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ARGENTINA-78 UM TÍTULO A QUALQUER PREÇO
Ano: 1974. Perón havia morrido. Uma total instabilidade política tomou conta da nação argentina. A triste conseqüência foi um golpe militar que implantou umas das mais sanguinárias ditaduras de que se tem notícia, tendo à frente da Junta Militar o General Jorge Videla. Uma ampla reação contra esse estado ditatorial desencadeou uma forte pressão popular e internacional, em particular após a posse de Jimmy Carter nos EUA e sua política de direitos humanos. Era a época das famosas "Madres de Plaza de Mayo", a clamar pelo paradeiro de seus filhos desaparecidos (era voz corrente que para sumir com os corpos dos torturados, eram eles jogados de avião em pleno Atlântico). Esta era a época, também, de um empobrecimento generalizado do país, exceção feita aos capitalistas e banqueiros, e de um endividamento externo sem limites. Acho que já vimos esse filme antes. Esses fatos nos conduzem a 1970, com a forte intromissão do poder militar em nosso país em busca da conquista do Tri, o que, entre outras coisas, veio a causar a renúncia do então treinador João Saldanha. Mas, como todas as ditaduras que se prezam (e elas se prezam?), havia a necessidade de distrair a opinião pública interna e externa com um grande feito. "Panem et circenses" estava por trás da idéia arquitetada nos porões do regime. Haveria algo melhor do que uma grande conquista no futebol para atingir tais objetivos? O genocídio poderia, após uma Copa bem organizada e vitoriosa, prosseguir com menores repercussões negativas. Afinal, a Argentina seria Campeã Mundial e o resto, bem , o resto seria o resto. Não foi nada fácil vender a idéia de sediar um Mundial na Argentina. A pressão internacional, o isolamento político do país, a difícil conjuntura econômica e os aspectos mais cruéis do regime estavam muito vivos na mente de todos. A direção da FIFA não estava inclinada a ceder. O pleito só se tornou viável com uma trégua e um "entendimento" entre os militares e a guerrilha, que se comprometeu a um congelamento de ações enquanto durasse a Copa. E, no entanto, pouca gente sabia que o maior centro de detenção e tortura do regime estava a apenas 1.000 metros do palco para o qual se planejava a grande festa. Esta Copa seria assistida pelo mundo inteiro, ao vivo e a cores, via-satélite pela televisão (como jogar fora esta enorme audiência?). Por outro lado, era o último Mundial a apresentar apenas 16 seleções. Na outra Copa já seriam 24 os participantes. A Inglaterra estava fora, eliminada pelos italianos de Bearzot. A Holanda estaria presente com sua já conhecida Laranja Mecânica, porém sem Cruyff, que havia renunciado à seleção após desentendimentos internos. A França também diria presente. A forte URSS fora derrrotada nas eliminatórias pelos húngaros, bem como a então campeã européia, a Tchecoslováquia, eliminada pela Escócia. O Brasil, do teórico e inovador Cláudio Coutinho, daria o ar de sua graça. A grande surpresa foi a eliminação do Uruguai pela inexpressiva Bolívia (que mais tarde seria também eliminada). O Perú, em boa fase, participaria e seria o pivô de um fato, para dizer o mínimo, muito controvertido, como veremos mais adiante. Cesar Luís Menotti foi mantido no cargo de técnico da seleção. "El Flaco" ("O Magro"), como era conhecido e que já ocupava o cargo há quatro anos, vinha traçando um plano especial de ação que se baseava nos jogadores de que dispunha e daí formaria sua equipe com base neste potencial humano. Assim foi que, contra muitos, contava principalmente com a escolha de Fillol no