Boletins Mensais de 2000


Junho de 2000: O «terceiro segredo» explicado às criancinhas

Julho de 2000: O regresso da «Virgem»

Agosto de 2000: O Ministro e a Catedral

Setembro de 2000: Uma União Europeia pouco laica

Outubro de 2000: O erro comunitarista

Novembro de 2000: Deputados e peregrinos

Dezembro de 2000: O Papa contra a Europa laica


Junho de 2000

O «terceiro segredo» explicado às criancinhas

  1. O Presidente da República compareceu na Conferência das Assembleias de Deus dos Cristãos Evangélicos. Perante tanto ecumenismo de Jorge Sampaio, que só ainda não emprestou a sua dignidade presidencial a encontros de testemunhas de Jeová ou de adeptos da IURD ou da Igreja Maná, começamos a temer que o nosso Presidente venha a ser conhecido pela posteridade pelo cognome de Jorginho das missas. Não será de recomendar que, na eventualidade de um segundo mandato presidencial, Jorge Sampaio anuncie, desde o início, que não comparecerá em qualquer cerimónia religiosa?

  2. O ensino de Educação Moral e Religiosa Budista é agora possível nas escolas portuguesas. O budismo junta-se assim ao catolicismo, ao protestantismo, e à religião Baha'i, no privilégio -quanto a nós indevido- de ser propagandeado na escola pública. Recorde-se que basta dez alunos numa dada escola exigirem a leccionação de uma determinada confissão religiosa para que o Estado seja obrigado a abrir essa possibilidade.

    Entretanto, foi finalmente regulamentada pelo Governo a Lei que prevê a obrigatoriedade da abordagem da Educação Sexual nas escolas públicas. Anuncia-se também a possibilidade da instalação de máquinas de preservativos.

  3. Havíamos já manifestado (ver Boletim de Dezembro de 1999) a nossa preocupação quanto ao papel que a ICAR tem vindo a assumir em Timor. Os piores receios começam agora a confirmar-se. Durante o mês de Junho somente, chegaram de Timor as notícias da destruição de três templos protestantes por jovens católicos, e os ecos da incrível campanha do bispo Ximenes Belo contra o planeamento familiar introduzido no território pela administração onusina. Infelizmente, a República portuguesa encorajou a confusão entre Igreja e Estado em Timor-Leste, nomeadamente quando enviou como seu representante um sacerdote católico.

  4. A conferência «Beijing+5» da ONU, sobre direitos das mulheres, ressentiu-se das pressões conservadoras de países como o Irão, a Nicarágua, o Sudão, o Paquistão, a Polónia, o Iraque, e uma certa confissão religiosa que não subscreveu a Carta dos Direitos Humanos mas mantém o estatuto de Estado observador na ONU com o nome de «Santa Sé» (o Vaticano). Refira-se que todas as outras confissões religiosas, cristãs e não-cristãs, intervêm nos trabalhos com o mero estatuto de Organizações Não-Governamentais.

  5. A Assembleia nacional francesa aprovou legislação específica contra as seitas. Doravante, as seitas duas vezes condenadas em tribunal por infracções ao Código Penal poderão ser dissolvidas e legalmente impedidas de se estabelecerem em território francês. Estas infracções poderão ir da alteração da ordem pública à manutenção não-autorizada de ficheiros informáticos, passando pelo novo delito de «manipulação mental», que é definido como a exploração, dentro de um grupo, da dependência física ou psicológica.

  6. A decisão do Governo grego de retirar dos bilhetes de identidade a menção à opção religiosa provocou uma reacção furiosa da Igreja Ortodoxa grega. O Estado grego não é laico, e o único avanço no sentido da secularização deu-se nos anos 80 com a introdução do casamento civil, que contudo nem sequer é obrigatório. A catequese permanece obrigatória, e os padres ortodoxos são pagos pelo Estado. Porém, contrariamente ao que se passa em Portugal, a Igreja grega abstém-se de intervir em assuntos políticos, e a IVG a pedido é legal.

