ESTRADAS - OS DOIS LADOS DA MESMA MOEDA
Confesso
que até há bem pouco tempo tinha a ideia de que as estradas (a julgar pela
quantidade de animais mortos que nelas encontrava!) nunca poderiam ser benéficas
para a vida animal. Porém, também constatava que existia uma grande quantidade
de animais que pareciam adorar viver nesse “fio da navalha”, caso de
algumas aves que se vêem frequentemente ao longo das nossas estradas, sobretudo
as situadas em zonas agrícolas. Um artigo de Nuno Leitão no site
www.naturlink.pt ajudou-me a perceber o porquê de tal situação, sendo,
aliás, nesse artigo que se fundamentam as linhas que se seguem.
Como já referi,
é frequente, ao longo das nossas deslocações rodoviárias, depararmo-nos com
várias aves poisadas em postes e fios eléctricos, em cercas ou em árvores junto
ás estradas (Águia-d`Asa-Redonda (buteo buteo); Peneireiro-Vulgar (falco
tinnunculus); Peneireiro-Cinzento (elanius caeruleus) e Picanço-Real (lanius
meridionalis)), ou mesmo a sobrevoar a estrada (Milhafre-Real (milvus milvus) e
Milhafre-Preto (milvus migrans)). E o que fazem aves de rapina em sítios tão
humanizados?... Fácil! Tiram partido dessa humanização do seu habitat, ou seja,
procuram carcaças de animais mortos por atropelamento ou animais vivos para
caçar. é que as bermas das estradas são habitats com uma grande abundância de
pequenos mamíferos e doutras espécies de presas (insectos e répteis, por
exemplo) tornando-se, pois, zonas extremamente atractivas para vários tipos de
aves, sobretudo, para as rapinas.
As estradas são,
para as nossas amigas aves, uma moeda com duas faces, porque, se por um lado,
possibilitam um menor dispêndio de energia na obtenção de alimento, por outro, o
preço a pagar por essa facilidade, pode ser a própria vida, já que correm um
maior risco de se tornarem elas próprias em fonte de alimento.
Apesar de ainda
não existirem estudos que permitam fazer o balanço entre os benefícios e os
custos das estradas para as aves, inquestionável parece ser já o facto de serem
reconhecidas como locais de elevada mortalidade para espécies de rapinas
nocturnas (caso da Coruja-das-Torres (tyto alba)) e para aves de hábitos
crepusculares (como os Noitibós (caprimulgus ruficolis e europaeus).
Em jeito de
conclusão, é fácil perceber o apelo do autor desse artigo para que as estradas –
sobretudo, as rurais – e as suas margens sejam alvo de um estudo e consequente
gestão, tendo em conta as vantagens e desvantagens que estas proporcionam.
|
Em
qualquer época do ano, mesmo com o característico tempo Outonal,
é imperdoável não sair para o campo e desfrutar do contacto com a Natureza .
Para
aqueles que procuram novas sugestões aqui vos deixo mais uma alternativa. Desta
vez, “batemos a asa” até aos campos da Lezíria, concretamente, até às
imediações de duas das mais conhecidas Quintas (a da Cardiga e a da Labruja)
situadas, a meio caminho, entre os concelhos de Vila Nova da Barquinha e da
Golegã.
Assim pois, há que dirigir-se a uma destas localidades para que, a
partir daí, possa deslocar-se até ao ponto de partida deste percurso, ou seja,
à entrada “oficial” da Qta. da Cardiga (situada na E.N. 365, que liga a
Golegã ao Entroncamento).
O portão - conforme consta na foto - certamente, estará aberto e a
grande avenida ladeada por landoeiros contém algumas pequenas surpresas aladas
que valerá a pena desvendar. Entre e avance até encontrar à sua esquerda um
pequeno edifício (circular e telhado), que mais não é do que um poço. Pare,
escute e olhe à sua volta. Espécies mais comuns como o pintassilgo (carduelis carduelis), o verdilhão (carduelis chloris), a
chamariz (serinus serinus) e o pardal-comum (passer domesticus) andarão
por perto, estes últimos nidificam, aliás, no telheiro do referido poço. Porém
, para além destas aves, outras há que também se podem descobrir ao longo da
avenida, nidificando algumas delas nas árvores que o guiarão até à Qta. da
Cardiga. Entre outras, poderá encontrar o chapim-real (parus
major), o chapim-azul (parus
caeruleus), a trepadeira-comum (certhia
brachydactyla), a trepadeira-azul (sitta
europaea), a cotovia-de-poupa (galerida
cristata) e o pica-pau-malhado-pequeno (dendrocopus minor). Um
conselho: à medida que for seguindo avenida fora, vá fazendo alguns pontos de
escuta e perscrutando o solo da própria avenida, por certo, terá agradáveis
surpresas.
