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Política & Trabalho 16 - Setembro / 2000 - pp. 197-209


RELIGIÃO E MUTAÇÃO:
UMA ANÁLISE SOBRE MUDANÇA DE ETHOS
NO UNIVERSO PROTESTANTE

Patrícia Formiga Maciel Alves (1)


Introdução

A religião tem inaugurado nos últimos tempos novas formas de manifestação do sagrado. À exemplo disto, têm surgido no universo protestante praticas exóticas, gerando uma espécie de sensacionalismo, e atraindo dois tipos de interesse: dos cristãos, por pensarem tratar-se da demonstração do poder de Deus, e dos estudiosos de religião, que são convidados a lançar um olhar crítico sobre esta nova realidade, que se configura hoje como um dos fenômenos mais dinâmicos e complexos do campo religioso brasileiro.

Este sensacionalismo encontra-se expresso nas formas melodramáticas de cultos, e nas novas práticas que estes grupos religiosos emergentes ensaiam. Os pregadores destas igrejas chamadas neo-pentecostais(2), utilizam métodos nada ortodoxos em suas atuações, mas legitimam suas pregações mediante a Bíblia. Os novos ensinamentos tendo sido originados nos Estados Unidos, logo se difundiram por todo o mundo, encontrando no Brasil um solo bastante fértil ao seu crescimento. No campo de suas doutrinas destacam-se práticas curiosas, tais como, “a prosperidade financeira”, “a cura divina”, “o cair pela unção”, o “o riso santo”, “as mudanças nos costumes de se vestir dos crentes”, “a dança”, e “o culto”.

Tais práticas e mudanças nos incitam às seguintes questões: Existe no cenário protestante um novo ethos que surgiu a partir do movimento neo-pentecostal? Podemos falar em mudanças no universo evangélico?

Partindo do pressuposto de que não é a religião enquanto mecanismo simbólico de conservação e permanência que deve interessar à sociologia, mas sim a religião em mudança, a religião como possibilidade de ruptura e inovação, a mudança religiosa e, portanto, a mudança cultural (Pierucci & Prandi, 1996: 9), nos ocuparemos neste ensaio em analisar uma mudança ocorrida no universo evangélico, que representou uma ruptura com um ethos, e uma inovação, na medida em que propôs um outro ethos com vistas a substituir o anterior. Deixaremos de lado as discussões sobre as novas práticas já citadas, como o riso e a unção, para nos ocuparmos somente das mudanças, que dão forma e conteúdo a esse novo ethos.

A formação de um novo ethos

Weber (1985) já nos chamara atenção para a questão de um ethos protestante, algo que se converteria em benefício para o capitalismo, embora [fim da página 197] não fosse essa a intenção ao promover a acumulação. Esse ethos era traduzido em termos de rejeição do mundo, isto é, a não valorização de coisas mundanas, o que perdurou durante muitos anos no universo protestante em geral. Vale ressaltar que esta postura ainda faz parte da vida religiosa de várias denominações evangélicas(3).  No protestantismo tudo se orientava para a livre graça de Deus e para o destino no além, pois a vida terrena era só uma passagem ou um vale de lágrimas. Assim dizia Weber:

“Para o puritano o lucro era conseqüência involuntária mas sintoma importante da própria virtude, mas o dispêndio da riqueza para fins de consumo próprio era muito facilmente submissão idólatra do mundo.” ( 1982: 157)

Tal autor nos mostra como nos países onde a Reforma foi mais intensa, conquistando grande número de adeptos, o comportamento dos grupos religiosos propiciou o processo de acumulação de capital, através de doutrinas, muitas delas presentes no calvinismo. Dentre as doutrinas de Calvino, está a concepção de que a prosperidade, material ou econômica, é sinal de escolha ou de bênção divina. Dessa forma foi que na Europa o Calvinismo serviu de suporte religioso para a burguesia nascente.

A idéia do trabalho como bênção de Deus, e que portanto deve ser exercido com todas as condições do escolhido, deu base para uma associação ideológica entre o sucesso pessoal e a providência divina. A análise conduz à questão da concepção de vocação e trabalho em Lutero, onde no início, de acordo com a tradição medieval predominante, este encarava o trabalho secular como algo eticamente neutro, embora o considerasse necessário. O trabalho passa de condição de tarefa mundana sem muito valor para se constituir enquanto único caminho para satisfazer a Deus. Assim, qualquer vocação lícita adquire o mesmo valor diante de Deus. O efeito da Reforma como tal, em contraste com a concepção católica, foi aumentar a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho secular e profissional. Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber já tinha assinalado a força dos preceitos éticos, onde o ascetismo intramundano disciplinava o corpo e canalizava as energias humanas para a poupança, e para o trabalho, na fase de crescimento do capitalismo. Esses preceitos éticos, deram origem ao ethos protestante, marcado pelo ascetismo e rejeição do mundo.