  7. Foi finalmente revelado o segredo das contas do Santuário de Fátima. A receita ordinária do ano de 1999 ascendeu à modestíssima quantia de 2,609 milhões de contos, dos quais 1,474 milhões correspondem a ofertas dos adeptos. Descontadas as despesas, a ICAR facturou em Fátima, só no ano transacto, 1,628 milhões de contos, obviamente isentos de impostos.

    O texto dos mitos conhecidos como «segredos de Fátima» é agora conhecido na íntegra. Segundo Lúcia, foram escritos em «obediência a Vós Deus meu», uma entidade cuja vontade era expressa à época, de acordo com a própria Lúcia, pelo bispo de Leiria e pelos padres que a mantinham em clausura. A primeira parte do dito «segredo» consiste na descrição de um lugar físico no qual arderiam as «almas» imateriais dos seres humanos tidos por «pecadores». A existência de tal lugar já foi desacreditada pelo Vaticano (ver Boletim de Julho de 1999). A segunda parte contém as «profecias» do final da guerra de 1914-18, do eclodir de nova guerra nos anos trinta, e da revolução bolchevique. Deveriam ser conhecidas como posfecias, pois apenas foram reveladas na totalidade em 1941. Nesta segunda parte esclarece-se igualmente que o antídoto para o comunismo -e nisto parece que os fascistas clericais lusitanos concordavam fraternalmente com a «Nossa Senhora» de Fátima- seria o catolicismo mariânico. A agora revelada terceira parte do «segredo» abre invocando esta ideologia através de um «anjo» cuja mão esquerda segura uma «espada de fogo» cujas chamas «[parecem] incendiar o mundo». Estas «chamas» são «apagadas(...) pela mão direita» de «Nossa Senhora» (quanta subtileza!). Para que nem os mais palermas fiquem com dúvidas, a «mão direita» do «anjo» também entra em cena apontando para a terra para nos pedir «penitência» três vezes. O texto agora revelado prossegue com a subida de «uma montanha escabrosa», por uma comitiva essencialmente clerical encabeçada por «um bispo vestido de branco» que atravessa «uma grande cidade meia em ruínas», e se detém aos pés de uma «Cruz» junto da qual o «Bispo» e os seus seguidores são dizimados por um «grupo de soldados» que, numa rara mistura de tecnologias bélicas, disparam simultaneamente «tiros e setas». As interpretações desta última cena são diversas. A reclusa Lúcia afirma a respeito da identificação do «Bispo»: «Nossa Senhora não nos disse o nome do Papa. Não sabíamos se era Bento XV, Pio XII, Paulo VI ou João Paulo II», deixando de fora do rol os Papas João XXIII e João Paulo I, suspeitos de «progressismo» aos olhos dos sectores mais integristas da ICAR. Lúcia continua igualmente convicta de que a «visão» de Fátima se refere à luta da ICAR contra o comunismo. Não há aqui lugar para o bispo Romero, assassinado por fascistas salvadorenhos. No mesmo sentido, embora em tom diferente, pronunciou-se o arcebispo de Braga Eurico Dias Nogueira, ao afirmar que ele próprio andou de branco em África, o que sugere que o «terceiro segredo» anunciaria a guerra colonial, essa derradeira Cruzada pela «civilização cristã ocidental». O Cardeal Ratzinger, exegeta autorizado pelo Vaticano a decifrar o significado dos mitos de Fátima, descola desta visão ideologizada e refere-se mais geralmente ao «sofrimento da Igreja», sem sequer mencionar o comunismo. Dando uma machadada em certas lendas fatimidas, afirma que aconteceu ali uma «revelação privada» cuja «percepção» foi «interior» e apenas acessível aos «videntes». Portanto, as tradições que falam de sois a dançar e de terras que secam misteriosamente são contrárias à interpretação oficial do Vaticano. Quem nelas acredita que se cuide, porque Ratzinger dirige a instituição anteriormente conhecida como Inquisição.

