<%@ Language=VBScript %> Como nasceu a sulanca - Atualidades - Santa Cruz do Capibaribe/PE

                                                                                                                

 

A sulanca nasceu como forma de sobrevivência de um povo

 

BRAÇO DIREITO DE UMA GENTE

 

Sulanca, criação de um povo!

 

 

 

 

Comerciantes pioneiros da sulanca

Pedro Diniz, Manoel Caboclo e Dedé Moraes, todos falecidos. O último veio do sitio Bandeira. Fotos extraídas do livro História de Santa Cruz do Capibaribe (2003), de Júlio Ferreira de Araújo 

 

 

 

               A sulanca começou no final dos anos 40, quando Santa Cruz ainda era vila, com o trabalho pioneiro dos três comerciantes acima na venda de retalhos (subprodutos de fábricas de tecidos), o que permitiu a confecção de cobertas (tiras emendadas). Daí se partiu para o fabrico de roupas com retalhos maiores, tudo a preços populares. Em seguida, outros se juntaram à atividade que, 50 anos depois, chegou ao nível atual em que Santa Cruz do Capibaribe é o maior  pólo de confecções do Norte/Nordeste do País. 

 

Memória  (confecção de cobertas)

 

 

Origem do termo

 

              Para uma corrente, sulanca vem da união de helanca (malha vinda do Sul do País) e sul.  Outros dão como origem uma designação depreciativa dada  ao produto no início, algo como sucata. Esta hipótese tem mais fundamento  porque é coerente com o princípio da coisa: coberta ou roupa feita pelo povo com pedaços de retalhos.  Era coisa mal acabada, de carregação mesmo, como poderia ser em sua origem  numa sociedade então muito pobre, que buscava sobreviver com seus próprios meios. Assim, é provável que o su de sulanca tenha vindo de sucata assim como o lanca, de helanca. Nessa versão, a sulanca, pois, originariamente, estaria para a confecção usual assim como a sucata está para o equipamento normal.

 

Expansão

 

              A sulanca passou de simples cobertas e roupas populares para confecção de qualidade,  que hoje nada fica a dever a outros produtos convencionais do gênero no mercado. A atividade explodiu, chegou ao comércio e ao fabrico de tecidos. Sulanca significa hoje, por extensão, todos os tecidos e confecções fabricados ou comercializados na região de Santa Cruz do Capibaribe, ou produzidos noutras partes para onde se espalhou seguindo o modelo santa-cruzense. Santa Cruz do Capibaribe, Toritama (a 16 km) e Caruaru (a 54 km) formam hoje o destacado circuito das confecções em Pernambuco, os quais têm muitos vendedores comuns.

              Destaca-se a sulanca pela informalidade dominante, por suas vendas no atacado e por ter preços mais reduzidos (em grosso ou no varejo). O negócio deu tão certo que outras regiões deste e de outros estados o copiaram com êxito. Pelo menos no Nordeste,  ela está presente hoje em toda parte, praticamente.

 

Destino

 

              Sorrateira, a sulanca chega a butiques de capitais, onde é vendida como confecção fina do Sul do País.  Vende hoje para muitos estados do Brasil, além de colocar seus produtos no exterior. Santa Cruz do Capibaribe virou um centro criador e exportador de modas. Apesar dos pecados (sonegação e outros), a coisa é um modo eficiente de gerar e distribuir renda. 

 

Transformação 

 

             Em meio século de vida, o modelo transformou  acanhado lugarejo perdido no interior com dois mil habitantes numa cidade com cerca de 70 mil habitantes fixos e 20 mil flutuantes, com muito trabalho, oportunidade para todos e disposição para crescer. É o milagre feito por santo de casa, ou seja, com seus próprios recursos. Para outras informações sobre o assunto, veja Feira da sulanca. 

 

Cinema

 

 

             Em 1986, a cineasta pernambucana Kátia Mesel produziu o documentário Sulanca, de 40 minutos, e mostrou como o trabalho do povo de Santa Cruz do Capibaribe construiu um pólo de confecções numa cidade do interior de Pernambuco.Veja história.          

 

Empreendedor

 

Noronha, foto do livro acima citado 

 

 

            Com o campo aberto em face da saída dos pioneiros, destacou-se por volta de 1963 o então motorista de caminhão Fernando Silvestre da Silva (Noronha), já falecido, que investiu "30 mil contos de réis" para controlar no lugar a revenda de tecidos. Para não correr o risco de perder o estoque feito, resolveu vendê-lo todo a prazo a costureiras, com base apenas na confiança.  "Deu certo e a coisa não parou mais", segundo palavras do próprio Noronha à revista VEJA, edição de 13.12.78. Depois disso, a sulanca começou a explodir, e ele veio a se transformar num dos homens mais ricos do lugar. 

 

 

O modelo

 

 

            No início, quatro categorias: donos de armazém, confeccionistas,  costureiras e revendedores. Os primeiros compravam a matéria-prima em São Paulo ou no Recife e a revendiam aos segundos que contratavam costureiras. Na última ponta, os revendedores  levavam em caminhões o produto a regiões distantes de vários estados do País, e o expunham em feiras livres para conquista de mercados.  
            Costureiras viravam confeccionistas. Alguns destes passavam a comprar a matéria-prima direto na fonte como os donos de armazém, tudo com certa naturalidade. A fácil mobilidade entre as citadas categorias econômicas e a relativa facilidade de iniciar-se nos negócios permitiram êxito crescente do modelo.

