Hippies em Portugal - hippies portugueses

(algumas referências pessoais)


Biografia de Sérgio Godinho (excertos)
In Instituto Camões

1945 - Sérgio Godinho nasce no Porto.

1963 - Para evitar cumprir o serviço militar obrigatório e ser enviado para a guerra colonial, parte para o estrangeiro. Começa por viver na Suíça, onde estuda Psicologia, em Genebra, durante dois anos com Jean Piaget, antes de passar para França, onde vive o Maio de 68.

1969 - Actua, durante dois anos, na produção francesa do musical «Hair» onde conhece Shila. Em Paris toma contacto com outros músicos exilados, como Luís Cília e José Mário Branco.

1971 - Grava o seu primeiro álbum, em Strawberry Studio do Chateau d'Hérouville, em França. Em Novembro o seu EP de estreia, "Romance de Um Dia na Estrada", é editado pela Sassetti. Parte para o Brasil com Shila, e a companhia de teatro Living Theater. É preso e expulso do Brasil. Vai viver para Amsterdão.

1972 - É editado "Os Sobreviventes", álbum de estreia, que é muito bem recebido pela crítica e pelo público, mas é interditado três dias depois da edição, sendo sucessivamente autorizado e novamente proibido. Regista o seu segundo álbum, "Pré-Histórias". Outubro: Casa-se com Shila, em Montreal.

1973 - Junta-se à companhia de teatro Genesis. Estabelece-se em Vancouver, numa comunidade hippie. Em Portugal, a Sassetti edita "Pré-Histórias". É no Canadá que o 25 de Abril o apanha, regressando a Portugal pouco depois da Revolução.



Biografia de Frederico Amaral Neves
Excertos do texto de Rui A. Araújo (c/ Vítor Nogueira) in eito fora edição nº 13

[...] Destinaram-no a uma escola em Londres. [...] No Portugal orgulhosamente só daquela época (1966) o contacto com a evolução das coisas era restrito, mas na capital britânica o pensamento não estava congelado. [...] Entretanto foi abrindo os olhos para o que se passava no mundo. Assistiu pela primeira vez a manifestações, comprou o seu primeiro Livro Vermelho de Mao, iniciou o aprofundamento duma consciência política e social. Desejoso de se manter a par dos tempos, comprou um fato hippie «fabuloso, com os seus guizos e as suas correntes», que lhe custou uma fortuna. Conservou-o até aos dias de hoje.

Pôde verificar nessa altura a possibilidade (e o gosto) das revoluções. Quando se dizia "está acontecer" não era mentira. O "happenning" não era só a festa. (Ter-se-á iniciado aqui no espírito e na literatura da beat generation que o acompanharão o resto da vida. Creio mesmo que anos mais tarde viveria intensamente como um beat, com as suas alienações e os seus excessos.) Estranhamente o seu fascínio pelos hippies de S. Francisco e as suas mensagens de “paz e amor” não o impediu de simpatizar com os alemães apologistas da revolução armada. Diz-se mesmo filho de ambos. Quando regressou a Portugal, no seu fato novo e de cabelos crescidos, o pai, que o foi buscar ao aeroporto, não o reconheceu. O rapaz estava a tomar o seu rumo.

Foi para Coimbra frequentar Medicina. Como a maioria dos estudantes, participou na crise académica de 69.


Hippies americanos no Rossio
Luisa Costa Gomes in Vítimas de uma história muito longa e imbricada

Já nessa altura, nos domingos de mil novecentos e sessenta e oito, só se encontrava no centro da cidade quem não tinha mesmo mais nada que fazer. Os divertimentos eram poucos e consistiam sobretudo em passear e em olhar. Grande parte deste passear e deste olhar fazia-se em ruas, praças, igrejas e castelos. A elas, ainda incertas dos interesses espirituais próprios, a arquitectura, e mesmo a história daquelas pedras, motivava pouco.

O entretenimento que sobrava eram os estrangeiros. [...] elas preferiam, sobre todos os outros, os americanos. Entre esses, os hippies americanos no Rossio. Entre esses, preferiam os que tivessem as jeans mais rasgadas, os pés mais sujos, os cabelos mais emaranhados. Se eles tocassem guitarra, a tarde estava ganha. Estes rapazes americanos, foram elas descobrindo com a experiência, eram de uma candura inexcedível. Se lhes diziam que tinham sido os portugueses a inventar o telefone, o fio do telefone, a linha do comboio, as árvores de fruto, o andar em pé, maravilhavam- se. Maravilhavam-se igualmente de tudo, fosse o elas terem caçado leões, haver termas romanas por baixo do Rossio, ou ter o bom do Giraldo Giraldes ficado entalado na porta de um castelo. Não eram capazes de suspeição. Iam sempre dedilhando a sua guitarra, e dizendo bestial, incrível. Eram tão fáceis como difíceis de impressionar.

Uma diz agora que não era por isso que preferia os americanos. Preferia os americanos porque eles se estavam nas tintas para o lugar. Insiste que, a maior parte das vezes, eles nem sabiam bem onde é que estavam. Não estavam na América, isso chegava-lhes. Era tudo bestial, o mar, o sol, as raparigas. E ela queria era ir para a América e não se lembrar mais de onde é que estava. A outra diz que não era bem assim. Admite que eles não fariam muito finca-pé na verdade dos factos, porque o americano não compreende a noção abstracta de História Muito Longa e Imbricada, apenas aceita a ideia de Facto Histórico Concreto.


Um brasileiro em Paris
Armando Costa Rocha (Brasil), In Pravda.ru

Em Paris aconteceram coisas fantásticas. Vou contar uma. [...] Em Paris, onde já tinha encontrado uma turma de hippies portugueses e espanhóis (no mesmo dia que cheguei) e esperava manter contacto com eles. O grupo se reunia numa praça perto dos Campos Elíseos.

Marquei com António para vir me apanhar na pensão. Calçando alpargatas, vestindo calça curta e sem camisa, pois estava fazendo muito calor, saí. Sempre levava uma pasta preta, onde tinha o meu passaporte e outros documentos e com ela em baixo do braço segui para a praça, onde se encontravam "meus" hippies.

A coisa mais engraçada foi quando o Mercedes parou e António veio abrir a porta do meu lado, segurando o chapéu na mão, e eu figura ímpar, saindo do carro com a minha pasta. Os hippies não paravam de rir, ao mesmo tempo surpresos pelo acontecimento. Pedi a António para vir me apanhar às 17,00.


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