    Evidentemente, e por razões principalmente políticas e financeiras, Fátima não pode parar. O próximo capítulo deste apaixonante folhetim trágico-cómico será a publicação de um livro escrito pela reclusa Lúcia.

Julho de 2000

O regresso da «Virgem»

  1. A acreditar nos sectores fundamentalistas da ICAR, a «Virgem Maria» voltou às lides artísticas. Desta feita, terá reaparecido na localidade de Marpingen (Estado alemão do Sarre) durante o Verão de 1999, para dar conselhos e fazer reparos sobre vários assuntos que a preocupavam. Segundo Christine, Judith, e Marion (as três jovens que afiançam tê-la visto e conversado com ela), a «Virgem» teria afirmado ser este apenas mais um espectáculo da digressão triunfal que a levou a Lurdes e Fátima, rejeitando portanto implícitamente as «aparições» de Medjugorge, nunca oficialmente reconhecidas pela ICAR. Porém, ao contrário de Fátima, estas são «aparições» germânicamente disciplinadas. Não houve aqui alegações de sois dançantes nem de geadas excêntricas. Ratzinger deve estar orgulhoso da ortodoxia destas «revelações interiores». Não obstante a sua provecta idade, a referida senhora ter-se-à mostrado uma tagarela incansável, tendo «aparecido» um total de catorze vezes durante um período de cinco meses. Em primeiro lugar, voltou a pedir a devoção ao «imaculado Coração de Maria» (ela própria, veja-se a modéstia). Segundamente, exigiu obediência ao actual Papa, a quem chamou repetidamente, atente-se neste detalhe, «o meu Papa». Terceiramente, e revelando-se muito a par das polémicas que dilaceram a ICAR alemã, fez também uma prédica violenta contra a IVG, a que chamou «assassínio de crianças». Além disso, mostrando-se uma sagaz avaliadora da viabilidade económica do santuário que pediu que fosse erigido no local, recomendou as águas da zona, cujas propriedades medicinais garantiu. Lançou mesmo e desde logo um lema publicitário: «bebei e orai!». Numa das últimas «aparições», a estrela da companhia, Jesus Cristo de seu nome, deu também um ar da sua graça para afirmar que há mesmo Inferno (ao contrário do que alguns católicos andam por aí a dizer) e para confirmar: «foi mesmo a minha mãe que vos enviei!». Os membros da família, quais estrelas de roque, terminaram despedindo-se com um sonoro «NÓS AMAMO-VOS!». Este espectáculo, aparentemente organizado por um padre fundamentalista indígena, encontra-se registrado em cassetes de vídeo e áudio já colocadas à venda.

    Agradecemos profundamente à organização deste evento. Agora, já não serão somente os portugueses, franceses, e croatas, a serem notados pelo seu extravagante paganismo mariânico. O ridículo e a crendice ficarão melhor distribuídos pelos povos europeus.

  2. A primeira sessão da VIII legislatura terminou com a Lei da Liberdade Religiosa (aprovada na generalidade a 6 de Abril) em análise na Comissão de Assuntos Constitucionais. Durante o mês de Julho, tiveram lugar audições com várias confissões religiosas. Foram convidadas as igrejas católicas, ortodoxas, e protestantes, e as religiões não-cristãs tradicionais (o judaísmo, o islamismo, os hindus, e a religião baha'i). Seguir-se-ão personalidades independentes.

  3. No seguimento de uma decisão muitas vezes adiada do Conselho de Ministros, a distribuição de preservativos avançará efectivamente nos liceus, embora apenas para maiores de quinze anos, e já mais de dois anos após o referendo sobre a IVG. A existência de uma disciplina de Educação Sexual, lamentavelmente, continuará protelada.

