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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 101-113
MONTAIGNE E MERLEAU-PONTY:
A DUPLA FACE DO TEMPO
Paulo Tarso Cabral de Medeiros (1)
Introdução
"É o acaso que, adicionado às ‘condições iniciais caóticas’ torna o futuro um mistério"(2): em tempos de abissais saltos tecnológicos, este clássico tema, ambientando-se na inquietude e demasiada ansiedade sobre o porvir cara à nossa época, convida a aprofundar questões em torno de uma teoria da história, das relações entre sujeito e forças sociais, e um certo ponto de vista sobre o Tempo, já tornado complexo com a sua "dupla face" e seu desdobramento: acaso X necessidade, fortuna X destino.
Contemporaneamente, a polaridade parece pender para o acaso e, seu corolário cosmológico, uma teoria do caos (na Física) ou a teoria das descontinuidades histórico-temporais em Foucault, ou nas séries molares, múltiplas e díspares de Deleuze. Na bela análise que este faz da obra de Proust, dirá que no escritor obcecado pelo Tempo o que vemos ali como dimensões temporais (os signos mundanos, os signos sensíveis, os signos amorosos e os signos da arte) implicam bem mais uma aprendizagem, isto é, uma busca, no sentido pleno de recherche, de ir para frente, aprendizagem de um homem de letras em direção à. E não de destino, ou história linear evolutiva necessária ou logicamente encadeada.
A opção pelo acaso provavelmente leva a abandonar de vez muitas noções tradicionalmente arraigadas e caudatárias do pólo da necessidade e do destino. Como a de uma linha evolutiva da história; a de uma cadeia racional (teleológica) de causas e efeitos; e propriamente as de providência e destino.
Realçando aqui e ali observações de Montaigne, percebendo a impressionante atualidade de seu pensamento, e o uso interessado que delas Merleau-Ponty fez pela necessidade (ou contingência?) que sua tarefa impunha, insinuamos Merleau-Ponty nesta Introdução.
Ressoando sua crítica ao pensamento de sobrevôo e sua opção por uma lógica encarnada, onde o Tempo é também expansão da região sensível por onde o corpo vidente-visível imiscui-se, para o reencontrarmos ao fim, reabrindo em novo registro o tema, recolocando sua preciosa definição de liberdade como coexistência de campos heterogêneos em embate permanente: necessidade abolindo sim o acaso, ora a pura contingência determinando vetores históricos, e histórias dos sujeitos entrelaçados socialmente.
Esse tema será retomado, noutra direção, por Foucault e Deleuze, cujas noções de investimento, micro-poderes, ou de poder como agenciamento coletivo de desejos implicam, creio, no pressuposto da coexistência ou da [fim da página 101] reversibilidade entre necessidade e acaso, um desdobramento, enfim... como se ecoássemos certa noção de dobra que já se anunciava nas inacabadas reflexões de Merleau-Ponty em suas notas de trabalho.
Na verdade, a abertura cavada por Merleau-Ponty na história da filosofia, valorizando o entremeio, o entre-dois, a região sensível, o corpo-como-entrelaçado, e especialmente, neste caso, a noção (em produção) de dobra desemboca, como impensado ou não, no campo hoje fértil onde predominam acaso e caos.
Jogo por entre o lado da necessidade, do cálculo, este acaso não sobrevive sem a mão de ferro da necessidade? Será inevitável a deliberação racional para dar forma ao que é pré-conceitual, pré-instituído, o que ainda não tem forma?
Para pensar no interior deste campo iremos até Montaigne, e a leitura que dele fez Merleau-Ponty. Guia-nos a hipótese de que o companheiro de Sartre soube ver no filósofo do século XVI sua impressionante atualidade para, retomando-o, entre outros, introduzir (no conjunto de sua obra) a idéia radical de liberdade; e, no movimento geral de seu pensamento, encontrar tanto a coexistência de díspares quanto a reversibilidade dos termos cuja tradição filosófica manteve como opostos rivais - reflexões que provavelmente contariam com a cumplicidade de Montaigne que, por sua vez, estimulou Merleau-Ponty a incorporá-lo em toda a sua tarefa de superação do pensamento cartesiano.
Atualidade de Montaigne
Sabe-se que o acontecimento para os estóicos é visto como um signo que precisa ser interpretado: divinatio.
Deleuze retomará esta noção de signo. O tempo proustiano será interpretado como signo a decifrar; não apenas buscando vínculos entre as causas e os efeitos, mas tomando o signo como estranhamento, enigma que pede interpretação.
Do lado do acaso não há plano, a não ser talvez naquela forma de reviravolta praticada pelo estoicismo romano, que buscará como núcleo da ação ética a coincidência entre intenção e ato, coincidência esta estabelecida pela vontade: "querer o destino e agir em conformidade com a plano da providência, vivendo a harmonia a entre destino e vontade" (n .a. Chauí)(3).
