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pele de verão Walter Lima Jr. Correio da Manhã, 23/02/1962 A presença do cinema argentino, desconcertando e surpreendendo, ao mesmo tempo que envergonhado de seu passado e surpreendido pela posição conquistada, é um desses fenômenos que o cinema ainda não nos habituou a explicar. A arte cinematográfica caminha cada vez mais para as mãos daqueles que têm realmente o que dizer, dentro ou fora da órbita do cinema-indústria, contudo o fenômeno Torre-Nilsson é ainda por demais recente para que tenhamos dele uma idéia segura. Resta-nos ainda a dúvida inicial dos primeiros dias da revelação de Torre-Nilsson: estamos diante de um autor? Pele de Verão (Piel de Verano), o 12° filme de Nilsson, excluídos os curtas, não chega a responder-nos suficientemente. Estamos, sim, frente a um homem absolutamente consciente da problemática moderna, consciente e atento aos desencantos de seu mundo e, acima de tudo, diante de um trabalho sério, de um filme enfim, fato que ninguém poderá negar. Pele de Verão se alinha dentro da nova concepção do cinema de autor, sem compromisso, embora haja opiniões contrárias à sua validade extra-cinematográfica, política e ideológica. Não há em verdade um protesto, como também não havia em La Dolce Vita e L’ Avventura e, sim, a constatação das verdades que faltam aos dogmas estabelecidos na sociedade, a falta de sentido da vida, a substituição da certeza da dúvida pelo cinismo da dúvida, por fim, o complexo temático que vem preocupando os homens mais lúcidos do cinema moderno: Fellini, Antonioni etc. Em Piel de Verano, muito menos do que nos dois exemplos citados, não há uma história contada no sentido tradicional da dramaturgia cinematográfica. Há uma situação e um personagem: Marcela, jovem da alta burguesia argentina que recebe a proposta de divertir os últimos dias de vida de Martín, filho do “protetor” de sua avó, em troca de uma viagem a Paris e uma coleção recente de modelos Dior. Marcela é uma moça como tantas outras: entediada aparentemente, mas descrente de todos os valores comuns da existência. Desde que começa a ser observada ela não esconde essa angústia de entregar-se languidamente à monotonia do cotidiano. A câmara dela se aproxima ao perseguir um mosquito que zumbe pelo quarto. Aí, na seqüência inicial, define-se por inteiro a posição de Torre-Nilsson em relação ao personagem: Marcela já está prisioneira de sua própria armadilha, indiferente como qualquer objeto do quarto. Não é propriamente um personagem à maneira clássica de Wyler, cuja personalidade vai ser estudada ao longo de todo o running-time, mas uma figura humana frente a um acontecimento dramático: a troca da dúvida de viver pela certeza do amor. Torre-Nilsson não esconde em seus filmes as influências mais variadas. É principalmente um autor que procura se afirmar superando as preferências literárias mais apaixonadas; Ibsen, mais notadamente. Em La Mano en la Trampa a situação da mulher presa às convenções por ela própria criadas, às aparências honestas, à mentira confortável do amor, de ser necessária, é uma paráfrase – que o próprio Nilsson confessa em citação aberta de Casa de Bonecas – da “Nora” de Ibsen. Em Piel de Verano, a inversão do clímax dramático sugere uma aproximação com Espectros. Resta a Torre-Nilsson, contudo, o trunfo de superar a influência ibseniana, esquecida pela própria crítica em troca de clichês do tipo “Bergmaniano”, “Kastiano”, “Wellesiano” e até “Wyleriano”, sugestões de típico caráter formalista sem qualquer fundamento de ordem temática e de pensamento. A nosso ver, o cinema de Torre-Nilsson mais se aproxima dos filmes de Alexandre Astruc, discípulo francês de Orson Welles. É muito mais aparência do que uma influência, mesmo porque encontramos em Torre-Nilsson uma liberdade artesanal estranha do cinema iluminado do autor de “Le Rideau Cramoisi”, um desrespeito formal que a cinegramática esteticista do literato Astruc condena. Há exemplos belíssimos do poder cinemático em Pele de Verão: 1 – a manhã de Marcela nadando na piscina, preocupada com a estranha situação em que se vê envolvida; o rosto apreensivo; a janela fechada que guarda o corpo moribundo de Martín; o diálogo que travam mais tarde, ainda à beira da piscina, onde “morte”e “vida” fazem um sinistro jogo de palavras; 2 – a “fuga” para o mar, elemento de vida, a descoberta da cicatriz: primeiro choque na consciência de Marcela, a verdade efêmera do amor que, aí neste exato momento, nasce e morre numa troca de olhares, a mão que acaricia generosamente a ferida; 3 – a orgia praiana dos turistas, criando o clima sensual do amor entre Marcela e Martín, os rostos que parecem sufocados pela câmara, a areia que foge por entre os dedos que a comprimem, figurando o fluxo do amor. O equilíbrio do filme é, no entanto, comprometido pela insuficiência das frases mais esclarecedoras dos diálogos. Martín, por exemplo, não se explica como personagem pensante. Ele lê porque está doente; a leitura é para ele a revelação de recitativos, de frases preparadas, de auto-comparações com destinos célebres: Byron, Rilke. O personagem subsiste pela força que o diretor Nilsson lhe confere em troca da debilidade das linhas do roteirista Nilsson. “Joujou”, a avó de Marcela, é provavelmente o ponto mais fraco de todo o filme, como personagem e interpretação (Franca Boni, caricata em demasia). Seu caráter cínico, sintetizando a revolta do autor pelo ambiente da história, esbarra violentamente com a sobriedade da construção psicológica do estilo da direção. É o mais grave arranhão no verniz artesanal de Pele de Verão. |
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