão, vendem fantasias transcendentais e
abalam a estima pela ciência e pelo progresso.
O caso
contra Lucas e Spielberg tem sua origem há muito tempo atrás, em uma
galáxia muito, muito distante, onde a ciência e a razão eram
celebradas. Foi no Iluminismo, um período que dominou a cultura
ocidental durante o século XVIII. A era que exaltou e ampliou as
realizações de Bacon, Voltaire, Locke e Newton, uma vez que oferecia o
racionalismo e a ciência como o melhor meio para navegar, moldar e
conhecer o mundo. As grandes realizações da ciência e tecnologia que
desfrutamos hoje, devemos muito às tradições do Iluminismo.
O Romantismo foi uma rebelião intelectual que sucedeu o Iluminismo,
estendeu-se através do século XIX e início do século XX. Se o
Iluminismo foi uma época dominada por cientistas e filósofos, então o
Romantismo foi a era de poetas e artistas. Os poetas românticos Blake,
Wordsworth e Coleridge desdenhavam a ciência, e em seus poemas
admiravam fantasias transcendentais, a emoção, o agrário acima da indústria
e a intuição acima da razão.
Durante o século
XX, as tradições do Iluminismo e do Romantismo co-existiram, mas em um
conflito irreconciliável. Em 1959, o cientista e romancista inglês
C.P.Snow descreveu o progresso como "As Duas Culturas". Uma
composta pelas artes e humanidades enquanto a outra pela ciência. Entre
as duas, Snow descreveu "um abismo de incompreensão mútua".
A forma de
arte mais dominante do século, entretanto, só foi possível devido a
uma combinação das Duas Culturas. A invenção científica do cinema e
televisão fundiu música, drama, composição visual e narrativa em um
assalto aos sentidos e emoções de uma multidão de espectadores pelo
mundo inteiro. A cultura e a sociedade foram mudadas para sempre.
Como
pesquisador de comunicação, George Gerbner assinalou que o privilégio
de contador de histórias em nossa sociedade tem sido dado aos
produtores, escritores, diretores e proprietários dos filmes e da
televisão. O papel do contador de histórias é crítico para uma
cultura como formador das concepções que temos a respeito de nós
mesmos e da sociedade, e como influenciador de nossas aspirações,
comportamentos e conhecimentos. Durante o Iluminismo, contar histórias
era a função de filósofos, de divulgadores e de grandes oradores públicos
que propagavam as realizações da ciência e da razão. O resultado
disto foi a formação de um público educado onde prevalecia o
racionalismo e a liberdade pessoal. Uma das grandes ironias da História
é que apesar da ciência ter criado o meio, os contadores que dominam
no cinema e na televisão priorizam em sua histórias o medieval, o romântico,
o transcendental e o anti-científico.
A influência
dos meios de comunicação eletrônicos contribuiu para formar uma
sociedade científica e tecnológica do século XXI importunada por crenças
e superstições do século XII. De acordo com uma pesquisa Gallup, mais
da metade do norte-americanos acreditam no diabo, um terço acredita que
casas podem ser mal-assombradas, três quartos acredita em anjos e próximo
de um terço acredita em acidentes com discos voadores.
Entram em
cena os cineastas Lucas e Spielberg. Lucas fascinou uma geração de
norte-americanos com o lançamento de Guerra nas Estrelas, seguido por O
Império Contra-ataca e O Retorno de Jedi. Neste mês iniciou a jornada
de multidões de expectadores para assistir A Ameaça Fantasma, o prelúdio
da trilogia de Guerra nas Estrelas, chamado de "o filme mais
aguardado do século".
Steven Spielberg
surgiu na década de 1970 com Tubarão, seguido por Contatos Imediatos
do Terceiro Grau, Poltergeist, ET e seu filme de maior sucesso de
bilheteria nos anos 90, Jurassic Park. Juntos, Lucas e Spielberg
faturaram bilhões de dólares ao redor do mundo e mais bilhões com a
venda de produtos licenciados. Inspiraram cerca de três décadas da
extravagância de filmes do tipo "arrasa-quarteirão" que
seguem a mesma temática de Lucas/Spielberg, juntamente com seriados de
televisão, romances, fãs-clubes, convenções, web sites, bonecos,
cursos, papéis de parede, colchas, lancheiras e piscinas infantis.