O problema é que por aí a Fortuna possa entrar, neste abismo-Fernando-Pessoa entre intenção e gesto. Entrará, aliás, justamente para aqueles que cultivam o medo ou a esperança - sentimentos que para os estóicos o sábio não experimenta.
Pois bem. No capítulo XVIII, "O Medo", Montaigne citará um certo Enio, para quem "o pavor expulsa então de meu coração toda sabedoria" (1580: 46).
A esperança em fixar, em ter, reter, eternizando a alegria dos encontros não é, então, obra do não-sábio?
Beira-se sempre, perigosamente ou não, seja em Clarice, seja no guardador [fim da página 102] de rebanhos Alberto Caieiro, aquela espécie de zona "zen", tentativa de suspensão do que pulsa, negação da falta lacaniana, compensação simbólica na forma de sublimação freudiana, como na reclusão reflexiva de Montaigne.
No Cap. IV do Livro I dos Ensaios Montaigne reflete em torno da alma "que carece de objetivo para as suas paixões" e de como ela "as manifesta ainda que ao acaso".
Vemos aqui que há projeção, prospeção, não-aceitação dos fluxos, quando "vemos igualmente a alma tomada pela paixão, de preferência a não se entregar a ela, enganar-se a si própria criando um objetivo falso ou fantasista, ainda que a expensas de suas próprias convicções" (Montaigne, 1580:20).
Lemos em Montaigne que os vários "meios de adivinhação", como "os astros, os espíritos, as linhas de nosso corpo, os sonhos" consistem em "testemunhos irrecusáveis da desesperada curiosidade que está em nós e que faz que percamos nosso tempo em nos preocuparmos com as coisas futuras, como se não nos bastasse digerir as coisas presentes" (In: Cap. XV, "Dos prognósticos"). E reproduz Cícero: "nada se ganha em conhecer o futuro, e infeliz é quem se atormenta em vão" (Montaigne, 1580: 29).
Em favor do acaso Montaigne expõe, num misto de ceticismo, distanciamento e humor/ ironia, seus argumentos. Para rir da idéia de Destino cita Horácio:
"(...) um Deus avisado esconde-nos os acontecimentos do futuro sob uma noite espessa, e ri-se do mortal que se inquieta mais do que deve acerca do destino... é senhor de si próprio e passa a existência feliz quem pode dizer diariamente: que importa se amanhã Júpiter escurecer a atmosfera sob nuvens sombrias ou nos der um céu sereno; satisfeitos com o presente, evitemos Preocupar-nos com o futuro." (1580: 30)
E com nítido prazer zomba de Platão, não sem antes firmar sua fé no lance de dados: "quanto a mim, prefiro ainda resolver os meus negócios nos dados a fazê-lo pela interpretação dos sonhos". Citando o exemplo d’A República, a "eleição fortuita" de filhos de casamentos que deveriam se realizar por sorte, diz:
"(...) na realidade, em todos os governos sempre se entregou parte da autoridade ao acaso. Na República que Platão organiza a seu modo a decisão de vários atos importantes é-lhe atribuída." (1580:30)
Lembra ainda as inspirações de Sócrates, o "demônio familiar" que para Montaigne consistia provavelmente em "certas aspirações que se apresentavam a ele sem passar pela razão" (1580: 31).
Já em Montaigne pode-se ver sinais de uma, digamos, futura reversibilidade processual ondulando entre os termos opostos pela tradição. Diz: "(...) o destino apenas suscita o incidente; a nós é que cabe determinar a qualidade de seus efeitos" (1580: 33). Compreende-se o apreço e a afinidade de Merleau-Ponty com este campo de pensamentos que já emitia sinais no sentido da autonomia, do livre arbítrio e da potência do conhecimento para a conquista da liberdade.
Em "De como é preciso prudência no julgar os desígnios da Providência" [fim da página 103] (Cap. XXXII) diz direto: "no desconhecido situa-se o verdadeiro campo de ação da impostura" (1580: 110), além de terreno fértil para germinar a credulidade.
Se batalhas em idênticas circunstâncias são ora ganhas e ora perdidas, fica "difícil pesar as coisas divinas, sem as diminuir, unicamente com a nossa balança" (1580: 110).
Distanciado, diz: "Deus quer mostrar assim que os bons têm outra cousa a esperar e os maus outra a temer, que não as graças e desgraças deste mundo" (1580: 111).
É como se a Providência ganhasse outro estatuto, reinando em outro plano que não aquele onde opera a Fortuna. Mas (e eis aí a reversibilidade e a inarredável coexistência entre os pares) das graças e desgraças deste mundo, Deus, "delas dispõe, segundo seus desígnios impenetráveis, e nos tira desse modo os meios de nos vangloriarmos ou de as explorarmos" (1580: 111).
