Angelus Novus


(manuscrito do jovem piloto)

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A santidade - como o heroísmo ou o génio - é uma patologia sintomatologicamente muito variada, furtando-se teimosamente a uma qualquer taxionomia exaustiva. Joseph L. Angelo, autor destes escritos que ainda recentemente me foram confiados, é um caso na fronteira de todo o vasto continente do humano como o conhecemos. Nascido em Sidney no ano de 2114, tem hoje porém apenas 31 anos de idade biológica. É piloto-explorador infer-estelar, o que lhe permitiu “ganhar” tempo sobre a Terra em virtude das leis da relatividade restrita. Seus progenitores eram emigrantes americanos (de Belo Horizonte) e fixaram residência num subúrbio popular daquela metrópole australiana. Até que o pai, Ricardo Angelo Coutinho, operário municipal, sindicalista e activista local exaltado, acabaria por ser internado em social labour, condenado pelo assassínio de um agente de segurança numa desordem de bar. Temunhos da época descrevem o pequeno Joe como uma criança introspectiva, dada a longos passeios solitários ou passando tardes inteiras com a cabeça mergulhada na relva. A fixidez no seu olhar azul líquido inquietava então, com a sua sugestão de uma monstruosa sabedoria levedando perversamente nos recessos de uma mente abúlica.

Aluno modelar na escola secundária, cursou Física na Universidade de Auckland, doutorando-se aos 19 anos com uma tese brilhante sobre 'Dimensionalidade e Infinito'. Este trabalho provocou na altura um vivo interesse e, por uns meses, foi considerado como incorporando a vanguarda absoluta na pesquisa dos limites assimptóticos. Ingressou depois na Academia Espacial de Tanegashima, no Japão, onde se notabilizou já como o piloto audaz e altamente operacional que entraria finalmente ao serviµo da Agência Fujitsuo & Park com a patente de Comandante. Foi ao serviµo da agência que conheceria mesmo um breve momento de notoriedade pública, quando chefiou uma famosa missão a Alfa de Centauro A, depositando no seu terceiro planeta - Aristarco, um rochedo do tamanho da Gronelândia, sem atmosfera, dispondo de algum carbono e água gelada - várias colónias de procariontes anaeróbicos, os primeiros “emigrantes” terráqueos estabelecidos fora do sistema solar. Um holograma da sua face sorridente apareceu então com alguma frequência nos diários. Nunca escondeu porém o seu desdém pelo programa, tendo sido citado como tendo dito; "Se algum dia se escrever uma História Geral das Bactérias, vou por certo ser referido nela como uma das suas bestas negras”.

Angelo firmou desde cedo a sua convicção no caracrer irrepetível, por abissalmente improvável, da vida como a conhecemos. Participou mesmo, com dois pequenos trabalhos publicados no `New Journal of Maths', num dos mais acalorados e populares debates científicos do seu tempo, a conlrovérsia entre "democratas" e "imperialistas". Tomou aí claramente partido pelos segundos, os que crêem ser a humanidade provavelmente a única civilizaçâo em todo o Universo. Deixando porém expressa a ressalva de que podem existir, na nossa janela quadridimensional, outras infinitas vias para a matéria subir a vereda da complexidade que nada tenham a ver já com a vida ou a inteligência. Estranhas formas e estruturas, gramáticas exóticas, grandezas incomensuráveis... Uma intercalação com um seu superior levá-lo-ia, anos depois, a abandonar a respeitável agência, mergulhando então no submundo aventureiro e marginal dos taxistas e exploradores espaciais por conta própria. Possui uma moderna nave Prometheus IV - "Angie" - propulsionada a anti-matéria, capaz de uma velocidade estabilizada de 0, 72-luz. O aparelho encontrava-se ultimamente atracado à plataforma orbital AI-Hâra da Uniâo Árabe Magrebina, por via de amizades pessoais e alguns penosos contactos políticos. Para viagens não relativísticas, dentro do sistema, podia facilmente alugar aí mesmo um veículo de fusâo nuclear classe Star da Honda. O clima de confrontaçâo euro-árabe criou-Ihe muitas dificuldades e valeu-Ihe uma apertada e conspícua vigilância quando montou um apartamento aqui na cidade do Porto. Ao menos nisso participa ele nas preocupações comuns do seu tempo, consumido pela crise e delírio identitários. Nos últimos anos, vivia obcecado com a busca das suas raízes ibericas. Angelo é um poliglota consumado, estudioso atento de música, artes plásticas e caligrafias tradicionais, devotando ainda um interesse amador por diversas áreas do saber científico e especulativo.