A determinada altura, e à sua esquerda, surgirá um pequeno aqueduto de
tijolo. Dedique-lhe algum tempo, a poupa (upupa epops), o cartaxo-comum (saxicola torquata) e o
abelharuco (merops apiaster) costumam frequentá-lo.
Depois de percorrido o quase quilómetro e meio da avenida, o primeiro
edifício que encontrará, será a - agora desactivada - “Adega”. Nos topos
laterais abundam os ninhos de andorinha-dos-beirais (delichon
urbica) e nas redes das cercas mais próximas poderá ver - caso já por
cá esteja - o papa-moscas-preto (ficedula
hypoleuca). Uma vez contornada a “Adega”, e já entre as construções
da Quinta, siga o caminho à direita até encontrar as antigas bombas de combustível.
Nesse momento, estará no centro do que, há trinta/quarenta anos atrás, fora
um importante foco de desenvolvimento económico-social da zona. Aproveite para
apreciar a arquitectura das casas dos ex-funcionários da quinta - algumas delas
ainda habitadas - e também do palacete, situado à esquerda das bombas. O
rabirruivo-preto (phoenicurus
ochruros) acompanha-lo-á a partir dos telhados e muros circundantes e,
um pouco após o palacete, já junto ao rio Tejo, poderá observar a alvéola-cinzenta
(motacilla cinerea), a garça-branca-pequena
(egretta
garzetta), a galinha-de-água (gallinula
chloropus), o guarda-rios (alcedo
athis) e, com alguma sorte, o goraz (nycticorax nycticorax).
Regresse às bombas e siga a estrada ladeada de silvas e oliveiras, em
direcção a São Caetano. Ao longo deste pequeno trajecto, a
andorinha-das-chaminés (hirundo rustica)
brinda-lo-á com os seus rasantes e acrobáticos voos de alimentação e os
melodiosos cantos da toutinegra-de-cabeça-preta (sylvia melanocephala), da
toutinegra-de-barrete-preto (sylvia
atricapilla) e da carriça (troglodytes
troglodytes) ouvir-se-ão com agrado.
Ao atravessar São Caetano - pequeno núcleo habitacional, onde viviam
grande parte dos trabalhadores da Quinta - e já depois de ter deixado o antigo
campo de futebol e a pequena escola primária para trás, a estrada alcatroada
conduzi-lo-á, por entre pomares de pessegueiros e nogueiras e cearas de milho e
tomate, a uma pequena bifurcação, onde deverá seguir o caminho da esquerda
(por sinal, o mais esburacado). Durante este trajecto, experimente ir
verificando as pontarecas dos postes de madeira que encontrará à sua direita.
O peneireiro-cinzento (elanus caeruleus) faz
desse local um sítio privilegiado para descansar e para devorar as suas presas.
Nos fios eléctricos dos mesmos postes, o picanço-real (lanius meridionalis) e o
picanço-barreteiro (lanius senator) são presenças habituais. Ao alcançar a
bifurcação atrás referida, poderá encontrar os ninhos de pardal-montês (passer
montanus) existentes nos dois postes de cimento que aí encontrará.
Circulará agora, e ainda que durante pouco tempo, por entre um pequeno
olival frequentado por espécies como o tentilhão (fringilla coelebs), o melro-preto (turdus merula), o
mocho-galego (athene noctua) e alguns chapins. Nos postes de alta tensão que
hão-se surgir à sua direita é usual verem-se o peneireiro-vulgar (falco
tinnunculus), a gralha-preta (corvus
corone) e a águia-de-asa-redonda (buteo
buteo). Um pouco mais adiante, à sua direita, passará a ter a
companhia de uma vedação ornamentada com silvas e oliveiras, enquanto que à
sua esquerda, a planície e os campos dedicados às culturas cerealíferas lhe
permitirão espraiar o olhar e alcançar os montes da outra margem do rio.