E diz mais:
"Enganam-se contudo os que se prevalecem disso para justificar os atos humanos; não invocam uma só prova a favor que não se apresentem imediatamente duas contra, e Santo Agostinho o demonstra vitoriosamente a seus contraditores. E uma questão que fo9e ao domínio da razão." (Montaigne, 1580: 111)
Eis aqui a providência metamorfoseando-se, astuta e reptícia, em Fortuna, a roda girando, girando acasos, já que seu caráter de imponderabilidade advém da incognoscibilidade do plano divino , o que eqüivale ao próprio jogo da Fortuna, pois "que homem pode saber o conselho de Deus? Quem pode alcançar o querer do Senhor?" (1580: 111).
Montaigne é um religioso singular e um cético peculiar. Mostra que necessidade e acaso atuam num mesmo plano, são forças em perene coexistência e reversibilidade - para usar por minha conta e risco os termos de Merleau-Ponty. Basta ver o título do Cap. XXXIV: "Não raro a Fortuna na razão se apóia".
Embora seja inconstante e imprevisível, ela é talentosa, age com arte e, contrariando certa tradição que lhe ata à doença, aos males e à irracionalidade, vemo-la "não raro retificar e corrigir os nossos projetos" e outras vezes revelar "particular bondade e devoção sem iguais" (1580: 113).
Em "Da incerteza dos nossos juízos" (Cap. XLVII), diz:
"Temos por hábito dizer, e com justeza, que os acontecimentos e suas conseqüências decorrem - particularmente na guerra - da Fortuna que não quer sujeitar-se às regras de nossa inteligência e de nossa razão(...). Dir-se-ia que essa influência se exerce sobre nossos projetos e deliberações; e que até os nossos raciocínios se ressentem da incerteza da sorte. Raciocinamos ao acaso e inconsideradamente, diz o Timeu de Platão, porque, como nós mesmos, é a nossa razão grandemente influenciada pelo acaso." (1580: 140)
Eis de novo, na desmontagem dos pólos, a reversibilidade presente.
Ocorre que não é só da Fortuna que provém o conhecimento, pois "quando a razão não basta apelamos para a experiência" ("Da Experiência", Cap. XIII). Mas a experiência é como a razão, que "assume tantas formas que não sabemos qual escolher" (1580: 481).
[fim da página 104]
Mais: "as conseqüências que procuramos tirar da comparação dos acontecimentos não oferecem segurança, porquanto não são jamais idênticas" já que "o que encontramos nas coisas mais semelhantes é a diversidade, a variedade".
Assim, "a diferença introduz-se por si só em nossas obras e nenhuma arte pode chegar à similitude" porque "a semelhança não unifica na mesma proporção em que a dessemelhança diversifica", pois "a natureza parece ter-se esforçado por não criar duas coisas idênticas" (1580: 481).
Um atualíssimo filósofo da dúvida, da recusa às sínteses generalizantes e apaziguadoras, cultor da multiplicidade, diríamos hoje. Como no exemplo dos legisladores que selecionam "cem mil espécies e fatos específicos" para "provê-los de cem mil leis". Nem os números estão "em proporção com a diversidade infinita dos atos humanos, nem a multiplicidade de nossas invenções alcançará jamais a variedade dos exemplos. (...) Pouca relação existe entre nossos atos, sempre em perpétua transformação, e as leis que são fixas e estáticas" (1580: 482).
Um filósofo das dimensões micro? "Cada pé requer um sapato, cada caso uma soluço". Ou do puro relativismo sustentado pelo seu ceticismo não-dogmático?
É possível encontrar noções e atmosferas de Montaigne em Freud, Deleuze e Foucault: teriam sido seus leitores?
A riqueza de Montaigne provém também da surpresa de sua escrita: quando pensamos que ele penderá para um pólo de pronto retorna o "outro lado", como a morte para a vida , a saúde para a doença, a constância no caos, o risco de se perder no plural. Citando Sêneca, "tudo o que se divide até se reduzir a pá, faz-se confuso"; e Quintiliano, "as dificuldades nascem das doutrinas", Montaigne acautela-se: "sabemos por experiência que a pluralidade de interpretações dissipa e desagrega a verdade" (1580: 482).
Pensador para quem buscar conhecimento se dá sempre na forma de "um movimento irregular , perpétuo, sem molde e sem objetivo, cujas invenções se estimulam, se sucedem e se criam mutuamente" considera que "fragmentamos a matérias de um assunto fazemos mil e caímos, multiplicando-as e dividindo-os, nessa infinidade de Átomos que imaginara Epicuro" (1580: 483).
Por tudo isto dirá que sua melhor qualidade consiste em "ser flexível e pouco obstinado", flexibilidade que, se pensada no plano da atitude de conhecimento, encontra em Merleau-Ponty certamente um aliado. Reversibilidade, coexistência de díspares, irredutibilidade do entrelaçado corpo-mundo às grandes malhas da razão raciocinante, são campos nocionais solidários aos que vimos percorrendo nos do filósofo do século XVI.
E evidentemente guardadas diferenças. Só o hábito, o costume e o envelhecimento contém o exercício desta multiplicidade-Montaigne educado "no amor à liberdade e à indiferença" (1580: 490).