Foi casado com Sylvie Vercammeren, professora de Filologia Clássica na Universidade de Lovaina, de quem tem três filhos. Conheceu algumas mulheres, vínculos fugazes. Pessoas das suas relações mais próximas e regulares consideram-no uma personalidade algo densa, excessivamente cerebral no seu idealismo da acçâo, temperado aliás por uma ironia glacial. Aparentemente alheio a qualquer inquietação poética, religiosa ou metafísica. Por vezes brutal e intolerante perante a fraqueza alheia. Uma ver racionalmente articulada, seguia uma qualquer linha de acção sempre até às últimas consequências, com um rigor e insensibilidade próximos do fanatismo. Tinha já completados dez anos de missões inter-estelares (trinta e seis anos terrestres) antes da sua última viagem, de destino não conhecido, no decurso da qual se perdeu há oito anos todo o contacto com ele. É indisputadamente um dos melhores valores da sua geração.

Os manuscritos aqui publicados foram encontrados no seu apartamento da Foz do Douro, numa pasta com o rótulo "Demières Niaiseries" em francês (supõe-se que teria havido outros escritos, porventura irremediavelmente perdidos). São indisputavelmente do seu punho. Trata-se pois de inscrições a tinta num velho caderno de papel português onde se mantém uma espécie de diário descontínuo, por vezes ficcionado, por vezes especulativo, entremeado com alguns poemas. Não é de excluir terem estes escritos sido concebidos predominantemente como exercícios grafológicos. O título geral do conjunto é da minha responsabilidade e pretende fazer alusão a um certo cansaço do visionário que me parece ser a sua marca distintiva, estiliística e filosoficamente. Apesar de inéditos, estes textos são abundantemente citados, tendo as arbitrárias convenções literárias firmado já infelizmente o uso da divisão entre um "Manuscrito do Jovem Piloto" e os "Poemas". Aqui se restitui a obra à sua forma original, com os capítulos numerados de 1 a 37 por sua única divisão. Dada a extensão e complexidade da obra, optei por editá-la em pequenos fascículos, dos quais o primeiro inclui os capítulos 1 e 2.

Angelo é um aventureiro e um pesquisador, incapaz de viver senão percorrendo os limites da experiência e sabedoria humanas, incansavelmente animado por uma tranquila fúria descobridora. O que estes textos nos revelam é um percurso heróico de conhecimento poético do Universo. O trajecto de uma tenaz e metódica demanda de absoluto, empreendida sem nostalgia, por quem não crê finalmente que algo ou alguém possa ser salvo. lmportava fazer o estudo exaustivo da personalidade do autor, na posse de todos os instrumentos disponíveis das ciências comportamentais, genética e neurológica, assim como a exegese completa do texto e sua anotação com base nas referências literárias e filosóficas detectáveis, tarefas para uma futura edição crítica. Limitamo-nos por agora a fixar o texto definitivo. No estado presente dos trabalhos, nem mesmo estou em condições de garantir não ter simplesmente inventado eu tudo o que se segue.

Porto, 6 de Janeiro de 2172
J. P. M.