Antes da Reforma, o impulso para o lucro material, eqüivalia a uma falta de graça, não havia na Igreja valorização do trabalho profissional. Com o tempo, a posição concreta do indivíduo passa a ser interpretada como um Dom especial de Deus, e a posição que ele ocupa na sociedade, como um preenchimento da vontade divina. Weber, se referindo a Lutero, diz:

“A vocação para ele era algo aceito como ordem divina, a qual cada um devia adequar-se. Essa tendência domina o outro pensamento, também presente de que o trabalho vocacional é uma ou melhor, a tarefa ordenada por Deus.” ( Weber, 1985: 57)

[fim da página 198]

Se opondo a este princípio básico que operava no protestantismo, qual seja, o da rejeição do mundo, vem o movimento neo-pentecostal que está embuído de pregar o oposto disso, isto é, a valorização do mundo, e o aproveitamento deste a partir da posse de bens materiais, de riqueza, daí sua característica mais expressiva - a prosperidade financeira.

O ethos pentecostal que muito se aproxima do ethos protestante descrito por Weber, tinha como ponto central a “oposição às formas tradicionais de religiosidade” (Machado,1996: 83). Com esta premissa religiosa, os crentes recusavam a tradição cultural brasileira e as práticas sincréticas. Recusavam ainda sua inserção em questões políticas, ficando reclusos ao espaço das igrejas. Tudo isso para reforçar a identidade de que crente é separado das coisas mundanas.

No entanto, da década de 80 em diante verificam-se mudanças, o que nos faz acreditar que um novo ethos emerge no universo protestante, constituindo este uma inversão do anterior presente ainda em algumas denominações. Esta inversão é sentida de formas diferenciadas. Para alguns cristãos, trata-se de um novo manifestar de Deus, de um reavivamento para seu povo, já outros partilham a idéia de que constituem estes ensinamentos distorções do evangelho, que são atribuídas ao inimigo declarado de Deus que é Lúcifer.

O neo-pentecostalismo, após inserir-se no cenário protestante, opera muitas mudanças no circuito evangélico, apesar de manter alguns preceitos do pentecostalismo sem nenhuma alteração, tendo em vista que tal movimento constitui uma ramificação deste último. As mudanças são muitas. O espontaneísmo dos pastores e a doutrinação ocupam o lugar da reflexão teológica. Eles também aboliram os tradicionais e estereotipados usos e costumes de santidade; e se caracterizam pela tríade: cura, exorcismo e prosperidade.

As alterações são visíveis, e envolvem desde a tolerância de trajes adotados pela sociedade e a juventude em geral (roupas de ginástica, bermudas, camisetas sem mangas, etc.) até a participação mais alegre e espontânea durante os cultos (Machado;1996:203).

Sobre a tríade que marca o neo-pentecostalismo, Bittencourt (1992:55) ensaiou uma explicação para essa mensagem se mostrar tão atrativa:

“Ao implantar essa primazia, ele estabelece conexões com o ideário das massas sob influxo da cultura do consumo plasmada pela mídia. Paralelamente, num nível mais profundo, vai ao encontro do irracionalismo reinante (atávico à chamada pós- modernidade?); ao mesmo tempo contempla a tendência atual para o fundamentalismo religioso.”

Este novo ethos pode ser percebido na forma de pregar dos pastores (somos filhinhos de Deus), a forma de louvar a Deus (agora com danças), a forma de pedir (muito mais de exigir), a forma de ser abençoado (com prosperidade, cura, unção). A representação do dinheiro também é alterada, ele e muitos outros bens materiais passam da condição de maldição para benção.

A forma com que é ministrada a “palavra” sofre uma mudança significativa. No lugar de uma pregação sem emoção, seca, cansativa, vêm os cultos sensacionalistas. Os pastores neo-pentecostais pregam com lágrimas, com [fim da página 199] palavras carinhosas, fazendo crer que Deus está falando com a platéia como um pai com seus filhos. No lugar de um Deus duro, que castiga, ele fala de um Deus pai, que se refere a todos como filhinhos, e deseja abençoá-los igualmente com sua bondade e seu poder.

Esta nova forma de falar com a platéia, carregada de emoção, somada a todas as novidades trazidas pelo movimento neo-pentecostal, que tem como fio condutor o ensino sobre a prosperidade, desencadeia a formação de um novo ethos ou modo de ser, que visa substituir gradativamente o estilo de vida, compreendendo este os dispositivos morais e estéticos, isto é, o ethos anterior do campo religioso evangélico.