Fértil é ver porém como os próprios hábitos esbarram na reversibilidade, transmudando-se:
"Apeguemo-nos com todas as nossas forças ao que possuímos; em geral nós nos enrijecemos obstinando-nos , e corrigimos nosso temperamento (...) Devemos adotar as melhores regras, mas não nos submetermos a elas, salvo aquelas cuja observação é obrigatória e útil." (1580: 490)
[fim da página 105]
Mas até para esvaziar diariamente os intestinos não deve ninguém escravizar-se a ele, com fixações e inibições quando contrariam o hábito, dirá Montaigne praticando de novo o que chamo reversibilidade:
"(...) detesto os remédios, mais importunos do que as doenças. Ter cólicas e ser forçado a não comer ostras são dois males em vez de um; a doença magoa-nos por um lado, a dieta por outro. E, se temos que enfrentar certos aborrecimentos, enfrentemo-lo ao menos depois de atender ao prazer." (1580: 491)
Dignificar a experiência. Não supervalorizar o saber exterior, como se o médico pudesse saber mais sobre a dinâmica das dores, dos cuidados e dos prazeres do corpo de Montaigne do que ele próprio. A sabedoria não prescinde da experiência e do autoconhecimento.
O estilo livre e assistemático dos Ensaios provavelmente seduziu Merleau-Ponty. A própria Marilena Chauí ao denunciar e descrever a lógica e o funcionamento perversamente interessado dos "discursos competentes" parece ecoar estas reflexões (anteriores à Foucault) de Montaigne; além, claro, de Merleau-Ponty, realçando a dignidade ontológica do sensível como modos de contrapor-se aos vários e poderosos pensamentos de sobrevôo hegemônicos na cultura (Chauí, 1980).
Por outro lado, parece haver uma crença algo estóica na possibilidade de harmonia entre a natureza e nós, "porque não há anseio, por estranho e pernicioso que seja, que a natureza não acomode em proveito nosso" (Montaigne, 1580: 491). Confiança nos benefícios contidos nas mistérios da natureza? "Deixemos que a natureza aja por si; ela entende melhor do que nós de seus negócios" (Montaigne, 1580: 492).
Em Montaigne apreender os contrastes e ambigüidades - da experiência como do mundo - é, sobretudo, compreendê-los como mistura:
"É necessário aprender a sofrer o que não há como evitar. Nossa vida, como a harmonia dos mundos, ë composta de elementos contrários e tons variados doces e estridentes, agudos e surdos, frágeis e graves; que partido deles tiraria o músico que gostasse de uns e renegasse os outros? Cumpre-lhe empregá-los todos e misturados. Assim devemos fazer com os bens e males que são parte integrante e nossa vida; nosso ser só é possível com essa mistura." (1580: 492)
Tal compreensão implica num permanente exercício de aprendizagem, e abertura perceptiva, de modo a acolher a coexistência de dispares e das reversibilidades. Simultaneamente crença na força plasmadora do hábito, e crença na constância das sábias lições da natureza. Flexibilidade, conhecimento de si pela experiência, esta sim mote de reflexão cuja mutabilidade inscreve-se na própria mobilidade que a define.
Eis a inarredável coexistência entrelaçando o filósofo ("tudo discorda em harmonia universal" diz o verso de Caetano Veloso apropriado à atmosfera de Montaigne), para quem a razão não é capaz de provar o que quer que seja, ele para sempre em estado ambíguo de conservação e reversibilidade. O mesmo e no entanto já sendo o outro:
[fim da página 106]
"Há tanta diferença dentro de nós mesmos, quanto entre nós e os outros. Quer o homem se julgue assim, quer de outra maneira, é ele mesmo um ser multiforme, não um só, mas muitos de cada vez, sem jamais poder se compreender." (Chauí, 1987: XVI)
Como para Merleau-Ponty, o homem é para Montaigne "tão estranho quanto enigmático, sejam quais forem as experiências acumuladas em sua vida. Jamais atinge a si mesmo e nunca conhece as razões daquilo que se passa consigo" (Chauí, 1987: XVI).
Eis aí imiscuindo-se o tema contemporâneo que atará a reflexão da liberdade por entre a polarização acaso ou necessidade. Porque remexe as noções de cultura ("para julgar meus atos , tenho leis e tribunais próprios a que recorro") e desconcerta também a noção de natureza (não um cosmos ordenado pela fatalidade universal, mas "aquilo que flui espontaneamente do Eu individual"), pois "a natureza é ele mesmo e Montaigne estuda-se mais que qualquer outro assunto: ele é sua própria metafísica", o que ousa falar somente de si e que se dispersa quando escreve sobre outra coisa, deixará todos os ecos que, creio, Merleau-Ponty aproveitará na redignificação ontológica do sensível, talvez igualmente sensível à bela frase de Pascal sobre Montaigne: "não é em Montaigne mas em mim mesmo que se acha o que nele vejo".
No fio merleau-pontyano
Para Merleau-Ponty parece haver problemas no alegado ceticismo de Montaigne. Logo no início de "Lecture de Montaigne", diz: "ele rejeita como sendo absurdas todas as opiniões, todas as condutas, mas tira-nos, com isto, o meio de rejeitá-las como sendo falsas" (1960: 321).