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1.
E é o cortante azul na manhâ do mundo, ferindo já o horizonte. Mar. O odor do mar confundindo-se com o suor dos povos em sua derrota incerta. Pulsar uníssono do coração do globo, seu velho queixume. A came respirando brutalmente, exalando suas fezes, sua praga repetida em todas as línguas e latitudes. A pele curtida por aventuras em mil portos. Gimme five, man, gimme five! O tabaco cuspido e espezinhado. O mijar à lua. A fugaz antevisão do paraíso perdido numa imprevista rota galáctica. Estive com Abdellatif em Tânger. Disse-me para seguir por Tau da Baleia,12 anos-luz. A longa perseverância na noite dos astros. O tempo reescrevendo-se, apenas um eixo para a rotação da imponente abóboda da matéria. Noburu discorda, lendo velhos poemas ingleses ao desmaiado sol de Janeiro. Desordens armadas na Nigéria, dizem os jomais telemáticos. Bebo um trago, aspirando o ar denso em seus ácidos pronúncios. Parto para Manila, sobrevoando as florestas submersas, naves destroçadas, mãos suplicantes. A terra gretada pelo silêncio e pela morte. Regresso e torno a partir. Regresso de novo. Rubros céus, como vos amo em vossa cruel obstinação. Minha renúncia ao pão e à prece, acasos do desejo remexendo a pura cinza dos dias. Oh gaivota, gaivota. Diz-me onde um coração pode achar abrigo e consolo em toda a desolação. Não nessa rata velha da Maud, estou farto de jazz. Talvez tenha ainda lorenin na cabeceira. Às quatro da manhâ acordo só, as têmporas latejantes, a contracção habitual na garganta. Os dedos trémulos procuram os cigarros. Uma lancinante angústia oprime-me o peito. Ligo o ecrã gigante. Sei que estou vivo e insone, algures num vasto mundo sem esperança.

Não sei desde quando fui desenvolvendo esta convicção de que toda a ciência humana poderia satisfatoriamente representar-se por uma linha tensa e oscilante, ou um conjunto de representações matemáticas de grande simplicidade. A-B-A, C-B-C, D-B-A, Tam-tam-pam. Maravilharam-me desde então os vestígios da extensâo máxima das ondas sobre a areia das praias, as marcas do crescimento anual na carapaça de certos moluscos. O grande olho da vida reverberando sempre de malícia e novidade. Oh, sim, sim, a dança no limiar do infinito.

Os portugueses são curiosos. Fui àquele hospital de fachada novecentista visitar uma amiga e achei-me em pleno castelo sadiano. No átrio podem já ver-se as filas compactas do gado popular a serem proficientemente ordenadas pelas funcionárias das “relações humanas”. As paredes enegrecidas nas esquinas pela película de muitas manhãs estremunhadas e sem rumo. Pijamas listados, febre, sebo e acabrunhamento. Uma que outra enfermeira de luvas plásticas calçadas até ao bico do cotovelo, as grandes ancas reboludas arrastando-se com vagares lascivos e sobranceiros, as chinelas estalando nos calcanhares. Assomando à entrada do bar, a excelente classe médica partilha as suas informações profissionais com ruidosa animação cafeínica. Topam-se olhares agudíssimos na sua miopia, a cintilar malícia velha empedernida, os bigodes amarelecidos pelo tabagismo da rotina. A manada vai avançando emparvecida, numa grande mansidão, com as suas intimidades longe do melhor asseio.

À noite encontrei O. na Praça da Ribeira. Bebemos umas cervejas ali mesmo, sobre a excruciante exalação do Rio de Vila. Discutimos literatura e ele contou-me velhas histórias do dispensário da tropa. Fui levá-lo a casa nos Carvalhos. "Isto é tudo uma ninhada" insistia ele, tudo a mesma ninhada".