A idéia de ethos também nos remete a Geertz (1978:104). Em seu trabalho, a Religião aparece como uma forma de representação do mundo, isto é, uma forma de concepção do mundo. Geertz afirma tal perspectiva e define religião como um sistema de símbolos, ou sistema cultural, “que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas”.

Esses símbolos de que Geertz fala, os símbolos sagrados, servem para sintetizar o tom, o caráter e a qualidade da vida de um povo, seu estilo, suas disposições morais e estéticas, definidas pelo nome de ethos, e a visão de mundo que este povo possui, entendendo como visão de mundo a representação que fazem do que as coisas são na sua simples atualidade. Compreende suas idéias acerca da ordem, seu conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade. A religião constrói uma visão de mundo e a estende a seus membros, tornando-os receptores passivos dessas representações.

Assim, a religião serve para sintetizar o ethos e a visão de mundo, independente da forma como os valores e a ordem sejam concebidos, pois ela compreende em si os valores morais e estéticos de um grupo e as representações deste, sobre si e sobre sua sociedade. Sua força, ao apoiar os valores sociais, repousa na capacidade que os seus símbolos têm de formularem o mundo no qual esses valores, bem como as forças que se opõem à sua compreensão, são componentes fundamentais.

A religião nunca é apenas metafísica, nem meramente ética, mas possui também um caráter moral. Para os adeptos de uma crença religiosa, a visão de mundo imposta por tal religião torna-se emocionalmente aceitável por se apresentar como imagem de um verdadeiro estado de coisas do qual esse tipo de vida é expressão autêntica, isto é, esse estilo de vida propagado pela religião assume o caráter de único modo de vida correto aceitável por Deus. (Embora esse manual de instruções para a vida aceitável diante de Deus, sofra variações com o passar dos tempos.)

Por tal razão Geertz afirmou que “o sagrado possui um sentido de obrigação intrínseca, pois não só encoraja a devoção como exige-a, não somente induz aceitação intelectual como reforça o compromisso emocional” (1978: 143) Assim, um sistema religioso parece mediar um conhecimento genuíno, conhecimento esse das condições essenciais nos termos das quais a vida tem que ser necessariamente vivida. Ignorar esses padrões, fugir a essas normas moral-estéticas que os [fim da página 200] símbolos religiosos formulam, seguir um estilo de vida discordante, conduz a crer que tais indivíduos não são maus em si, mas ignorantes ou loucos.

Em suma, nos sistemas de símbolos sagrados os valores morais e estéticos são vivenciados não como preferências subjetivas mas como condições de vida impostas, que assumem o caráter de vida suprema, ou seja, modo único, correto e digno de se viver.

No entanto, o ethos protestante, como já assinalamos, tem sofrido alterações no decorrer do tempo. Os símbolos têm a capacidade de formular o mundo, e de impor suas condições, orientando as pessoas, de modo a ensiná-las o modo correto de guiarem suas próprias vidas. Esta orientação hoje se faz diferente, seja em relação à prosperidade, à cura, ao riso, à unção, às vestimentas, enfim a todos os bens simbólicos oferecidos pelas igrejas neo-pentecostais.

Em relação aos bens simbólicos, é próprio do movimento neo-pentecostal comercializar bens de consumo religioso. A nova percepção acerca das bênçãos a que deve partilhar cada crente rompe com o imaginário que se fazia presente no mundo protestante, isto é, com a total sujeição dos fiéis à vontade divina e à acomodação diante de sua situação. O que prevalece hoje é a ênfase na autoridade de que cada cristão dispõe, o que lhe permite realizar curas, expulsar demônios, e outros feitos à exemplo do que o próprio Jesus realizou e ensinou.

No neo-pentecostalismo todos os direitos são dados de antemão aos cristãos, só resta então decretar a existência deles, para que saiam da posição de bens espirituais e ganhem existência material.

Esse novo ethos é apreendido pela maioria dos conversos sem nenhum questionamento. A aceitação destes ensinos é imediata e o número de filiados às igrejas desta linha é bastante crescente. Lembremos aqui Durkheim (1989:440) quando nos fala da verdadeira função da Religião:

“Os adeptos de uma Religião sabem que a verdadeira função da Religião, não é fazê-los pensar, e sim ajudá-los a viver. O cristão sente em si força maior para suportar as dificuldades de existência e para vencê-las. Sente-se à parte das misérias da humanidade, porque acredita estar protegido por uma força superior que o eleva da condição de simples homem, colocando-o como filho de Deus.”