E isto talvez porque "Montaigne começa ensinando que toda verdade se contradiz. Talvez termine por reconhecer que a contradição é verdade"(4) (Merleau-Ponty, 1960: 321-322).
Talvez pensasse no problema de uma abertura-sem-conceito, que interessava muito a Merleau-Ponty, "uma dúvida sem fim , pousada sobre si mesma" (1960: 322), atraído pelo explorador das obscuridades mantido seu mistério, aquele sobre quem "pode-se dizer que jamais saiu do estado de um certo espanto diante de si mesmo, o que faz toda a substância de sua obra e de sua sabedoria" (1960: 322).
Incansável crítico das dicotomias rivais e das dualidades cartesianas Montaigne o atrai, pois "ele não conhece esse lugar de repouso , essa possessão de si que será o entendimento cartesiano" (1960: 323).
O ensaio de Merleau-Ponty sobre Montaigne por vezes dá aquela mesma impressão que suscita a leitura de seu ensaio sobre Cézanne, a saber, que há momentos em que verdadeiramente não se sabe se ainda estamos em Montaigne ou se já (ou quem sabe, desde sempre) estávamos como leitores imersos no campo de pensamento propriamente merleau-pontyano. Assim coma a pintura de Cézanne transmuda-se na própria filosofia aspirada, sonhada por Merleau-Ponty(5).
[fim da página 107]
O que Merleau-Ponty parece encontrar nele é uma espécie de crítica da filosofia da consciência no interior dela mesma, uma reversibilidade que a relativiza, como que suspendendo o cartesianismo, o que se constata em trechos que poderiam referir-se a ele próprio Merleau-Ponty:
"O conhecimento de si em Montaigne é diálogo consigo, é uma interrogação endereçada a esse ser opaco que ele é e de quem ele espera resposta; é como que um ‘ensaio’ ou uma experiência de si mesmo." (1960: 324)
Também a propósito das reflexões em torno do corpo Merleau-Ponty encontra manancial de onde prosseguir em suas próprias investigações, celebrando o fato de que, diferentemente de Descartes, "a mistura de alma e do corpo é o domínio de Montaigne" (1960: 327).
Os exemplos de afinidade, o recorte de um certo pertencimento ao mesmo campo epistemológico no Montaigne-retomado-por-Merleau-Ponty se multiplicariam a ponto de perdermos o eixo de nosso tema. Voltemos então a quando, por exemplo, Merleau-Ponty reafirma a inclinação de Montaigne pelo tempo e pela história como contingência. Para ele, a meditação da morte por Montaigne "nos ensina melhor do que nenhum episódio da vida o acaso fundamental que nos fez aparecer e nos fará desaparecer" (1960: 329, grifo meu).
Porque se trata unicamente de descrever o homem como problema é que vibra a idéia "de uma busca sem descoberta, de uma caçada sem presa, que não é o vicio de um diletante, e sim o único método conveniente quando se trata de descrever o homem" (Merleau-Ponty, 1960: 329).
Estará ele então sempre atento ao que há de fortuito e inacabado no homem, visto que nossa inerência terrestre é o fundamento seja da moral seja do conhecimento. Nada de além-humano. Como com a religião, que só conserva legitimidade sob a condição de permanecer sem resposta, nossa relação com o Estado também participa "no número desses aparelhos exteriores aos quais nos encontramos ligados por acaso e de que devemos usar segundo sua lei, sem lhes introduzir nada de nós mesmas" (Merleau-Ponty, 1960: 333-334).
Incapazes de autonomia, pois que muitas coisas estão fora do nosso alcance, despidos de importância depois das limitadoras porém elucidativas experiências em cargos públicos, não seria melhor, pergunta-se Montaigne, a reclusão, de onde melhor compreender como a contingência se faz ação, a práxis pode pautar-se numa ética, inclusive política?
Comum também a Bacon e Maquiavel, a herança da concepção aristotélica da Fortuna reencontra-se, retomada na questão romana (virtù versus fortuna) sob a asserção "o homem é o arquiteto de sua própria Fortuna", compartilhada por Montaigne. (n .a. Chauí)
Como para Maquiavel, a Fortuna seria uma espécie de "limite que nós colocamos para a nossa liberdade" (n .a. Chauí), dirá Montaigne que "é absurdo querer regrar pela razão uma história que é feita de acasos" (Merleau-Ponty, 1960: 335) e "jamais a previsão e as leis poderão igualar a variedade dos casos, jamais a razão poderá pensar a vida pública" (Merleau-Ponty, 1960: 335). Há uma mescla de aceitação e reversão dela em atividade cujo limite é aqui o costume, o hábito, a aceitação tanto das leis quanto de sua insuficiência neste pensamento que é [fim da página 108] pensamento da dúvida e assentimento do imponderável.