  4. JP2 juntou a sua voz ao coro de fascistas e católicos que protestaram contra a realização de uma parada do «Orgulho Guei» em Roma. Confessou-se «amargurado», e alegou que a «afronta» e a «ofensa» eram agravadas por se encontrar celebrando com os seus o segundo milénio do nascimento de «Cristo». Karol Wojtyla esqueceu dois factos singelos. Primeiro, já não governa Roma como alguns dos seus antecessores o fizeram; segundo, o Mundo nunca precisou da autorização da ICAR para evoluir, e parece previsível que a homossexualidade venha a ser mais respeitada no futuro do que o é no presente. Portanto, conviria que se fosse adaptando, e que perdesse o hábito de tentar constrangir a cidade que habita com os dogmas da instituição que dirige.

    Apesar dos seus desmandos, Karol tem a nossa compaixão. Não há nada mais contra natura do que o voto de castidade.

Agosto de 2000

O Ministro e a Catedral

  1. Um Ministro da Administração Interna muito contestado rumou a Bragança com um cheque de 370 mil contos na mão. A população bragantina, que sente enormes carências em diversas áreas, descobriu, pasmada e algo revoltada, que o feliz contemplado com a oferenda era o Bispo da ICAR, que assim poderá terminar a construção da faraónica Catedral de Bragança. Este empreendimento, localizado numa região onde os próprios sacerdotes católicos admitem que as igrejas existentes estão cada vez mais vazias, tem sido financiado a 70% pela República. Agravando o caso, a Câmara Municipal de Bragança decidiu também que não havia nada melhor a fazer ao dinheiro dos contribuintes, e contribuiu com mais 150 mil contos para a Catedral.

    O Bispo retribuiu a dádiva crismando Fernando Gomes «Ministro da Catedral».

  2. A ICAR decidiu beatificar Pio 9, um Papa que se celebrizou por se opôr à unificação de Itália; que reclamava para a ICAR o controle de toda a «cultura, ciência, e de todo o sistema de educação» (ver encíclica «Syllabus», 1864); e que era um anti-semita ferrenho, não tendo hesitado em confinar os judeus de Roma a um gueto, ou em converter crianças judias e retirá-las aos pais. Recorde-se que há poucos meses Karol Wojtyla pediu perdão pelo anti-semitismo de alguns «cristãos» não identificados. Contradição, ou apenas a «moral» católica em todo o seu dúplice esplendor?

  3. A ICAR alemã decidiu pagar indemnizações pelos escravos que usou durante o período nazi. Ao contrário da Igreja Protestante, que encaminhou o dinheiro das suas indemnizações para a «Fundação Recordação, Responsabilidade, e Futuro» (ligada ao Estado alemão e à sociedade laica), a ICAR alemã preferiu entregar metade do dinheiro das suas indemnizações à Caritas, e o restante às caridades católicas.

  4. Karol Wojtyla acha que a clonagem é «moralmente inaceitável». JP2 sente-se provavelmente nostálgico dos tempos em que a ICAR podia queimar cientistas ou enfiá-los em masmorras, mas felizmente nos tempos que correm a ICAR não decide o que os cientistas podem ou não investigar.

  5. Segundo o jornal «Público» de 18/8/2000, uma mulher de trinta e dois anos faleceu num Hospital de Viseu após complicações surgidas na sequência de um aborto clandestino. Já passaram vinte cinco meses desde o referendo sobre a IVG.

  6. As Testemunhas de Jeová, uma das congregações religiosas mais expressivas do país (contando com cerca de 65 mil seguidores), realizaram o seu Congresso anual sem a presença de Jorge Sampaio. A que se deverá a ausência de um Presidente da República que já assistiu às cerimónias de quase todas as confissões religiosas do país? Pensamos que o Presidente não deveria ter assistido a uma única dessas cerimónias, mas, uma vez aberto o precedente, abre-se a dúvida quanto aos critérios de escolha. Será que as TJ´s não são «religiosamente correctas»?

Setembro de 2000

Uma União Europeia pouco laica

  1. Foi finalizada a redacção da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, um documento que, embora não sendo vinculativo, passará a integrar o património político da União Europeia. Resultando de um equilíbrio difícil entre países com tradições políticas e heranças históricas muito diferentes, esta Carta não trará quaisquer avanços para a causa da laicidade, para o espírito republicano, para os direitos dos imigrantes, ou para os direitos sociais. Registre-se que houve tentativas, especialmente por parte dos democratas-cristãos alemães, para incluir no preâmbulo da Carta uma menção à «herança religiosa» europeia. Felizmente, a oposição aberta da França e mais discreta de Portugal levaram à sua substituição por uma referência ao «património espiritual e moral europeu».