Ainda nos reportando a Durkheim (1989: 240), quando ele define as forças Religiosas como “forças humanas e morais, que longe de ignorar a sociedade real e abstraí-la, refletem a sua imagem, e é dominada pela ação, pelo fato de ter como fonte a própria sociedade”, sugerimos em nossa análise que esta mudança ocorrida no universo evangélico resulta de uma mudança iniciada na própria sociedade.

Se ocorre uma mudança na sociedade, a religião, que não pode ignorá-la, acaba sofrendo alterações que podem ser percebidas de diversas maneiras. A teologia da prosperidade é um exemplo de uma variação, pois veio substituir o ascetismo que marcou o protestantismo em geral. A sociedade atende neste momento a uma demanda da Pós- Modernidade, que direciona o impulso não mais para a poupança, mas para o consumo. Cria-se um mercado de bens simbólicos que acaba atraindo não somente as camadas populares, mas um grande espectro das classes médias.

A situação da sociedade (particularmente no Brasil), marcada pelo [fim da página 201] desemprego, recessão, miséria, situação que se arrasta há anos, suscita novas necessidades nos cidadãos, tornando-os consumidores desta nova fé religiosa. Há um impulso crescente no número de denominações e consequentemente no número de convertidos. Mas este movimento concebido como particularidade das classes populares, acaba atingindo um público bem maior no universo religioso neo-pentecostal, a classe média. Esta entrada deste novo estrato social deu-se em grande medida graças ao ensino sobre a prosperidade financeira.

Teologia da prosperidade

A Teologia da Prosperidade propaga que o plano de Deus para o homem é fazê-lo feliz, abençoado, saudável e principalmente próspero. Ao crente que não partilha dessas bênçãos, atribui-se o estigma de incrédulo, ou pecador. O que resulta na concepção de que crente fiel é crente próspero; essas bênçãos passam a ser indicadores de espiritualidade.

Essa nova interpretação dos textos bíblicos rompe de vez com o ascetismo expresso na frase dita de Jesus - “no mundo tereis aflições” -, e muito enfatizada pelas Igrejas pentecostais, como a Assembléia de Deus que agrega um contingente de pessoas pobres, que até então acreditavam estar passando privações nesse mundo à exemplo de Jesus. Os líderes dessas Igrejas entram em atrito com os defensores da Teologia da Prosperidade, pois essa Teologia inverte os valores até então vigentes no protestantismo em geral, dado o fato de que qualquer sofrimento, antes visto como vontade de Deus e pressuposto para obter vida eterna, se configura como indicativo de pecado e falta de fé. Aqui cabe uma ressalva: a mesma bíblia que antes justificava a pobreza, fala agora de abundância de vida, de saúde plena e prosperidade.

Para substituir o “no mundo tereis aflições” vem o versículo “somos mais que vencedores”, algo que legitima a vitória do cristão e seu bem-estar em todas as esferas de sua vida, adquiridos a partir da posse das promessas de Deus. Como bem observou o pastor presbiteriano Jorge Noda (1997: 10), em sua análise sobre a Teologia da Prosperidade:

“Segundo o movimento da fé, a única barreira entre nós e as riquezas é a incredulidade. Temos todo o direito de exigir que Satanás solte aquilo que é propriedade nossa por direito de redenção.”

Kenneth Hagin, um dos principais divulgadores da Teologia da Prosperidade, citando Jesus, declarou no livro New thresholds of faith:

“Deus quer que seus filhos usem a melhor roupa. Ele quer que eles dirijam os melhores carros e quer que eles tenham o melhor de tudo...simplesmente exija o que você precisa.” (1985: 55, apud Romeiro, 1993)

Ainda em outro livro A Autoridade do Crente (s.d.: 48, apud Romeiro, 1993) Hagin acrescenta:

“Muitos crentes confundem humildade com pobreza. Um pregador certa vez me disse que fulano possuía humildade, porque andava num carro muito velho. Repliquei: ‘Isso não é ser humilde - isto é ser ignorante’. A idéia que o pregador tinha de humilde era a de dirigir um carro velho. Um outro observou ‘Sabe, Jesus e seus [fim da página 202] discípulos nunca andaram num Cadillac’. Não havia Cadillac naquela época. Mas Jesus andou num jumento. Era o ‘Cadillac’ da época - o melhor meio de transporte existente.”

Esta mensagem parece ser a grande responsável pelo crescimento das Igrejas neo-pentecostais; são elas que tornam esse evangelho bastante atraente. Rompe-se com o ideário de pobreza ser sinônimo de santidade, e com a teologia presente nos versículos de Mateus 19:24, que falava na impossibilidade do rico entrar no céu, tão impossível como um camelo entrar num buraco de uma agulha (Mariano, 1999).

