*O SONHO  COMEÇOU


  A palavra mais falada, o sentimento mais forte, a expectativa maior hoje é a Internet. O computador demorou tanto para se estabelecer quanto a imprensa e agora, como aquela, é a panacéia para tudo.
De fato, o homem moderno não saberia mais como agir, como resolver sua vida sem o auxílio do computador. Ele edita nossos textos, voltou a nos ensinar a escrever cartas, faz cálculos monstruosos, praticamente impossíveis de serem realizados mentalmente ou “fazendo contas”.
As novas tecnologias tratam de todas as áreas da humanidade, desde a medicina, das artes até o controle de um simples liquidificador.
A transmissão de saberes, o acesso das pessoas a outros mundos, outras culturas, tudo isso era impossível antes dos computadores. A interatividade, a educação a distância, tudo.
Em breve a televisão estará obsoleta, quando disporemos na Internet uma gama tal de programas que faremos nossa grade de programação, a inverteremos, reagiremos, discordando em áudio e vídeo com os apresentadores e/ou mediadores dos programas etc.
O computador corrige nossos erros, cobre nossas limitações, sobrepõe-se a nós mesmos. Não vivemos mais sem o computador e cada vez mais. Cada vez eles são menores, mais potentes e mais baratos.
Esse poder virtual desmoronou a geografia do planeta, globalizou pra valer. Temos entretenimento, trabalho e lazer na Grande Rede.
Essa euforia, entretanto, fez alguns estragos. Alguns jovens criaram programas, criaram portais, negócios e ganharam muito, muito dinheiro. Como uma “Nova Califórnia” todos estão tentando se mudar para esse manancial de oportunidades, para esse comércio sem fronteiras, desenfreado.
E quantas pessoas conseguiram o sucesso via Internet? Muitas. Muitas mesmo.
Existe um grupo que largou tudo, que trocou todo o trabalho de sua vida para refaze-la nesse maravilhoso mundo virtual, onde nada é impossível, onde não existem limites, maior mesmo que o Universo que (des)conhecemos.
  Aí começam nossos problemas. É maior o número de migrantes para esse novo mundo do que ele está estruturado para suportar. Ele existe, virtual, mas está lá. Entretanto, não se move sozinho, é um mundo paralelo, um mundo que REAGE a nós, ao nosso mundo.
Milhares de pessoas estão perdendo todas as economias que fizeram ao longo de suas vidas simplesmente porque nem todo mundo quer comprar uma camisa pela Internet. Esquecem que o homem é biológico e, como tal, quer pegar no pano, conversar com o vendedor, quer avaliar de perto os legumes apreciar “o papel roxo que envolve a maçã” e mesmo os automóveis. Longe de mim desacreditar do comércio eletrônico. Evidente que não. Quantas coisas maravilhosas podemos adquirir, de qualquer país, sem levantarmos de nossas poltronas? Isso é real. Comprar um livro esgotado, um livro em outro país, tudo é maravilhoso.
Esquecer por isso, o prazer de ir até a livraria, manusear os livros, sentir na ponta dos dedos a textura do papel, ler trechos deste e daquele, conversar com o comprador que está ao lado, trocar experiências, esse é o X da questão.
Para que a Bíblia de Calvino tomasse a Alemanha, para que os monges copistas se aposentassem e a Igreja perdesse o seu poder absoluto sobre o saber levou um tempo. O tempo existe, dele não se foge porque está ligado, atrelado ao mistério da vida e da morte. Ele pode diminuir, diminuir cada vez mais, podemos executar todas as nossas tarefas cada vez em menos tempo, mas precisamos de um tempo.
  A Sociologia, a Antropologia, a Filosofia precisam de tempo, o computador ajuda muitíssimo, mas não substitui nosso estudo, nossa possibilidade de pensar.
Por estar ligada a moral, a ética é o grande dilema do homem. E mais ainda do homem globalizado que tem (tenta) que se adaptar às “várias éticas” dos povos que estão ali, ao alcance do clique de seus mouses.
  As Nações criaram seus conceitos éticos, procuraram torna-los cada vez mais universais, criando para isso órgãos mundiais reguladores.
Queremos agora resolver tudo de nossos computadores, queremos nos transformar em negociantes milionários, queremos difundir saberes e acessar outros tantos. Mas como? O homem (esse que faz a Grande Rede) precisa de conceitos morais, éticos e estéticos, precisa de lideranças. O homem não é só, não sabe viver só, não tem poder nem saber sozinho. Quando ele tenta decidir por ele mesmo, sem consultas, sem reguladores o que faz? Aumenta exponencialmente o acesso a pedofilia, às seitas radicais, propõe com muito mais facilidade o neonazismo, inventa vírus tão destruidores quanto a Aids, assalta bancos, alicia inocentes, promove a prostituição, acaba com  os Direitos Autorais (que vão acabar mesmo) sem antes encontrar uma solução para o criador das obras, ataca qualquer um frágil no  senso de verdade, de responsabilidade, certo de que está impune porque virtual.
  Hoje as bolsas que trabalham com as novas tecnologias despencam, fortunas evaporam em segundos, novas doenças surgem na mesma esteira em que a medicina progride.
  É preciso compreender bem. Não se trata de negar o progresso e tudo o de bom que os computadores e a Internet nos trazem. Trata-se, antes, de repensar as maneiras de utiliza-la. Lembrar que precisamos de tempo, que esse mundo fantástico ainda é disponível para poucos e que, mais do que tudo, é preciso consolidar uma ética universal, que possa atuar virtualmente, mais ainda, não esquecer que somos humanos e como tais, precisamos de gente.

Geraldo Iglesias
Maio 2000

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