Merleau-Ponty atualiza o que em vários momentos da obra de Montaigne é apenas descrição "irrefletida", ou, melhor dizendo, que não leva até ao limite da conceituação formulações aparentemente conservadoras ou meramente solipsistas.
Como em Montaigne há muitas variações em suas falas sobre o amor, a amizade e a política, Merleau-Ponty repõe o ponto de vista do filósofo para além da aparente contradição ou incoerência. Diz:
"Não que se tenha simplesmente contradito. Mas porque a divisão estóica do exterior e do interior, da necessidade e da liberdade, é abstrata, ou destrói-se a si mesma, e porque estamos indivisivelmente dentro e fora. Não se pode obedecer sempre se se despreza, desprezar sempre se se obedece" (Merleau-Ponty, 1960: 336)
Em Merleau-Ponty "a idéia de reversibilidade vibra na radicalidade da restituição", segundo Luiz Orlandi, que descreve-a como sendo esta "atmosfera de promiscuidade levando tremor e febre à pertinência dos recortes". Percorrendo a idéia de desvio e de reversibilidade em Le visible et l’invisible, ele dirá:
"(...) reversibilidade é o fenômeno a que se chega e do qual é dito ser ele a verdade última, uma verdade não estabelecida e que, na linguagem, anuncia-se como entre-signos ou entremeio dizente; no jogo do desvio dimensional, há reversibilidade entre isto e Isto, pois todo si é capaz de Si, é capaz de dimensionalidade; finalmente, há reversibilidade de dimensões, esta selvageria da verdade última." (Orlandi, 1980: 256-257)
De modo que "pelo corpo, corpóreo e linguageiro, presos ao seu enigma, participamos da intimidade desses jogos" (Orlandi, 1980: 257).
Reversibilidade: inerência de um no outro, entrelaço, quiasma. Onde, diz Marilena Chauí, procurando "captar o movimento de um pensar que se fazia pensamento", neste caso, em Montaigne, diz sobre a filosofia merleau-pontyana:
"a simultaneidade de presença e ausência, visibilidade e invisibilidade, perfeição e inacabamento, totalidade e abertura, tecido conjuntivo e diferenciado do mundo foi sempre recalcada pela filosofia que não podia então nomeá-la. É ela que Merleau-Ponty nomeia como carne (chair) e quiasma, procurando para a primeira um equivalente na velha palavra ‘elemento’ - água, ar, terra, fogo - e para o segundo, uma figura de linguagem - o entrecruzamento." (Chauí, 1983: 209)
Enfim, é somente com a descoberta "da experiência como reversibilidade, transitividade e reflexão carnal que encontra plena expressão filosófica" (Chauí, 1983: 209).
Na verdade é o "movimento de um pensar que se fazia pensamento", diz Chauí (1983: 193). O que se reanima aí, já que para Merleau-Ponty pensar não é possuir objetos de pensamento, mas circunscrever um campo de pensamentos.
É assim que para Merleau-Ponty duvidar é antes ação do que imobilismo ou cinismo. é, "no ponto fixo de que necessitamos, se quisermos deter a nossa [fim da página 109] versatilidade", "reencontrar o natural, a ingenuidade, a ignorância, é então reencontrar a graça das primeiras certezas, na dúvida que as cerca e as torna visíveis" (1960: 339).
A liberdade em Montaigne, terreno em que só se exercita contendo-se nos limites da obediência (algo irônica?) aos costumes e as leis é, digamos, mais conservadora da que se vê em Sartre. Mas Merleau-Ponty extrai ainda uma espécie de impensado em Montaigne, para realçar que graças a ele aprendemos que sempre colocamos as questões como se estas fossem universais, como se num instante escolhêssemos, como nosso bem, o de todos os homens. "E se fosse um preconceito?", pergunta o contemporâneo de Sartre, cuja interrogação parece estar implícita não só na noção de pensamento de sobrevôo merleau-pontyano mas nas posteriores reflexões de Foucault e Deleuze em torno do papel do intelectual quando reconhecem, na "microfísica do poder" que, no limite, é uma "indignidade falar em nome dos outros".
Na verdade, outro ponto de atualidade de Montaigne reside na conclusão de Merleau-Ponty, para quem o "filósofo ‘cético’ do séc. XVI" percebeu "o vínculo ambíguo que o prendia a elas [as coisas]. Percebeu que não há que escolher entre si - e as coisas" (1960: 346-347).
De outra parte, não será a reflexão de Montaigne sobre o Tempo mais própria e diretamente ligada à meditação e à crítica da meditação sobre a morte , diferentemente do que ocorre em Maquiavel para quem "é o tempo quem define a qualidade do acontecimento e da ação" (cf. n. a. Chauí)?
Lefort parece ter razão quando diz que "o momento final do Renascimento é a decomposição da idéia de Fortuna já que a emergência da figura do sujeito histórico transtorna as visões anteriores" (n. a. Chauí).
Por outro lado, pode-se dizer que em Montaigne o costume é uma forma de duração do hábito, do comportamento sedimentado ao longo do tempo. Mas que a melhor parte do homem, como para Bacon, é quando ele está na privação, na paixão ou no estudo, pois é justamente quando está suspenso nele o costume.