Entretanto, para obter as bênçãos já colocadas à disposição do cristão por Deus, é necessário o exercício da confissão positiva. O fiel deve reconhecer seus direitos, pois a ignorância desses direitos é a responsável pelo sofrimento de alguns fiéis. Para ser vencedor nesse mundo não basta ser crente, batizado e orar, é preciso tomar conhecimento dos direitos, acreditar neles e acima de tudo confessá-los.

Cura dos males

Acompanhados da nova concepção acerca do dinheiro, e da felicidade, vem os ensinos sobre a cura divina, que também modifica a percepção anterior sobre doenças. O direito à cura, como todos os outros, já está dado. O que lhes serve de base para reforçar essa afirmação encontra-se no livro de Isaías, onde se lê:

“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidade: o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.” (Isaías, 53: 4; 5)

É a partir da interpretação desse versículo que a cura é declarada entre os neo-pentecostais, quando afirmam que a cura divina já está totalmente garantida na expiação(4). Na verdade, eles crêem que tudo o que têm a fazer é simplesmente declarar a cura, tomar posse de algo que já existe no plano espiritual.

Dessa forma, o neo-pentecostalismo aponta o demônio “como dispositivo simbólico explicativo da causa das doenças e dos males em geral” (Oro, 1996: 57). Se antes a doença aparecia ao Protestantismo como resultante da vontade de Deus, é o caso de relatos bíblicos onde “servos do Senhor” são acometidos de doenças; com o neo-pentecostalismo ela passa a ser resultante de um estado de pecado.

Os rituais de cura não se limitam à cura de doenças, buscam libertar os males que afligem as pessoas. Incluem problemas de ordem afetiva, como a tentativa de reconciliar casais e resolver problemas econômicos, pois satanás está impedindo que os negócio prosperem. A “cura consiste, neste caso, na libertação divina do mal que os ocasiona” ( Oro, 1996: 59).

Para que o fenômeno da cura seja vivenciado de sua melhor forma é necessária a crença, a fé que a oração do pastor libertará todo o mal que se encontra por trás da doença, “amarrando o diabo” e libertando o fiel desse jugo. Como já dissera Oro, “a crença é uma regra universal para a produção da [fim da página 203] eficácia simbólica em qualquer contexto cultural” ( Oro, 1996: 59).

Para qualquer indivíduo que participe ativamente deste fluxo de emoções, a cura divina, resultando de uma imposição das mãos de “homens de Deus”, aparece como um fenômeno religioso. A pessoa não espera um milagre. Contudo, através da compaixão sentida, a sensação da presença de Deus, a fé, e toda emoção que o momento sugere, ela vê a sua vida de outra maneira. Nestes momentos, como observa Cortém (1996: 72), “às vezes transformações somáticas são relatadas.”

O sucesso da cura divina nas Igrejas dependem em parte da capacidade ou do estilo de animação, e da promoção destes eventos milagrosos, os fiéis comparam e escolhem:

“Às vezes o nascimento de uma nova igreja procede do fato de que um animador ou pastor não pode adotar o estilo de animação que lhe parece apropriado.” (Cortém, 1996: 72)

Ruptura com os indicativos de santidade

Uma das mudanças mais visíveis que rompeu com o forte contraculturalismo foi a ocorrida em relação às vestimentas femininas, que, como enunciado acima, fazia parte da caracterização da identidade crente. Como há uma quebra na valorização da antiga sobriedade dos trajes e no combate à vaidade, nos colocamos a pensar numa perda de um elemento constitutivo da identidade e no que ele representa para o universo feminino crente.

Machado (1996:156) já chamara atenção para o fato de que “vários estudos procuraram delinear os elementos constitutivos da identidade ‘crente’: a defesa da castidade e da fidelidade conjugal para os dois sexos; a sobriedade dos trajes; o combate à vaidade feminina; a separação sexual dos fiéis nos cultos; a severa condenação do carnaval e do futebol”.

A rejeição do mundo e das coisas que ele oferece sempre foi algo muito valorizado no universo protestante. Esta rejeição sempre foi condição para salvação. A vida eterna era a grande recompensa e traduzia o anseio de todos os cristãos. O crente para obter a vida eterna deveria “ser virtuoso, ter grande força moral e seguir regras provenientes de uma leitura fundamentalista da Bíblia” (Oro, 1996: 55).

O crente para ser virtuoso teria que ter bons pensamentos, realizar boas ações, converter novos fiéis com seu testemunho diário, sua idoneidade e expressar sua santidade através da sua fala, e principalmente da maneira de trajar-se.