Acampei dois dias em Viseu. Calcorreei quilómetros de velhas calçadas a pé, meti a nariz em inúmeras igrejas e capelas de todos os estilos. Cheirei pias de água benta em escuros recantos. Descobri um pintor português: Vasco Fernandes, o Grão-Vasco. Visitei a judiaria da Guarda, logo à esquerda da Porta de Rei. Impressionou-me também a sugestão (bem documentada pelos vestígios arqueológicos conhecidos) de se ter dado nesta região da Beira interior uma progressiva e conflitual aculturação dos povoados celtiberos autóctones à civilização romana triunfante. A ideia de um Viriato ele mesmo semi-latinizado, percorrendo clandestinamente as estradas construídas pelo invasor. Salvé. As pernas curtas e peludas no caminho, o peito arqueado com as costelas bem salientes. Os beiços luzidios, os olhos revirados de alucinação telúrica, maligna. Cagando ali entre a urze, o xisto, a giesta rala e daninha. Seguindo a concitar à revolta velhos amigos de infância relutantes. Apregoando os seus rojões, sangue e bofes de cabrito em aldeias castrejas polvilhadas já por elementos de arquitectura itálica.

Impossível saber o que sobra do amor na cinza do tempo. O borrão do tédio inconcluso. A náusea do ser. Mas imaginar essa plena várzea da virtude e da abundância, o vento correndo irónico sobre a erva, a revoada inquieta dos risos quebrando-se de encontro ao nada, sem razão aparente. O Sol oblíquo. Ela, ilha enamorada. A torrente da beleza sufocante e enigmática, velado sorriso em sua muda ambiguidade. O púbis dourado, o suave desejo da irmã. Sabedoria bago a bago consumada, logo irisada em suas névoas alternas de pura luz, seu transcurso infinito. Reconhecimento e compreensão, una e total, renovando-se eternamente. As lágrimas correndo soltas na face do instante. A sensação enfim de percorrer só uma álea estranhamente encantatória e perversa, por entre o restolhar avulso dos murmúrios escarninhos e malévolos. Crianças ferozes na sua nudez, quebram as asas da ave sobre uma rocha.

O caminho de Epsilon de Eridano é desolador por vezes. Suspeito cordas envolventes. Um défice de massa cósmica envolve sempre perigo. Colapsos locais, as irregularidades distensas da expansão. No mar de Einstein foi do bom e do belo com as ondas gravitacionais enlouquecidas. O Bill tinha-me prevenido mas uma coisa é conhecer um fenómeno matematicamente e outra ver as pernas estendidas a perder de vista, a nave ondulando sinusoidalmente como uma cobra do deserto. A luva solta na cabine, esticando e encolhendo como goma elástica. O irónico silêncio da noite. Sonhei então com Laura. Alguém que poderia ser eu tocava-Ihe no ombro, mas uma súbita aproximação visual ao gesto revelava uma mão estranha com grossas veias rebentando como ávidas raízes. Um anel caíu ao chão, reflectindo uma face lisa, destituída de toda a expressão humana, à qual aparecia distintamente associado, de forma puramente conceptual, um estranho nome ou injunção: "vórtice". A longa vertigem cromática da pura velocidade. Azul; violeta, carmim. A longa lâmina de deus. Dissolução calculada de toda matéria e conceito. O desdobramento dimensional do espaço-tempo convergindo em puro acto. O extremo riso no gume do instante que se põe a si próprio face ao nada, nua potência sem lei.

Uma partícula cuja massa em repouso é nula move-se à velocidade da luz. Assim pois qualquer partícula portadora, incluindo o fotão ou o gravitão virtuais. Mas as leis físicas são unifornes e a matéria sabe-se a si própria para lá de qualquer ligação causal. Do ponto a ao ponto b, passando simultaneamente por todas as trajectórias possíveis, o universo todo é presente a si próprio em qualquer local ou instante dados.

