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Maio de 1999


 

A Ameaça Fantasma da Superstição
no Cinema e na Televisão

Matt Nisbet 

 

Este é um ensaio sobre George Lucas e Steven Spielberg, Lordes Negros do "Sith". A mitologia moderna criada pelos dois cineastas através de filmes como Guerra nas Estrelas, Contatos Imediatos do Terceiro Grau e ET, tem sido exaltada pela mídia mundial, mas há um lado negro nas histórias tramadas por estes que são os principais contadores de histórias dos Estados Unidos. Em resumo, Darth Lucas e Darth Spielberg criaram um legado de filmes que atacam a razão, vendem fantasias transcendentais e abalam a estima pela ciência e pelo progresso.

O caso contra Lucas e Spielberg tem sua origem há muito tempo atrás, em uma galáxia muito, muito distante, onde a ciência e a razão eram celebradas. Foi no Iluminismo, um período que dominou a cultura ocidental durante o século XVIII. A era que exaltou e ampliou as realizações de Bacon, Voltaire, Locke e Newton, uma vez que oferecia o racionalismo e a ciência como o melhor meio para navegar, moldar e conhecer o mundo. As grandes realizações da ciência e tecnologia que desfrutamos hoje, devemos muito às tradições do Iluminismo.
O Romantismo foi uma rebelião intelectual que sucedeu o Iluminismo, estendeu-se através do século XIX e início do século XX. Se o Iluminismo foi uma época dominada por cientistas e filósofos, então o Romantismo foi a era de poetas e artistas. Os poetas românticos Blake, Wordsworth e Coleridge desdenhavam a ciência, e em seus poemas admiravam fantasias transcendentais, a emoção, o agrário acima da indústria e a intuição acima da razão.

Durante o século XX, as tradições do Iluminismo e do Romantismo co-existiram, mas em um conflito irreconciliável. Em 1959, o cientista e romancista inglês C.P.Snow descreveu o progresso como "As Duas Culturas". Uma composta pelas artes e humanidades enquanto a outra pela ciência. Entre as duas, Snow descreveu "um abismo de incompreensão mútua".

A forma de arte mais dominante do século, entretanto, só foi possível devido a uma combinação das Duas Culturas. A invenção científica do cinema e televisão fundiu música, drama, composição visual e narrativa em um assalto aos sentidos e emoções de uma multidão de espectadores pelo mundo inteiro. A cultura e a sociedade foram mudadas para sempre.

Como pesquisador de comunicação, George Gerbner assinalou que o privilégio de contador de histórias em nossa sociedade tem sido dado aos produtores, escritores, diretores e proprietários dos filmes e da televisão. O papel do contador de histórias é crítico para uma cultura como formador das concepções que temos a respeito de nós mesmos e da sociedade, e como influenciador de nossas aspirações, comportamentos e conhecimentos. Durante o Iluminismo, contar histórias era a função de filósofos, de divulgadores e de grandes oradores públicos que propagavam as realizações da ciência e da razão. O resultado disto foi a formação de um público educado onde prevalecia o racionalismo e a liberdade pessoal. Uma das grandes ironias da História é que apesar da ciência ter criado o meio, os contadores que dominam no cinema e na televisão priorizam em sua histórias o medieval, o romântico, o transcendental e o anti-científico.

A influência dos meios de comunicação eletrônicos contribuiu para formar uma sociedade científica e tecnológica do século XXI importunada por crenças e superstições do século XII. De acordo com uma pesquisa Gallup, mais da metade do norte-americanos acreditam no diabo, um terço acredita que casas podem ser mal-assombradas, três quartos acredita em anjos e próximo de um terço acredita em acidentes com discos voadores.

Entram em cena os cineastas Lucas e Spielberg. Lucas fascinou uma geração de norte-americanos com o lançamento de Guerra nas Estrelas, seguido por O Império Contra-ataca e O Retorno de Jedi. Neste mês iniciou a jornada de multidões de expectadores para assistir A Ameaça Fantasma, o prelúdio da trilogia de Guerra nas Estrelas, chamado de "o filme mais aguardado do século".

Steven Spielberg surgiu na década de 1970 com Tubarão, seguido por Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Poltergeist, ET e seu filme de maior sucesso de bilheteria nos anos 90, Jurassic Park. Juntos, Lucas e Spielberg faturaram bilhões de dólares ao redor do mundo e mais bilhões com a venda de produtos licenciados. Inspiraram cerca de três décadas da extravagância de filmes do tipo "arrasa-quarteirão" que seguem a mesma temática de Lucas/Spielberg, juntamente com seriados de televisão, romances, fãs-clubes, convenções, web sites, bonecos, cursos, papéis de parede, colchas, lancheiras e piscinas infantis.

