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novo cinema argentino: torre-nilsson
Walter Lima Jr.
Leia também a crítica de Pele de Verão 
Correio da Manhã, 30/07/1961
É preciso que se faça um reparo no conceito verdadeiro da renovação cinematográfica que se vem processando nos quatro cantos do mundo. A importância de Torre-Nilsson como precursor de um cinema moderno em grupo, realizado em bases realistas, é sem precedentes no nosso continente. Torre-Nilsson não é nem pretende ser o patriarca de um movimento. Ele é a idéia. Ele, Lautaro Murua, José David Kohon, Simon Ferman, Fernando Ayala, Rodolfo Kuhn e cerca de uma dúzia de diretores estreantes com vontade de fazer cinema verdadeiro, profissional.

Em poucas palavras, Torre-Nilsson sintetiza a idéia do movimento “Interpretação da Realidade Nacional”. Portanto, um cinema participante, adulto.

O êxito conseguido por este cinema novo e sem concessões, sem tabus, naturalmente provocou a ira dos salvadores da pátria, dos moralistas, dos burocratas da integridade, que investiram com unhas e dentes contra o art. 4 da nova lei de proteção à indústria cinematográfica, que regula a liberdade de expressão. Tais puritanos, todavia, serão cedo ou tarde colocados em seu devido lugar, na penumbra própria dos obscuros ou dos comprometidos com interesses contrários: seis diretores novos estão em vias de dar um importante passo financeiro com imprevistas conseqüências artísticas, a compra de um grande estúdio cinematográfico, a Emeldo.

Aos quinze anos, isto em 1939, Torre-Nilsson começou a praticar o cinema, quase que por imposição do pai, o veterano Leopoldo Torres Rios. Foi ajudante em cerca de 20 películas, entre 1939 e 1949, em nove das quais exerceu também a função de cenarista. Em 1950, estréia na direção de filmes de longa-metragem, ao lado de seu pai, com El Crimen de Oribe, interessante ensaio literário no terreno do insólito cinematográfico, segundo "Temas de Cine", no. 12 (abril-maio de 1961, Madri). Dias de Ódio (1954), seu filme seguinte, é o primeiro em que ele aparece como único diretor e com o qual se apresenta no festival de cinema do quarto centenário de São Paulo. Embora apresente interesse limitado, é o filme que lhe assegura a confiança dos produtores e lhe abre as portas da Argentina Sono Film. Antes, porém, realiza La Tigra (1954), do qual pouco se sabe. Para Vestir Santos (1955), o primeiro que realiza para a Argentina Sono Film, é um filme medíocre, sem qualquer atrativo; El Protegido (1956) é o único argumento próprio que Torre-Nilsson dirige em toda a sua carreira, uma frustrada revolta-ensaio contra o corrompido meio cinematográfico; Graciela, do mesmo ano, esboça os primeiros sinais de uma temática própria: a ausência do amor, da verdade e também a inquietação de uma personalidade através de uma busca formal, de um estilo a se revelar. Isto se dá em La Casa del Angel (1957), o seu primeiro grande filme. A revelação tem seu palco em Cannes, em meio ao comercialismo do festival. Os festivais de cinema, por outro lado, têm-se revelado de grande interesse promocional para os cinemas subdesenvolvidos, uma espécie de Cabo Canaveral, plataforma de lançamentos para o cinema financeiramente modesto. El Secuestrador (1958) e La Caída (1959) são dois dos filmes que consolidaram o prestígio do realizador. Ao primeiro, Torre-Nilsson devota carinho especial, talvez pelo fato de ser um filme maldito. La Caída, ao contrário, tem ampla aceitação do público. A crítica internacional não poupa elogios à alta qualidade da obra. O estilo de Torre-Nilsson mostra-se já apurado, dominando o tema, o elenco, a técnica da linguagem.

Fin de Fiesta (1959) reúne grande dose de insatisfação artesanal. Tratando de um tema perigoso, o caudilhismo corruptor, Torre-Nilsson procura criar, através do aproveitamento da cenografia, do uso inteligente do som e de um elenco apurado de jovens atores, uma visão intimista do problema social (a corrupção política) e dar-lhe força e sentido, colocando em choque a mentira contra a verdade. Fin de Fiesta, filme inaugural da “Producciones Angel”, do próprio Nilsson, no entanto, afora sua oportunidade temática, não foi bem compreendido pela crítica. Embora goste muito do resultado final, Torre-Nilsson confessa admirar mais o livro original (de Beatriz Guide, sua mulher e cenarista favorita).

Un Guapo del 900
(1960), embora tenha sido premiado no recente festival de Santa Margherita Ligure, não representa o melhor do cinema de Torre-Nilsson. Uma peça teatral filmada, que o próprio realizador ignora como cinema pessoal.

La Mano en la Trampa (1961), ao invés, é um grande exemplar do já autor Torre-Nilsson. Um filme admirável, novo, espontaneamente cinematográfico. Desta feita TN enfrenta o melodrama e o transfigura verdadeiramente, através de uma linguagem moderna e de um tratamento intimista.

Torre-Nilsson terminou há pouco Piel de Verano (1961), ainda inédito. Parece ser o filme de sua preferência e concorrerá no próximo festival de Veneza.
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