Quando avistei o primeiro planeta de Epsilon apercebi-me logo que Tordtvenson cometera graves incorrecções no seu artigo. O volume é de facto aproximadamente o de lo, a massa um pouco superior. A superfície não é lisa e espelhada mas percorrida por uns estranhos sulcos, de uma regularidade desarmante, na poeira cor de cinza. Como signos desconhecidos emergindo na desmesurada noite dos mundos. Podiam ser mero efeito de algum fenómeno atmosférico ou gravitacional. Resolvi descer e dar uma volta. A abordagem correu sem problemas. Saí entâo com o wise guy II mas o veículo imobilizou-se totalmente a quase vinte e dois quilómetros da nave. O chão era muito rico em elementos pesados, sobretudo bário e xénon. Apeei-me para regressar à nave sem demora porque não gostei da instabilidade na estrutura tectónica. O velho fato pesadíssimo fazendo ressoar alto a minha respiração, marcada pelo esforço da caminhada. Siii-foooum, siii-foooooum. Por sobre o meu ombro esquerdo podia ver o astro prestes a pôr-se por detrás de um colossal maciço notóriamente vulcânico. A gelada solidão deste longínquo entardecer provocou-me subitamente um arrepio na espinha. Uma leve brisa assobiava, levantando pequenas nuvens prateadas, redemoinhando aqui e ali. O nada bailando à minha volta com sua premeditada ternura. Impúdica noiva, o contrato aprazado. Lembrei-me de stephen dedalus, o jovem e, por uma estranha associação de ideias, pus-me a trautear mentalmente uma velha lengalenga infantil. Frère jacques, frère jacques, donnez vous... O rito roxo, o rio coxo, o riso fosco. Lembrei-me de altas árvores por plácidos navios trespassadas. Vibrantes copas da alegria, as lágrimas na noite, o abandono do amor. A irredimida pluralidade do ser. Siii-fooum. Siii-fooum. Agora e na hora da nossa morte. Sii-fooooum. Mas diz-me, oh diz-me. A palavra. A palavra perdida. Oh Satyakama! Tão longa a súplica, dorido sémen das gerações lançado sobre a terra erma. Riso e traição do anjo ou da água silente da aurora. Agora e na hora da nossa... Merda, visibilidade nula a trinta metros. O ranger dos dentes sobre o gume do último acaso. A gota de suor. Tentava então reunir e concentrar estruturadamente toda a alegria e calor orgânico do meu corpo face à desoladora imensidão dessa cona madrasta do cosmos.

Praia muito ventosa. Desânimo, após sentir uma enorme vontade de fazer várias coisas as mais dispersas e contraditórias. Suspiro. Franzir de sobrolho. Longas passadas em círculo na areia. À noite bebi uma sangria na esplanada da praia do molhe. A mão sobre o tampo da mesa. A unha presa na fenda. Toda a minha vida consciente se escoando por ali, entre cascas de amendoim, pequenos grãos de açúcar. A sujidade acumulada dos afectos indecisos crescendo brutalmente ante os meus olhos secos. Quais soberbos novos mundos em suas rotações aleatórias. Para lá do belo ou do justo, arredados de toda a causalidade. Angelus novus. Angelus novus. A voz de uma ilusão demasiado escutada. Oh a bela vida. Aquele fútil e despreocupado borboletear de essências jovens. Passei como um fantasma finalmente, os olhos presos por vezes ao acaso de um qualquer pormenor de estilo ou forma novos. Sem sentido. O vulto sombrio e altivo do farol dominando a crua porfia das ondas.