gol, na zaga Olguín e Galván (muito impopulares), e principalmente com a garra e a liderança de Passarella, chamado de "el delfin de Menotti". No meio, tinha escolhido Ardilles (o povão queria J. J. López) e Gallego. Na frente, Kempes, goleador de fama na Espanha. Em torno desses nomes, construiu seu esquema de jogo. Assim, estava formada uma equipe bem ofensiva, porém algo irregular segundo outros. Tinha, no entanto como característica principal uma garra fora do comum em busca de um objetivo único e tão sonhado: dar o primeiro título mundial à Argentina. Como técnico, Menotti havia levado o modesto Huracán ao título de campeão argentino de 75, o que muito pesou para sua indicação definitiva como técnico da seleção. Viria a dirigir, mais tarde, outros times nacionais e europeus. A Argentina foi sorteada para o Grupo A, na 1a fase da Copa. Enfrentou a Hungria, vencendo com alguma dificuldade por 2x1, gols de Luque e Bertoni para os da casa. Em seguida, enfrentou a França, ganhando pelo mesmo placar, gols de Passarella e Luque. A seguir, perdeu para a Itália por 1x0. Todos esses jogos foram realizados no "Monumental de Nuñes". Cabe aqui uma observação: enquanto as outras seleções eram forçadas pela tabela a grandes deslocamentos para seus jogos, a Argentina viajaria apenas 618 km (Buenos Aires-Rosario-Buenos Aires, o equivalente a 1 hora de avião). Só para se ter uma idéia, O Brasil se deslocou 4.659 km, o Perú 3.759, a Holanda 2.521 e a Alemanha Ocidental 2.130. Nada mais é preciso dizer Assim mesmo, os argentinos terminaram em 2o lugar no grupo, atrás da seleção azzurra. Na etapa seguinte, a Argentina derrotou a invicta Polônia por 2x0, dois gols de Kempes, com grande atuação de Fillol. Nesta partida, despontou internacionalmente a consagrada figura do artilheiro Kempes. Menotti declarou que eata consagração "foi uma homenagem ao velho e querido futebol argentino". Depois veio a tão esperada disputa com os brasileiros. Foi um jogo muito tenso, em que os dois times, em vez de querer vencer, não queriam perder. O Brasil, pouco a pouco, conseguiu dominar o jogo, porém sem conseguir abrir o marcador. Foi um jogo violento, que ficou conhecido como "a Batalha de Rosario". Resultado: 0x0. Para terminar esta fase, um capítulo à parte: a surrealista partida entre a Argentina e o Perú. Na verdade, foi o jogo mais comentado do Mundial, a despeito da grande final que viria depois. Jornalistas presentes afirmaram que cada jogador peruano teria recebido US$ 10.000 para, digamos, não se esforçarem em demasia. O fato é que, embora nada tivesse sido provado, a Argentina teria que vencer o Perú por uma diferença de quatro gols para se classificar para a final em lugar do Brasil, que vinha invicto e assim continuaria até o fim. Resultado: Argentina 6 x 0 . Restou ao nosso time disputar e conquistar o 3o lugar contra a Polônia. Nesta partida, com a taça exposta à beira do gramado, a torcida portenha presente gritava, gozando os brasileiros em coro: "La Copa, la Copa, Brasil la mira y no toca". Mas voltemos ao Perú. No início da partida até que os peruanos tiveram boas chances, mas não souberam convertê-las em gol. Com o passar do jogo, o que se viu foi um passeio argentino em campo. A defesa peruana mostrava uma irritante, estranha e incrível lentidão e apatia. O goleiro Quiroga, argentino de origem e até então uma revelação no Mundial, teve uma atuação bisonha. Deu no que tinha que dar: Argentina 6x0, como poderia ter sido uma vitória por 7, 8 ou 9 gols. Após a partida, Mario Kempes disse que "quem fala que o Perú facilitou as coisas, não merece respeito. Uma