Dentro da cerca, habitualmente frequentada por gado bovino e onde existe um
casebre/estábulo, espécies como a garça-boieira (bubulcus
ibis), o estorninho-preto (sturnus
unicolor) e a cotovia-pequena (lullula arborea), caso ainda não tenham sido observadas, têm
aqui fortes possibilidades de o vir a ser. No lado esquerdo, e explorando todo o
horizonte visual, poderá encontrar uma variedade de aves que vão desde a
fuinha-dos-juncos (cisticola juncidis), passando pela codorniz (coturnix
coturnix), pelo pintarroxo (carduelis
cannabina), pela alvéola-branca (motacilla alba) e chegando mesmo a espécies mais apetecíveis
como a águia-calçada (hieraaetus
pennatus) ou o chasco-cinzento (oenanthe oenanthe).
Para trás estão pouco mais de cinco quilómetros e já
muitas espécies observadas. É chegada a hora de passarmos pela Quinta da
Labruja, de irmos até junto das frescas margens do Tejo e de encontrarmos mais
algumas aves que engrossarão a nossa lista. Denunciada pelos seus muros caiados
de branco e pelos enormes eucaliptos, onde nidificam três casais de
cegonha-branca (ciconia
ciconia), a Quinta da Labruja parece nada ter em comum com a da Cardiga.
Depois de abandonar a estrada alcatroada, siga pelo caminho de terra batida,
contornando a quinta pela direita e apanhando um outro caminho - por onde com
certeza verá passar alguns camiões -, que o levará até perto da zona de
extracção de areias, ou melhor dizendo, até junto dos canaviais e do leito do
rio. Ao longo dos cerca de quinhentos metros que distam da Qta. da Labruja ao
rio, poderá observar a andorinha-das-barreiras (riparia riparia) - cuja
colónia de nidificação se encontra num talude na outra margem - o andorinhão-preto
(apus apus) e o milhafre-preto (milvus migrans), que quase
sempre se vê junto ao rio.
Antes de seguir o caminho em direcção à ruidosa máquina
de extracção de areias - curvando à esquerda - experimente seguir o trilho em
frente, passando pelo denso canavial e descendo até à linha de água. O
rouxinol (luscinia
megarhynchos) o bico-de-lacre (estrilda
astrild), o rouxinol-bravo (cettia
cetti), a garça-cinzenta (ardea
cinerea) e algum juvenil de gaivota-argêntea (larus cachinans) e de gaivota-de-asa-escura (larus
fuscus) constituirão novos registos. Se optar por seguir o caminho que
trazia, ou seja, na direcção da extracção de areias, opte pelo caminho
secundário, entre o canavial (à sua direita) e os campos de cultivo (à sua
esquerda). Depois de ter deixado para trás a “máquina-da-areia”, poderá
facilmente detectar, entre o canavial, os choupos, os salgueiros e a restante
vegetação, aves como o chapim-rabilongo (aegithalos
caudatus), a felosa-comum (phylloscopus
brehmii) e o pisco-de-peito-ruivo (erithacus
rubecula). No imenso areal que se estende desde esta margem até à
linha de água, nidifica o borrelho-pequeno-de-coleira (charadrius
dubius).
O percurso está prestes a terminar. Regresse à Qta. da
Labruja e siga em direcção à Golegã. Nesta parte final, merece sempre a pena
ir dando uma olhadela à sua volta e ao próprio céu, é que a felosa-poliglota
(hippolais
polyglota), o bico-grossudo (coccothraustes
coccothraustes) ou mesmo o falcão-abelheiro (pernis
apivorus) podem constituir uma boa despedida para este - espero eu -
agradável percurso, que, para além de lhe permitir observar cerca de seis
dezenas de aves, leva-lo-á também à descoberta duma parte do Ribatejo e,
sobretudo, da sempre inebriante manhã primaveril.
MiguelGaspar
(www.aves.online.pt)
|