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DE RERUM NATURA
quando o universo tinha 1-35 de um segundo de idade saído da grande unificação o modo assimétrico como as partículas X e -X começaram a decair em quarks e antiquarks provocou um ténue excesso de matéria sobre o seu negativo arrancando o cosmos às profundezas do vácuo. tomemos pois uma massa ionizada de matéria e radiação com 1 trilião de fotões por partícula nuclear à temperatura de 400º K o universo é opaco incapaz ainda de resolver o turbilhão energético (GM2/r >> pr2) agregando solidamente os primeiros átomos estáveis de hidrogénio e hélio libertando todo o esplendor da luz naquela una madrugada de todas as manhãs do mundo. thorem prescruta o horizonte com o seu olhar maligno e fecundo sua vara de prata comanda já a dissociação e o vinho brota com ferocidade das jovens entranhas do ser filhas do nada e desse puro instante de fogo e insurgência em que sund'ring, dark'ning, thund'ring rent away with a terrible crash eternity roll'd wide apart. há um rio de magnésio e sílica onde jos se banha sob o olhar astuto da serpente e do condor - os amigos da grande aliança - uma luz azulada e cortante refulge no horizonte o ar novo fera os pulmões e já thorem se aproxima com o punhal na mão esquerda silencioso cúmplice do vento busca agora por fim a rasgar a carne do irmão cingida à sua o sangue golfa abundante espesso e caloroso aflorando o mais doce sabor aos lábios de thorem. foda-se alex dá-me as coordenadas outra vez no painel tridimensional tenha um mau pressentimento sobre aquela mancha ali à direita a 0.15, 3.90, ...2.76 capaz de ser um filha da puta dum buraco negro hei-de sempre dizer que foi por aqui que ficou o ahmed em dezembro naquela velha trident dele jesus cristo caralho uma rata suada como aquela nem a molly parsons em noite de gala da associação segura-te bem jovem vamos penteà-la a preceito até à vista princesa se o govemo e a agência não andassem tão obcecados com a merda do progmma de epsilon de eridano... também com aqueles cabrões nunca há nada a esperar quem se há-de foder sempre é quem ganha a vida aqui a bater com os cornos nas estrelas a sylvie está uma velha pá não consigo falar com ela os putos estão quase da minha idade notre héros d'enfants n'envieilli jamais dizem eles são muito educados e formais BOOOP-BOOOP-BOOOP radiações pá coisa feia a erupção foi fortíssima à superfície grau 62 de Himasashu recolher à cela já ou temos o canastro frito em cebolada 37 segundos desta vez traz a merda do simulador de paisagens é melhor que coçar os tomates o dia todo mexe-me esse cu alex isto não é uma recepção da princesa de ghent. 8 a.m. chandra's got the best of it by staying awake all nite emptying bottles and rhymes trying to fill the gaps oh endlessly trying to fill the gaps hep-la hep-la-ou la-ou la-ôôôôô la-ouuuuuuu LA-OU! HEP-LAAAAAAAAAA-OU! - for god's sake man gimme a break will yeah oh I may be going back to that city of angels where unspoken words once brought so unpredictable joys to my dried lips - hi-hi-hi (chuckles) - where sweet unrepentant memories spread there still tempting lies of wine and roses - wait a minute I know that stuff (more chuckles) - and the curtain of time now steadily closes in on our dreams. eis pois que a tua vida vai decorrendo já sem sobressaltos dolorosos como um longo ribeiro plácido e infecto os livros deixados abertos sobre a mesa o amor assediado sem esperança tu que buscavas auroras imarcescíveis o grande degelo do ser magníficas chegadas sente o sangue correr veloz nas tuas veias ou derramado no asfalto a misturar-se com a poalha de vidro habita a noite com os teus passos escamece de deus e beija uma e outra vez esse mais profano púbis da beleza bebe vinho e ri alto sem remorso em tudo sempre destrinça diverge desmente e disside.