Hábito e costume, também, confirma Marilena, "destróem a idéia de natureza humana universal e necessária; além disso a noção de essência, como em Maquiavel, é desfeita" (n. a. Chauí).
De modo que nossa relação com a Fortuna dá-se porque somos seres essencialmente temporais.
Tanto Bacon como Maquiavel e Montaigne , segundo Chauí, desfazem os pares da tradição. E importante: os pares se tornam relações, do homem consigo, com o outro, com o Tempo. Desessencializam e dessubstancializam o homem. Não há índole natural, a natureza é variação, acontecimento, e a sociedade e a política se exercem no universo dos costumes, na relação com os outros. Desfaz-se, enfim, a transcendência divina (n .a. Chauí) .
Em relação propriamente à dupla face do tempo, há que se introduzir aí um conceito alargado e talvez já fora do contexto das oposições destino/ contingência, acaso/ fortuna, que é o de liberdade. Penso que nas exceções (três) que Marilena concede em sua preciosa síntese (ver nota) o conceito de Merleau-Ponty estaria embutido na idéia sartreana de liberdade.
Segundo Sartre, " o existente faz a si mesmo ao mesmo tempo que é a sua ‘situação’ e esta situação depende, em última instância, dele mesmo. Ele retoma a fórmula [fim da página 110] de Lequier: ‘Fazer e, ao fazer, fazer-se’. A liberdade é possível apenas porque o homem não tem essência que o delimite" (Sartre, "O existencialismo é um humanismo"). Mais: "ele julga em última instância e na angústia" ou então "transcende a si próprio num mundo de onde Deus parece estar ausente, em direção ao futuro, aos outros, ao mundo, ao ser" (Lalande, 1993: 364-365).
É exatamente o oposto daquilo que muitas vezes Montaigne experienciando escreveu: "Muitas vezes faltou-me a fortuna, mas por vezes também a resolução", e talvez o lugar mesmo da angústia sartreana.
Contemporaneamente, é como se o debate estivesse algo saturado, pendido talvez para sempre para o pólo problemático e com ar de "pós-moderno" do acaso e da contingência - descartando-se aí o termo fortuna por estar preso demais à remissão a um debate clássico envolto em mitologias a que os termos acaso e contingência não precisam se remeter.
Pensado no presente, a idéia de necessidade ou destino, exceto pelas vias religiosas, constituiu-se num modo global de inteligibilidade histórica, de apreensão hegeliana da totalidade, ou de tomada de posição e decifração do movimento histórico e suas necessárias dialéticas.
Se na Renascença o debate se atualizava nos termos de deliberação racional, "livre arbítrio" versus "crença num poder exterior" (seja a vontade divina seja a Fortuna - ainda que imprevisível, mas de qualquer modo alheia e à revelia da vontade humana) digamos, que antes da avalancha pós-moderna, um rico debate também tensionava duas distinções, radicalizando suas definições, e articulações recíprocas.
Partindo do presente, podemos puxar um fio merleau-pontyano, que possa repor a atualidade de Montaigne e formular uma provisória conclusão sobre a pertinência da questão, e seu possível interesse, nestes tempos de ilusões perdidas e de desregramento (com poros de cinismo) dos sentidos, como se o rio do acaso jorrasse vitoriosamente sobre as grades da deliberação racional que detectavam necessidades e destinos, e, mais modernamente, determinações.
Penso em Merleau-Ponty quando reflete, num belíssimo trecho de A Dúvida de Cézanne, sobre os conceitos de determinação e liberdade. Sobre a determinação diz o filósofo:
"Dizer que acima de tudo somos o desígnio de um futuro implica dizer que nosso projeto está já designado com nossas primeiras maneiras de ser, que a escolha está já feita em nosso primeiro sopro." (Merleau-Ponty, 1980: 122)
Vamos encontrar aqui um campo evidentemente novo complicando o debate, o da psicanálise, ausente na tradição.
De tal modo que, para pensar a liberdade, Merleau-Ponty tematiza, preservando e apontando-lhe alguns equívocos, a psicanálise que, para ele, "não impossibilita a liberdade" mas "ensina-nos a concebê-la concretamente como retomada criativa de nós mesmos, a nós mesmos, finalmente sempre fiel" (1980: 125).