As Igrejas evangélicas tradicionais sempre exigiram de seus membros femininos uma humildade que passa pela eliminação de qualquer distintivo referente à estética do corpo. A vaidade se configurava como algo danoso, indigno para os que se pretendem santos, pois a santidade implica em separação das coisas do mundo, logo, se as mulheres demonstrarem vaidade em seu modo de vestir, ou na forma de arrumar o cabelo, estão afastando-se da santidade almejada e misturando-se assim com os prazeres mundanos.

“Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em trajes honestos, com pudor e modéstia, não com tranças, ou com ouro, ou pérolas ou [fim da página 204] vestidos preciosos.” (I Timóteo,2:9)

Assim sendo, a maneira de vestir funciona como um pronunciamento verbal, ela veicula uma mensagem, qual seja, a de santidade, pureza. A palavra santo significa aquele que é separado. Os fiéis buscam santificar-se, isto é, separar-se do mundo, eles pregam uma diferenciação do mundo, reconhecida pelo comportamento social. Mariano (1999:190), discorrendo sobre a liberalização dos usos e costumes de santidade pentecostal observa:

“Para não serem contaminados e corrompidos pelas coisas, paixões e interesses do mundo, os líderes pentecostais procuram imprimir na conduta dos fiéis, desde a conversão, normas e tabus comportamentais, valores morais, usos e costumes de santificação.”

Resulta disso a existência de roupas que fazem as crentes todas se parecerem nos trajes e penteados, o que acarreta uma uniformização da aparência, a qual é vista por eles como a expressão daquela transparência suposta a que todos aspiram, isto é, a aparência de santidade.

Ser crente é veicular uma identidade religiosa, e como qualquer identidade social, esta também possui caráter relacional e se define por oposições. Isso nos faz lembrar Durkheim (1989: 440), quando este faz menção ao elemento definidor do fenômeno religioso que é a oposição entre o sagrado e o profano, a separação dessas duas esferas. O sagrado e o profano são completamente diferentes e opositivos, o sagrado é sempre objeto de interdições, e de forma alguma pode ser violado, ele existe à parte, sem jamais ser colocado em pé de igualdade com o profano, nem tão pouco misturar-se com ele.

Em relação a oposições, Leach (1978: 48) já observara que um signo ou símbolo somente adquire sentido quando é diferenciado de outro signo ou símbolo contrário, e ainda que eles não possuem sentido isoladamente, mas apenas como membros de conjuntos. Nesse sentido é que podemos dizer que é impossível entender o que é ser cristão, sem colocar em oposição as outras pessoas que não se definem assim, que fazem parte de um outro conjunto de símbolos e signos, e partilham de uma outra visão do mundo.

Assim, os crentes de diversas igrejas tradicionais elegem vestimentas adequadas, elaboram uma visão de mundo, incorporam palavras ao seu vocabulário, tudo isso para se opor a outros tipos de comportamento social, assegurando sua especificidade, buscando transmitir uma mensagem religiosa.

As vestimentas, como já dissera Leach, são signos distintivos de papéis sociais específicos. Assim, uma crente ou um Pastor que sempre se veste de forma diferente dos homens de sua Igreja, com paletó, gravata e calça social, são imediatamente reconhecíveis pelas roupas que usam. Acrescido a isto, está o uso da bíblia embaixo do braço. É característico de toda Religião assegurar sua especificidade, todas elegem um conjunto de símbolos e signos que tem por fim marcar uma diferenciação das demais. O corpo é um suporte de signos (Rodrigues, 1980:54), é através dele que se expressa pureza, santidade, quando da forma de se vestir e portar-se.

Todavia esses estereótipos de santidade têm desaparecido do universo evangélico dos neo-pentecostais. Já foi dito antes que uma das características dos cultos neo-pentecostais é não adotar os tradicionais e estereotipados usos e [fim da página 205] costumes de santidade. O neo-pentecostalismo opera um rompimento com “a tradicional identidade estética pentecostal, pois seus membros vestem-se como bem entendem, as mulheres usam adereços e produções de beleza, aos fiéis não é vedado o lazer e a diversão” (Oro, 1996: 55).

A maneira de vestir imposta pelas igrejas de diversas linhas, limitando as mulheres ao uso restrito da saia, com uma única variação possível que era o vestido, e a orientação para manter os cabelos presos e jamais cortá-los, gerava um grande desconforto nas mulheres recém - convertidas e representava um peso na hora de decidir pela conversão. Além de abandonar uma vida voltada para os “prazeres da carne”, e outros bens mundanos, teriam esses membros femininos de criar um novo estilo de vida até na forma de se vestir. É necessário “nascer de novo” diz o Evangelho de (João, 3), e assim andar em novidade de vida. Nesta hora, a decisão por uma igreja menos rígida no que diz respeito à maneira de vestir, representa algo menos doloroso para as mulheres que não querem abdicar do seu estilo. Sobre isso Mariano (1999: 189) observou:

“Para desgosto dos legalistas e alegria dos fiéis que se sentiam constrangidos e reprimidos, em especial os jovens e segmentos de classe média, elas aboliram as ‘vestes de santos’.”