2.
Meu pai tinha os olhos húmidos e acreditava num futuro harmonioso. A Effie rindo nos seus ombros, puxando-Ihe pelas orelhas enquanto ele dava uma espécie de conferência de imprensa no jardim. Crise do sistema financeiro. Dejectos industriais. Existência alienada. Despertar colectivo. Fazia largos gestos circulares com os antebraços, pleno de vitalidade optimista. Como uma ceifeira-debulhadora. Angelo, sim, é um nome de origem portuguesa. Want me to spell it for you? Fique para jantar connosco. Era eu certamente muito novo quando começou a olhar-me com aquela espécie de incompreensão temerosa e magoada. A sua voz hesitava ante o desenho equívoco da ironia nos meus lábios. Os olhos mergulhando entre os dedos com incredulidade. Começou a abismar-se mais e mais profundamente na dúvida que, para a sua natureza, era já as cercanias do desespero. Aproximou-se da tendência extremista do movimento. Levedava nele a grande imprecação, o raiar do sangue numa manhã de cristal. O fogo e a irrisão. I’ll show you fuckin' bastards, I'll show you the stuff of life. Ah, ah, ah, ah! Quando os seus amigos o carregaram ébrio para casa pela primeira vez, consegui ainda dizer um gracejo qualquer de circunstância. Caminhando atràs deles ignorado na noite, com o capacete de meu pai estupidamente perdido entre as mãos.

Rei lagarto. Uma peça solta no xadrez das esferas. Três, sete, dois. Os preceitos de empédocles. Parque não sou pacifista. Amores de arlequim. O Incêndio dos sentidos. Mudar a vida. Medeia e suas aias no mercado de siracusa. Esquecer a haste quebrada do Iírio. Promessas não sasonadas. Partir de novo. A hora de saturno. Navegação. O andante cantabile da sinfonia nº 41 de mozart. Simetria de rotação isotópica. Deus incognitus.

Você disse pós-modemo? Ensaio-manifesto pela livre aventura do conhecimento e pela incomensurabilidade da experiência ética. “Este escrito é sobre a actualidade do desafio prometaico do pensamento modemo ocidental. Uma longa e apaixonante história o precedeu de que não podemos aqui minimamente dar conta. As ontologias criacionistas e a mundividência mitológica, depois o monoteísmo judaico-cristão desembocando no deísmo imanentista de Spinoza, que constitui já o fértil terreno de que brotará o racionalismo crítico. Para trás, a soberba metafísica pré-socrática, Platão, Aristóteles, a gnose e a dialéctica maniqueia, os doutores da Igreja e todo o elaborado pensamento escolástico, o renascimento e o surto experimentalista dos secs. XVI-XVII. Vamos pois começar com a maçã já suspensa a meio da sua queda sobre a cabeça do incauto sir Isaac...”

0000000000. 0000000001. 0000000010. 0000000100. 0000001000. 0000010000. 0000100000. 0001000000. 0010000000. 0100000000. 1000000000. 1000000001. 1000000010. 1000000100. 1000001000. 1000010000. 1000100000. 1001000000. 1010000000. 1100000000. 1100000001. 1100000010. 1100000100. 1100001000. 1100010000. 1100100000. 1101000000. 1110000000. 1110000001. 1110000010. 1110000100. 1110001000. 1110010000. 1110100000. 1111000000. 1111000001. 1111000010. 1111000100. 1111001000. 111101000. 1111100000. 1111100001. 1111100010. 1111100100. 1111101000. 1111110000. 1111110001. 1111110010. 1111110100. 1111111000. 1111111001. 1111111010.1111111100. 1111111101. 1111111110. 1111111111. Árvores submersas. hulha. a cintilação do devir. passagens incertas. 1/2 + 1/4 + 1/8 + 1/16 + 1/32 + 1/64 + 1/128 + 1/256 + 1/512 + 1/1024 + 1/2048 + 1 /4096 + 1 /8192....