Mas Merleau-Ponty sabe como poucos escapar do enrijecimento das polaridades e dos dogmatismos rivais. Daí extrair no entremeio, e quanto à determinação ou a liberdade, ele reatar a inarredável coexistência destas duas forças, dizendo:
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"Se há uma verdadeira liberdade, só pode existir no percurso da vida, pela superação da situação de partida e sem que deixemos, contudo, de ser o mesmo - eis o problema." (1980: 123)
Rescrevendo a frase inicial de Ruelle, talvez pudéssemos dizer, com Merleau-Ponty, que, do ponto de vista das relações sociais, se o futuro permanece um mistério, ao acaso deve-se acrescentar a exigência ético-política de ampliação do espaço da liberdade, incluindo o acolhimento das contingências como móvel de diminuição do peso das forças que agem no campo das determinações pré-individuais. CHAUÍ, Marilena. (1980). Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Moderna. DELEUZE, Gilles. (1987). Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária. LALANDE, André. (1993). Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins Fontes. LISPECTOR, Clarice. (1978). "Por não estarem distraídos". In: Para não esquecer: crônicas - Clarice Lispector. São Paulo: Ática. MERLEAU-PONTY, Maurice. (1960). "Lecture de Montaigne". In: Éloge de la philosophie et autres essais. Paris: Gallimard, pp. 321-347. MONTAIGNE, Michel de. (1580). Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Col. "Os Pensadores", vol. XI). ORLANDI, Luiz. (1980). A voz do intervalo: introdução ao estudo do problema da linguagem na obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Ática.
Noutras palavras, respirar a atmosfera dos "existencialistas franceses" quem sabe merecesse, em tempo de ilusões perdidas e de velocidade esterilizante dos modismos, um novo e atento olhar, Como um alento para não ficarmos somente distraídos, ou narcisicamente (em nossos refúgios de exacerbado neo-individualismo) celebrando ou sofrendo com a inevitável sensação, dolorosamente constante, de caos corroendo sonhos nesta terra brasilis.
Referências Bibliográficas
_______________. (1983). "Experiência do pensamento: homenagem a Maurice Merleau-Ponty". In: Da realidade sem mistério aos mistérios do mundo. São Paulo: Brasiliense.
_______________. (1987). "Montaigne: vida e obra". In: MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Volume I. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, pp. V-XXI.
_______________. (1992). "Público, privado, despotismo". In: NOVAES, Adauto (org.). Ética. São Paulo: Cia. das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura, pp. 345-390.
________________________. (1980). Merleau-Ponty: textos escolhidos. Organizado por Marilena Chauí. São Paulo: Abril Cultural (Col. "Os Pensadores").
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Realçando a atualidade do pensamento de Montaigne, e o uso interessado (como aliado) que dele faz Merleau-Ponty, ressoando sua crítica ao pensamento de sobrevôo e a opção por uma lógica encarnada (na qual o Tempo é também expansão da região sensível por onde o corpo vidente-visível imiscui-se) para reencontrarmos ao fim sua definição de liberdade como coexistência de campos heterogêneos em embate permanente: necessidade abolindo sim o acaso, ora a pura contingência determinando vetores históricos. Tema retomado, noutra direção, por Deleuze, cujas noções de investimento, micro-poderes, e de poder como agenciamento coletivo de desejos implicam no pressuposto da coexistência e reversibilidade entre necessidade e acaso, como se ecoássemos certa noção de dobra que já se anunciava nas inacabadas notas de trabalho de Merleau-Ponty.
Rehausser la actualité de la pensée de Montaigne, et l'usage intéressé (comme allié) cela fait Merleau-Ponty de lui et règle sa critique à la pensée de survolez et l'option pour une logique incarnée (dans qui le Temps est aussi expansion de la région sensible à travers où le corps voyant-visible mélange) pour découverte encore dans la fin sa définition de liberté comme coexistence de champs hétérogènes dans lutte permanente: besoin à abolir le hasard, pour maintenant l'ventualité pure qui détermine des vecteurs historiques. Thème repris, dans une autre direction, par Deleuze, donc notions de l'investissement, micro-pouvoirs personnels, et fait fonctionner comme agencement collective de désirs ils impliquent dans la présupposition de la coexistence et reversibilité parmi besoin et hasard, comme si nous répétons certaine notion du pli que déjà a été moi-même-annoncée dans les notes inachevées de travail de Merleau-Ponty.
Notas
1) Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba (Campus I - João Pessoa).
2) David Ruelle, físico e matemático, cf. entrevista ao suplemento Mais!, Folha de S. Paulo, 02/ jan./1994.
3) As referências "(n.a. Chauí)" ao longo do texto indicam as notas de aula fragmentariamente registradas em caderno durante uma saudosa disciplina ministrada, no inverno de 1993, nas tardes da Unicamp, pela Profa Marilena Chauí, e não devem ser tomadas como rigorosamente fiéis ao que foi dito em sala. De modo que as possíveis e inevitáveis imperfeições na transcrição são de minha inteira responsabilidade.
4) Tradução livre.
5) Ver "A Dúvida de Cézanne" (Merleau-Ponty, 1980: 113-126).
MONTAIGNE E MERLEAU-PONTY:
COEXISTÊNCIA E REVERSIBILIDADE
PALAVRAS-CHAVE: Montaigne; Merleau-Ponty; Deleuze; necessidade; acaso; dobra.
MONTAIGNE ET MERLEAU-PONTY:
COEXISTENCE ET REVERSIBILITÉ
MOTS-CLÉS: Montaigne; Merleau-Ponty; Deleuze; besoin; hasard; pli.