Dê um tempo
para desmascarar Lucas comigo. O elo de ligação com o Romantismo é óbvio
em Guerra nas Estrelas. A "Força" é uma "energia"
panteística que oferece um caminho tanto para o lado negro quanto para
a luz. Certos indivíduos nasceram com uma conexão especial com a força
e são treinados como cavaleiros Jedi. Através de servidão monástica
e meditação, os super-heróis Cavaleiros Jedi são capazes de
controlar a força e desenvolver poderes sobrenaturais que incluem
reflexos inacreditáveis, controle da mente, telecinese, visão remota e
adivinhação. Após sua morte, os Cavaleiros Jedi aparecem como anjos
da guarda sábios e sorridentes que ajudam os protagonistas. Em ordem,
para "usar a força", os Cavaleiros Jedi lembram aos outros
para "acreditar em seus sentimentos", "deixar se
levar" e "usar suas intuições". Numa entrevista à
revista TIME, Lucas descreveu a frase "use a força" como um
ato de fé. "Há poderes e mistérios maiores do que nós,"
disse George Lucas a Bill Moyers, "e você tem que acreditar em
seus sentimentos de modo a ter acesso a esses mistérios."
Apesar de
que nos filmes de Spielberg os enredos são variados, permanecem
consistentes com os temas românticos. Tubarão tem como premissa o medo
irracional do monstro marinho que espreita suas vítimas, oculto em um
grande mistério. Em Contatos Imediatos, os alienígenas são anjos
envoltos por uma luz branca e brilhante, que guiam os humanos aos céus.
Em ET, o alien é um anjo caído a procura de uma maneira de voltar para
casa. Antigos espíritos sepultos de índios norte-americanos são
despertos em Poltergeist, quando condomínios espalham-se ameaçando
revelar seus túmulos sagrados ao abrirem caminho para a construção de
piscinas e porões. Em Jurassic Park, cientistas gananciosos recriam
dinossauros, mas são incapazes de controlá-los, desse modo
desencadeando caos e desastres.
Spielberg
está longe de ter encerrado com a temática paranormal. Recentemente
anunciou planos para uma série de vinte horas no Sci-Fi Channel sobre
abdução por alienígenas. Não superando seu colega cineasta Francis
Ford Coppola, que está produzindo uma série com 66 episódios destacando
a invasão alienígena e as profecias de Nostradamus. Norte-americanos
com menos de trinta anos têm sido objetos de uma grande experiência.
Narrativas transcendentais e sobrenaturais sempre fizeram parte da
cultura mundial, mas nunca antes na história houve uma geração
inundada pela mitologia através de um meio tão poderoso como o cinema
e a televisão. Se usamos esta tecnologia para contar aos nossos filhos
histórias medievais, o que podemos esperar em troca? Em seu livro de
1996: O Mundo Assombrado pelos Demônios,
o astrônomo Carl Sagan escreveu que mesmo os estudantes brilhantes da
Universidade de Cornell sofrem de falhas absurdas em seus conhecimentos.
"Eu posso encontrar em minhas turmas de graduação", escreveu
Sagan, "estudantes brilhantes que não sabem que as estrelas nascem
e se põem à noite ou mesmo que o sol é uma estrela." Os alunos
de graduação de Sagan são um indicativo do público geral cujo grau
de alfabetização científica está em um alarmante cinco por cento. O
cientista e autor prolífico também dirigiu uma acusação aos meios de
comunicação. "Um ser extraterrestre recém-chegado à Terra,
examinando cuidadosamente o que de mais importante apresentamos a nossas
crianças na televisão, no rádio, em filmes, jornais, revistas,
quadrinhos e livros pode facilmente concluir que estamos decididos a
ensiná-los a respeito de assassinatos, raptos, crueldades, superstição,
credulidade e consumismo."
Em uma era
de sofisticações tecnológicas sem precedentes, as novas gerações
correm o risco de crescerem como a geração mais eficiente
tecnologicamente na história, mas também como a mais iletrada
cientificamente. Alimentada por uma dieta constante de fantasia, parece
ser apenas uma questão de tempo antes que a tecnologia se converta em
magia para uma população caracterizada por uma fundamental incompreensão
da ciência. Como enfrentamos um aumento na complexidade das decisões
políticas em assuntos que incluem o meio ambiente, a economia, a educação
e a medicina, nossa democracia será testada se continuarmos a viver num
mundo fantasia e valorizando pouco a ciência e a razão.
Matt Nisbet
é diretor de relações públicas da Skeptical
Inquirer, the magazine for Science and Reason, e coordenador
do Council for Media
Integrity.
Leia também
o artigo
(em inglês) do
escritor de ficção científica David Brin.
Leia
a resposta de
Dave Vaughan a este artigo. (em inglês)
Artigo originalmente
publicado em 27 de maio de 1999.
Tradução: Gilson C. Santos
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