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A FLECHA DO TEMPO
oh vamos então saindo por essa noite imarcescível branca noite de sílica os lábios roxos a tomar a taça inteira das conspícuas mãos do tempo quem nos chamará que não nós ainda frente a essa álgida face do futuro quem dirá “este é o teu segredo no raiar da aurora defende-o contra o peito arma-te contra ele uma só vez serás chamado” quem te narrará os sete anéis de europa cão negro dançando nos limites da cidade de vidro o urso e o lince partiram as aves não dão testemunho do fogo meu irmão jos está morto. what might have been and what has been point to one end, which is allways present. footfalls echo in the memory down the passage which we did not take towards the door we never opened into the rose-garden. escuto o mar como um remorso aprendido o soluço de pedra ecoa na memória brutalmente vai corroendo a montanha o convidado deixou sua sombra perdida na manhã dos avisos prematuros para leste seguiram então os peregrinos em busca da geminação primeira incestuoso dilúvio na cal mão que selou seu mistério de sangue na parede antes da incrível chegada da luz. na flutuação quântica do nada emerge a seta da irreversibilidade o rio o riso o risco é na névoa desse precário conhecimento do número do movimento segundo o antes e o depois que o instante presente tal a ave no vértice do bando - sendo que cada ave é o vértice do seu bando em obediência ao princípio isotrópico dos bandos de aves - vai rasgando o universo dos possíveis deixando para trás o que poderia ter sido e segue na existência paralela dos mundos vários irredimidos que todo o possível é real e presente e o ser a si mesmo torna etemamente por primeira vez a um novo lanço nos dados do tempo. mas quantas vezes em tua vida verás nascer o sol realmente muito poucas talvez oito ou tão só três um número lancinantemente finito de vezes tal a dor do gesto de amor que não tiveste um dia a carne adocicada pela velhice os passos ecoando sem esperança nas escadas até à final definição de uma máscara pétala a pétala o violoncelo geme suavemente há um livro da biblioteca de Borges que ele não chegou a abrir acumulando a poeira do devir na expectativa do martelo do leiloeiro lote K segundo aviso oh domine libera nos Iibera nos libera nos libera nos. rebela-te pois tua circunstância mortal filho do acaso resíduo escarrado da fornalha do ser que corres alucinado com a navalha do destino na boca o candelabro inclinado teu próprio profeta na noite e na irrisão cospe aí teu delírio de sangue a precária auriflama do amor consumida na terra uma vez sem remissão já a madrugada te traz o mesmo enrolar das vagas nos pneus da velha doca apodrecida partirás então como um cavalo alado em chamas em busca do éter sagrado dos heróis e o teu nome perder-se-à no ruído de fundo do tempo.

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Sagredo - Isso por fim lembra-me o tempo dos sonhos na mitologia aborígene australiana. Sabes como foi talhada a pedra? Quais os círculos cheios, marés inconclusas? Alguém virá então do Poente.

Klein - Oh as sandálias aladas do mensageiro! Supus tais lugares de há muito imersos na irrisão dos séculos. A salvação pela palavra. Não há salvação, Jeff. Moonbase AG 7609335. Tudo luz no instante. A vaga seguinte. Um sopro de fogo na areia do tempo.

Zuchen - Implicação tendencial. O diálogo subterrâneo das essências. Ergue-se a asa da criação.

Sagredo (para Klein) - Enfim, “tudo o que é sólido... ". O Manifesto. Rimbaud a vadiar pelas barricadas de Paris. Não é tudo, salvo o irreparável. Tal brilho novo na incorruptível laje do tempo. Do que eu te falava é do grande retomo. O anel no bico do açor. O passante inquieto.

Zuchen - Se vires cair a folha do artocarpo não a calques. Todo o tempo e duração são ilusórios. A manhã abre-se como um sorriso para a tua sede de novos encontros. Mas a ave não cantou outra vez, o rio banhou já a infância de teus pais. Tua vida e tua morte são um.

Klein (para Sagredo) - ...Donc Dieu existe. Puerilidades metafísicas, caro Sagredo. O que foi não torna jamais. O que será não está inscrito em alguma corrente do devir. O futuro irrompe de uma flutuação aleatória no nada. Como uma adaga nas mãos de um louco.


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