 

Evolução

 

            Hoje a situação mudou um pouco. Com a vinda de compradores à cidade e com a ida de firmas locais a noutros lugares, os revendedores foram extintos na prática. Mas estes cumpriram seu básico papel de conquistar mercados.  Um revendedor, talvez símbolo de todos eles, foi José Pereira Diniz - Zezé (filho do pioneiro Pedro Diniz) que, ainda jovem, teve larga experiência na função em regiões de vários estados brasileiros onde, como autêntico camelô, divulgou e vendeu as virtudes da sulanca. No presente, Zezé é bem-sucedido sulanqueiro na cidade. 

 

História

        

 

        Trecho extraído da monografia "Santa Cruz do Capibaribe e sua sulanca - Caruaru/1979", trabalho de equipe, coordenado por Eunice Aragão Neves:
          
  "Santa Cruz do Capibaribe, graças a ajuda de Deus dando criatividade a seu povo, está se sobressaindo entre as demais cidades do polígono das secas, sem perturbar a sua economia e sem deter seu desenvolvimento, em face da milagrosa indústria da SULANCA que não depende de chuva ou sol. 
             Há uns 30 anos (ou seja, em 1949), Dedé Moraes e Manoel Caboclo e depois Pedro Diniz compraram sacos de retalhos no Recife e em São Paulo, para revender nas feiras e em suas casas. Primeiro tiveram a idéia de emendar as tiras para formar cobertas. Suas próprias mulheres fizeram as primeiras cobertas. Muitas outras pessoas também se engajaram no trabalho, costurando o produto a 50 centavos cada na moeda da época. 
            A atividade cresceu e com ela a chance de ganhar dinheiro. Novos comerciantes aderiram ao ramo e passaram a fabricar roupas, vendidas para revenda a preço reduzido. Numerosos revendedores levavam o produto para outros estados (em especial, interior baiano e maranhense) e para regiões da zona canavieira nordestina.
            A maioria dos habitantes da cidade, inclusive os de distritos e da zona rural, trabalha na confecção de roupas e no comércio de tecidos. É um artesanato que avança muito com a instalação de indústrias de maior porte. Em média, são feitas umas 500 mil peças de vestuário por mês. Não há sobressaltos para a população santa-cruzense, sem retirantes nas secas, porque a  sulanca dá para tudo e para todos.
             Hoje, 30 anos depois, há na cidade
cerca de seis mil máquinas de costura, média de uma máquina para cada casa. Funcionam ainda quatro indústrias de médio porte, além das muitas pessoas que trabalham com seus filhos nas suas próprias casas, em unidades domésticas de produção. 
            Quatrocentas toneladas de retalhos por mês, vindas de São Paulo, entram em Santa Cruz do Capibaribe, para serem transformados em calças, camisas, saias, vestidos, blusas e todo tipo de vestimenta, além de fronhas, lençóis, sacolas, cortinas etc. Noventa por cento dessa produção é exportada para outras regiões, inclusive outros estados nordestinos, ficando para consumo local apenas dez por cento". 

            
Nota: os dados supracitados têm como referência evidente a época da monografia (1979).



"Gangarras"

Sítio Bandeira (município do Brejo da Madre Deus/PE,  à margem do rio Capibaribe), a 6 km de Santa Cruz, local  onde vive uma comunidade desgarrada, provavelmente, de uma das bandeiras que percorreram o Nordeste, a partir do século 17. Os integrantes desse grupo, além de feitio e outros hábitos típicos,  falam rápido, quase a cantar, razão por que ganharam o apelido de gangarras (periquitos), cujo trinado faz lembrar a fala desse povo,  alcunha pela qual ainda hoje é conhecido. Tal aparência e costumes seguem sua descendência. 

           Os gangarras,  embora analfabetos em regra, são muito inteligentes e têm muita habilidade para o comércio e para os números, vocação que tem passado, de modo geral, de pais para filhos. Um exemplo disso é o próprio Dedé Moraes, analfabeto, que se mudou para a cidade e progrediu na sulanca com seus filhos. Seu Dedé, em sua loja, usava um sistema de numeração próprio, de símbolos desconhecidos, com o qual fazia somas de forma exata. Cria da cultura da qual  se originou ou obra sua mesmo? 

            Muitos gangarras vieram para Santa Cruz, onde progrediram no comércio. Os  que  se mudaram para outras terras prosperam também, em geral. Mas os que ficaram no sítio, com uma agricultura de subsistência desprezada, mantêm-se em acentuada pobreza. 

            Não perdem, porém, seu aspecto e seus hábitos, pelos quais são logo identificados em qualquer parte por  quem é da velha guarda santa-cruzense, mediante conclusão:

            -- Você é gangarra aqui e em qualquer lugar do mundo! Sua fala e seu jeito não nega!

 

Memória - confecção de cobertas

 

           Em 1949, com 13 anos, o autor se preparava para fazer o admissão ao ginasial no Colégio de Caruaru. Por esse tempo, trocava o trabalho de "lambe-sola" pela atividade de costurar cobertas, com a qual começou o modelo da sulanca. Os panos e a linha para confecção eram fornecidos por seu Manoel Caboclo (um dos pioneiros da sulanca), que morava a poucos metros da casa do avô do autor. A máquina de costura não parava para faturar alguns trocados, como já faziam outras tantas na vila. No ano seguinte, indo para Caruaru a fim de estudar o primeiro ano ginasial, a máquina velha continuou a  fazer cobertas, operada dessa vez por sua mãe, para custear despesas com o estudo do filho. E assim foi por muito tempo. Nas férias, o próprio estudante voltava a costurar cobertas enquanto costumava cantar músicas de Luiz Gonzaga. As cobertas, portanto, deram o empurrão inicial no modelo da sulanca e no curso ginasial do autor.

 
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Atualizada em 26/06/2004