  2. Os ministérios das Finanças e da Defesa perdoaram mais de cem mil contos em juros à cooperativa universitária «Universitas», uma das fachadas institucionais do grupo católico fundamentalista «Opus Dei». Os juros perdoados eram referentes à compra de um antigo quartel da Escola Prática de Administração Militar, na Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa. Note-se a propósito que o Ministério da Defesa vendeu este edifício por apenas 1,5 milhões de contos, enquanto exigira 4,6 milhões de contos à Universidade Lusófona, três anos antes, por outro ex-quartel situado na mesma zona de Lisboa, e que ocupa uma área inferior. Balanço: um subsídio estatal efectivo de mais de três milhões de contos a favor do Opus Dei.

  3. O presidente da Conferência Episcopal para a Comunicação Social descobriu uma apavorante conspiração dos «sectores ateus» para reverter o «projecto espiritual de oito séculos» que atribui a Portugal. Pouco faltou para pedir que se reacendessem as fogueiras através das quais se garantiu durante alguns séculos a religião única e estatal. Mais um sintoma de que a ICAR ainda não consegue aceitar que há portugueses que não são católicos e que não o pretendem ser em qualquer momento do futuro.

Outubro de 2000

O erro comunitarista

  1. A Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico da Tocha criou no início do ano lectivo uma turma integrando apenas crianças de «etnia» cigana. Os discentes em questão têm idades compreendidas entre os seis e os quinze anos, e níveis de escolaridade diversos.

    O precedente aberto por este caso é perigosíssimo. A escola pública deve ser fautora da integração dos indivíduos de meios sociais e culturais diferentes. A criação de turmas escolares segundo a suposta origem «étnica» das crianças (no futuro, segundo a crença religiosa ou a filiação política dos pais?) origina uma inadmíssivel distinção entre alunos. A esta deriva «comunitarista» devemos opôr a noção de escola republicana e laica, meio de formação de cidadãos e não de congregações étnico-religiosas que se desconhecem porque não convivem, e não se entendem porque não partilharam uma instrução comum.

  2. A introdução da chamada «pílula do dia seguinte» em Portugal revelou mais uma vez as fracturas entre laicos e religiosos que tinham ficado expostas aquando do referendo sobre a IVG. É importante notar que o novo contraceptivo não representa qualquer novidade do ponto de vista médico, pois existem já no mercado pílulas que podem resultar no mesmo efeito. Porém, os sectores conservadores aproveitaram a ocasião para explicar em público que só os comportamentos sexuais por eles recomendados podem ser havidos por outrem. O próprio Vaticano, uma organização que alegadamente é constituída apenas por homens que não mantêm relações sexuais, fez questão de tomar posição pública sobre esta questão que não lhe deveria dizer respeito.

  3. Passou mais um aniversário da implantação da República, com celebrações oficiais em Lisboa e diversas iniciativas de cidadãos e associações culturais por todo o país.

Novembro de 2000

Deputados e peregrinos

  1. A Assembleia da República decidiu, correctamente, não se fazer representar no «Jubileu dos Políticos», uma operação de propaganda da ICAR que almejava reunir em Roma representantes políticos de diversos parlamentos. A ICAR insistiu, dirigindo convites pessoais aos deputados. Seis de entre eles (três do CDS/PP e três do PPD/PSD) aceitaram, e realizaram a viagem às suas custas pessoais. No entanto, uma deputada da ala democrata-cristã da bancada parlamentar que apoia o Governo, Maria do Rosário Carneiro de seu nome, protestou veementemente contra a prática do Parlamento de não pagar as deslocações com cariz religioso. Alegou mesmo que a AR se deveria fazer representar institucionalmente. A bancada parlamentar do PS acabou por financiar a peregrinação da sua mui devota deputada.