A reação feminina com a mudança nas vestimentas está diretamente ligada à origem social desta. Verifica-se nas camadas médias uma maior aceitação desta novidade, pois as mulheres deixam-se levar pelas tendências da moda, demonstram preocupação com a arrumação do cabelo, e com o cuidado com o corpo. Porém as mulheres alocadas nas camadas inferiores permanecem com o estilo tradicional das antigas igrejas a que pertenciam. Isso mostra que mesmo participando de uma igreja “moderna” que rompe os tradicionais trajes femininos, somos levados a crer que para tais mulheres as vestimentas ainda constituem um aspecto importante na afirmação da sua identidade e traduzem um comprometimento maior com sua fé religiosa. Não é a toa que as mulheres dos setores populares acabam tendo uma maior participação no trabalho de evangelização.

A dança das igrejas

Nesta nova fase do pentecostalismo outra mudança ocorre, dessa vez é a entrada dos movimentos corporais nas Igrejas, como dança, gestos, pulos, o que é uma novidade também introduzida pelos neo-pentecostais, não sendo entretanto exclusiva deste grupo. Os Carismáticos também fazem uso desses artifícios. A dança que ocorre durante o período de louvor e adoração que antecede a fala do pastor e está presente também no encerramento dos cultos, é legitimada pela presença na Bíblia Sagrada de um versículo escrito nos Salmos que fala que Daví dançou diante do Senhor. Esta apropriação desta passagem bíblica serve hoje para justificar a dinâmica contida nos cultos neo-pentecostais. Nestes cultos, as pessoas mexem os quadris, dão saltos, batem palmas, levantam as mãos para o alto, abraçam umas as outras, enfim traduzem em gestos o que eles chamam de “alegria do senhor”.

No estudo realizado por Machado (1996:154), ela mostra que a adesão aos grupos carismáticos e pentecostais deve-se em grande parte “à alegria, à espontaneidade, à música, (numa palavra: à emoção) como as características mais citadas [fim da página 206] pelos adeptos para justificar sua participação naquele grupo”.

Uma das formas de lazer das igrejas neo-pentecostais é o movimento Gospel, que é o deslocamento de ritmos classificados como “mundanos”, como rap, axé, rock, dentre outros, para a Igreja. As Igrejas agora adotam baterias, contrabaixo, guitarras, etc.; e acrescido a isso vem a dança. Os cultos são muito animados com palmas e danças, movimentos copiados de ambientes não-evangélicos.

Dentre todas as proibições a que os evangélicos são submetidos está a de participar de festas profanas, isto é, de festas realizadas fora da igreja, com grupos musicais “do mundo”, que não trazem em suas músicas nenhuma referência a Deus. Até bem pouco tempo também eram vetadas nas igrejas evangélicas a manifestação física dos fiéis, e ritmos considerados quentes, agitados.

Porém hoje, com a chegada das igrejas neo-pentecostais, os cultos abriram espaços para a dança e para os ritmos variados. Mais do que isso, tais igrejas cederam espaços para festas tipicamente profanas como o carnaval, copiando o estilo, e o ritmo, mudando somente as letras das músicas, buscando conferir um novo significado para tal festa. Eles resgataram para o campo evangélico toda aquela alegria e expressão corporal do carnaval. Um exemplo bem próximo disso é a Primeira Igreja Batista de João Pessoa, que coloca nas ruas todos os anos durante o carnaval fora de época – Micaroa - um trio elétrico com banda evangélica, no bloco chamado Jesus é bom a bessa, que arrasta um grande número de crentes, que dançam e pulam louvando ao Senhor.

Lembremos novamente Durkheim (1989:68) quando este determina a existência de uma religião a partir do instante em que há uma separação entre a esfera do sagrado e a esfera do profano. Não deve haver aproximação entre as duas esferas, e não impunemente o profano pode tocar o sagrado. Para haver comunicação entre os dois é necessária a observância de rituais, e uma eventual aproximação os faz perder um pouco de sua natureza própria. Os ritos então ocupam o lugar de regras de comportamento que prescrevem a forma pela qual deve o homem comportar-se diante das coisas sagradas. Nesse sentido, as crenças religiosas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas e as relações que essas mantém entre si e com as coisas profanas.