Dê um tempo para desmascarar Lucas comigo. O elo de ligação com o Romantismo é óbvio em Guerra nas Estrelas. A "Força" é uma "energia" panteística que oferece um caminho tanto para o lado negro quanto para a luz. Certos indivíduos nasceram com uma conexão especial com a força e são treinados como cavaleiros Jedi. Através de servidão monástica e meditação, os super-heróis Cavaleiros Jedi são capazes de controlar a força e desenvolver poderes sobrenaturais que incluem reflexos inacreditáveis, controle da mente, telecinese, visão remota e adivinhação. Após sua morte, os Cavaleiros Jedi aparecem como anjos da guarda sábios e sorridentes que ajudam os protagonistas. Em ordem, para "usar a força", os Cavaleiros Jedi lembram aos outros para "acreditar em seus sentimentos", "deixar se levar" e "usar suas intuições". Numa entrevista à revista TIME, Lucas descreveu a frase "use a força" como um ato de fé. "Há poderes e mistérios maiores do que nós," disse George Lucas a Bill Moyers, "e você tem que acreditar em seus sentimentos de modo a ter acesso a esses mistérios."

Apesar de que nos filmes de Spielberg os enredos são variados, permanecem consistentes com os temas românticos. Tubarão tem como premissa o medo irracional do monstro marinho que espreita suas vítimas, oculto em um grande mistério. Em Contatos Imediatos, os alienígenas são anjos envoltos por uma luz branca e brilhante, que guiam os humanos aos céus. Em ET, o alien é um anjo caído a procura de uma maneira de voltar para casa. Antigos espíritos sepultos de índios norte-americanos são despertos em Poltergeist, quando condomínios espalham-se ameaçando revelar seus túmulos sagrados ao abrirem caminho para a construção de piscinas e porões. Em Jurassic Park, cientistas gananciosos recriam dinossauros, mas são incapazes de controlá-los, desse modo desencadeando caos e desastres.

Spielberg está longe de ter encerrado com a temática paranormal. Recentemente anunciou planos para uma série de vinte horas no Sci-Fi Channel sobre abdução por alienígenas. Não superando seu colega cineasta Francis Ford Coppola, que está produzindo uma série com 66 episódios destacando a invasão alienígena e as profecias de Nostradamus. Norte-americanos com menos de trinta anos têm sido objetos de uma grande experiência. Narrativas transcendentais e sobrenaturais sempre fizeram parte da cultura mundial, mas nunca antes na história houve uma geração inundada pela mitologia através de um meio tão poderoso como o cinema e a televisão. Se usamos esta tecnologia para contar aos nossos filhos histórias medievais, o que podemos esperar em troca? Em seu livro de 1996: O Mundo Assombrado pelos Demônios, o astrônomo Carl Sagan escreveu que mesmo os estudantes brilhantes da Universidade de Cornell sofrem de falhas absurdas em seus conhecimentos. "Eu posso encontrar em minhas turmas de graduação", escreveu Sagan, "estudantes brilhantes que não sabem que as estrelas nascem e se põem à noite ou mesmo que o sol é uma estrela." Os alunos de graduação de Sagan são um indicativo do público geral cujo grau de alfabetização científica está em um alarmante cinco por cento. O cientista e autor prolífico também dirigiu uma acusação aos meios de comunicação. "Um ser extraterrestre recém-chegado à Terra, examinando cuidadosamente o que de mais importante apresentamos a nossas crianças na televisão, no rádio, em filmes, jornais, revistas, quadrinhos e livros pode facilmente concluir que estamos decididos a ensiná-los a respeito de assassinatos, raptos, crueldades, superstição, credulidade e consumismo." 

Em uma era de sofisticações tecnológicas sem precedentes, as novas gerações correm o risco de crescerem como a geração mais eficiente tecnologicamente na história, mas também como a mais iletrada cientificamente. Alimentada por uma dieta constante de fantasia, parece ser apenas uma questão de tempo antes que a tecnologia se converta em magia para uma população caracterizada por uma fundamental incompreensão da ciência. Como enfrentamos um aumento na complexidade das decisões políticas em assuntos que incluem o meio ambiente, a economia, a educação e a medicina, nossa democracia será testada se continuarmos a viver num mundo fantasia e valorizando pouco a ciência e a razão.


Matt Nisbet é diretor de relações públicas da Skeptical Inquirer, the magazine for Science and Reason, e coordenador do Council for Media Integrity.


Leia também o artigo (em inglês) do escritor de ficção científica David Brin.
Leia a resposta de Dave Vaughan a este artigo. (em inglês)


Artigo originalmente publicado em 27 de maio de 1999.
Tradução: Gilson C. Santos

   

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 por
Gilson Cirino dos Santos.
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