  2. Deputados holandeses dos três partidos representados na coligação governamental lançaram uma campanha pedindo que o Vaticano deixe de ser representado como um Estado nos organismos internacionais. Estes deputados tomaram a iniciativa de pedir o corte de relações diplomáticas entre a Holanda e a Santa Sé.

Dezembro de 2000

O Papa contra a Europa laica

  1. O responsável máximo da ICAR lançou um ataque violento contra a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. Desaforado, o cidadão polaco Karol Wojtyla manifestou a sua «decepção pelo facto de na Carta não ser feita nenhuma alusão a Deus», e afirmou que o documento «poderia revelar-se mais corajoso na defesa dos direitos do indivíduo e da família», que na sua opinião são «ameaçados em vários países europeus pelas políticas a favor do aborto, legalizado em quase todos eles, pela atitude mais aberta face à eutanásia, e, nos últimos tempos, por certos projectos de lei no domínio da tecnologia genética que não respeitam suficientemente a qualidade humana do embrião». Temos portanto que o chefe não-eleito de uma das muitas confissões religiosas existentes na Europa se arroga o direito de reger os assuntos políticos desta organização internacional formada por alguns países europeus.

    Note-se que a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, embora não represente um grande avanço para a laicidade, teve entre um dos seus efeitos colaterais positivos o ter aberto no Reino Unido um debate sobre a legitimidade da monarquia e da confessionalidade do Estado.

    O Papa aproveitou o mês de Dezembro para receber no Vaticano Joerg Haider, o líder da extrema-direita austríaca, que valeu-se da sua presença em Roma para propagandear os ideais fascistas em Itália.

  2. O presidente da câmara de Lisboa ofertou à ICAR uma trintena de quiosques que mandou retirar do Martim Moniz. Doze paróquias de Lisboa aceitaram a dádiva de João Soares. Havendo custado cada quiosque três mil contos, este novo subsídio da autarquia alfacinha à ICAR ascende a trinta e seis mil contos. A ICAR soma e segue.

  3. A turma «étnica» da Escola Básica do 1º Ciclo da Tocha foi dissolvida em Dezembro, o que é sem dúvida razão de congratulação.

  4. O cidadão João Alves, que ocupa o cargo de Bispo de Coimbra da ICAR, escolheu o dia 24 de Dezembro, véspera de um conhecido feriado católico, para fazer críticas de cidadão ao Governo da República. Referido sempre pela Comunicação Social pelo seu título icaresco de «D.», este cidadão apareceu vestido com as vestes talares para debitar alguns lugares comuns sobre o estado do governo, naquilo que constituiu uma nada velada instrumentalização da religião para fins políticos.

  5. O canal de televisão TVI, que se organizou através da ICAR, e para a fundação do qual foi recolhido dinheiro à porta de vários templos católicos do país, tornou-se no canal que transmite semanalmente filmes cuja única finalidade é mostrar imagens de mamilos e pêlos púbicos femininos. Foi também este canal que organizou um concurso (terminado em Dezembro) sobre o qual numerosas vozes levantaram dúvidas éticas. Pouco apoquentado com as suas contradições internas, este canal não abdica de transmitir a «Missa do Galo» e outras cerimónias católicas.

    Apesar de existir um canal privado que recebeu a sua licença de emissão devido ao seu «humanismo cristão» (hoje pouco visível, concedamos), os canais públicos de televisão continuam a transmitir propaganda católica, suplementada no RTP2 com alguns minutos atribuídos a confissões escolhidas a dedo. Escandalosamente, o canal RTP1 decidiu além disso brindar os seus telespectadores com a transmissão de uma «Mensagem de Natal de sua Eminência (sic) o Cardeal Patriarca de Lisboa». Porque será que o «Mufti» da mesquita de Lisboa não pôde transmitir uma mensagem de Ramadão? Ou um grupo de ateus e agnósticos?

Retorno à página principal.