Partindo desta idéia de Durkheim, é necessário à toda Religião portar elementos que permitam a separação entre as esferas sagrada e profana. Quando os neo-pentecostais vão para o território do “inimigo ou diabo”, durante uma festa de carnaval, mesmo com o nobre pretexto de evangelizar, eles na verdade estão (de acordo com o pensamento de Durkheim), durante esta aproximação perdendo um pouco da sua natureza própria. As músicas passam a ser o único elemento distintivo desses dois universos.

A emoção do canto no culto

Um forte traço distintivo dos cultos neo-pentecostais é a importância atribuída ao canto e a música. Os cantos, como já assinalamos anteriormente, são acompanhados de diversos instrumentos como guitarras, baixo, baterias, teclados, percussão, e outros; e conduzem as manifestações físicas como a dança. [fim da página 207] O estilo da música é também bastante diversificado: “o culto pentecostal apresenta-se como uma alternância de cantos e palavras (preces, lamentações, pregações, bênçãos, coleta, informações)” (Cortém, 1996: 60).

O canto é responsável pela elevação do clima emocional. Já lembramos que os cultos neo-pentecostais são carregados de emoção. Como observara Cortém, (1996:61) “(...) o canto contribui para fazer do culto um ‘acontecimento’; às vezes é apenas uma fachada, às vezes polariza a emoção”. Em tais cultos, o pastor é o responsável pela emoção que deve despertar na Igreja. Através da sua pregação, ele opera como mensageiro de Deus, podendo assim falar em seu nome, como se Deus se fizesse presente e falasse para todos.

A ordem do culto pode ser perturbada a qualquer momento pelos gritos de ‘aleluia’; ‘glória a Deus’; ou ‘glória’; de acordo com a importância que se dá ao que está sendo dito pelo Pastor. As igrejas parecem ferver nestes momentos, isso contribui para fazer do culto um acontecimento emocional.

O fiel que assiste a um culto sai carregado de ‘um acontecimento’ da mesma maneira como quando sai de uma peça de teatro: “O fiel não sai com a única satisfação do dever cumprido mas com a impressão de ter assistido/ participado de um acontecimento” (Cortém, 1996: 62).

Registramos aqui a formação de um novo ethos, a partir da absorção dos novos ensinamentos. Este rompeu com uma longa tradição, modificando os costumes e a percepção das coisas. Evoluiu, diríamos assim, acompanhando as mutações em ato na sociedade. As principais instituições sociais como a Família, o Estado, e a Igreja, sofreram modificações. A Religião não poderia a isso fugir, e se renova, dá forma a uma bricolagem, com recortes variados, pescados nas antigas crenças, misturando crenças ocidentais com crenças orientais, adequando ainda as necessidades econômicas de um mundo globalizado. A religião é hoje reconhecida como fator relevante da mutação social, como também política, que está rapidamente mudando o rosto do mundo contemporâneo.

Referências Bibliográficas


Notas

1) Professora do Departamento de História do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Mestre em Sociologia pelo PPGS-UFPb (Campus I - João Pessoa).

2) O neo-pentecostalismo é um movimento religioso que surgiu nos Estados Unidos no começo dos anos 40, porém só foi reconhecido com movimento doutrinário constituído nos anos 70. Este ramo tem se alastrado muito nos últimos anos, fato que se deve aos ensinamentos sobre prosperidade.

3) A título de exemplo, citamos a Assembléia de Deus, que vem conseguindo o feito de não ter "aberto as portas para o mundo".

4) Refere-se à morte redentora de Cristo na cruz, para salvar o mundo do pecado.





RESUMO
RELIGIÃO E MUTAÇÃO:
UMA ANÁLISE SOBRE MUDANÇA DE ETHOS NO UNIVERSO PROTESTANTE


Este texto enfatiza o processo de formação de um novo ethos no âmbito da religiosidade, tomando como foco de análise uma nova tendência que parece redefinir os ideais teológicos: o neo-pentecostalismo.
PALAVRAS-CHAVE: religião; ethos, mudança.

RÉSUMÉ
RELIGION ET MUTATION:
UNE ANLYSE SUR L'ETHOS DANS L'UNIVERS PROTESTANT


Cet article accentue le processus de formation d'un nouvel ethos dans la compétence de la religiosité et prend comme centre de l'analyse une nouvelle tendance qui paraît redéfinir les idéaux théologiques: le neo-pentecostalism.
MOTS-CLÉS: religion; ethos; changement.



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Número 16 - set/2000  |   Universidade Federal da Paraíba  |  Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFPb


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modificado pela última vez em 01 de setembro de 2001, por Carla Mary S. Oliveira.

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