declaração dessas só pode partir de alguém que não acompanhou o jogo ou de alguém com o coração cheio de rancor Sabíamos que não seria fácil vencer Quiroga quatro vezes . Mas foi tudo sem trapaças, com muita força em nossas almas". O goleiro peruano Ramon Quiroga, por sua vez, disse apenas: "caímos de pé" Para a grande final se enfrentariam Argentina e Holanda. O dia: 25 de junho. O Monumental de Nuñes transbordava de gente, com quase 80.000 espectadores. Juiz, o italiano Gonella. A Holanda vinha sem Cruyff, mas ainda era um grande time. Estava sendo agora dirigida pelo técnico austríaco Ernst Happel, sucessor de Rinus Michels. Iniciada a partida, acompanhemos o primeiro gol argentino nas palavras emocionadas de seu autor, Mario Kempes: "Luque me passou a bola. Dei uma arrancada, entrei na área, o goleiro saltou em cima de mim e comecei a cair. Num último esforço, consegui tocar na bola. Foi gol. Nunca em minha vida escutei um estrondo como esse. O gramado tremia!". Argentina 1x0. A Holanda reagiu e começou a pressionar os argentinos. Fillol operou verdadeiros milagres, como excepcional goleiro que era, fazendo defesas impossíveis em dois arremates, um de Rep e outro de Resenbrink. Até que, poucos minutos antes do fim, num cochilo da defesa argentina, Van de Kerkhof entrou livre pela direita e centrou para a cabeçada certeira de Nanninga. Estava empatado o jogo. Um silêncio mortal dominava o estádio quando, no último minuto, o holandês Resenbrink ainda acertou a trave de Fillol. A partida foi para a prorrogação. Então, em uma de suas jogadas peculiares, Kempes assinalou Argentina 2x1. Logo após, em uma troca de passes entre Bertoni e o mesmo Kempes, este deu cifras definitivas ao jogo: Argentina 3x1, Campeã Mundial. Terminada a partida, Krol, o grande líbero e o melhor jogador holandês em campo, elegantemente declarou: "Foi uma luta entre homens, perfeitamente limpa". O técnico italiano Bearzot dizia antes do jogo que "o futebol da Holanda é o melhor dos últimos dez anos. Não me refiro a esta equipe holandesa ou à que participou da última Copa, mas ao estilo, à mentalidade, a seu futebol completo". Menotti diria também que: "eles (os holandeses) têm duas coisas fundamentais: a pressão na marcação e a contínua fabricação de espaços. A Holanda é a mesma, só que já não surpreende como na Alemanha em 74".
A Argentina entrou em campo com Fillol; Olguín, Galván, Passarella e Tarantini; Ardilles e Gallego; Bertoni, Kempes, Luque e Ortiz. A Holanda alinhou Jongbloed; Jansen (Suurbier), Brandts, Krol, Poortvliet; Haan, Willy van de Kerkof e Neeskens; René van de Kerkhof, Rep (Nanninga) e Resenbrink. A Argentina foi campeã com 5 vitórias, 1 empate e 1 derrota, 15 gols-pró e 4 contra. Artilheiro do Mundial: Kempes, com 6 gols.
A campanha da Argentina em números:
Os grandes destaques argentinos foram o goleiro Fillol, o artilheiro Mario Kempes, o líder e capitão Daniel Passarella, o lateral-esquerdo Tarantini, o meio-campo Ardilles e o ponta-direita Bertoni. Deles apresentamos alguns traços biográficos. Daniel Passarella, zagueiro e capitão nas Copas de 78 e 82. Tinha uma raça extraordinária e exercia enorme influência perante seus companheiros. Foi bi-campeão mundial na Copa de 86, como reserva. Jogou no River Plate de 74 a 82 e ganhou quatro campeonatos argentinos. Atuou, também, pela Fiorentina e pelo Internazionale (Itália). Voltou ao River, de 88 a 89. Assinalou em sua carreira um recorde de gols para um zagueiro: 97. Foi três vezes campeão argentino, quatro vezes campeão metropolitano e duas vezes campeão mundial (78 e 86). Atualmente é técnico de futebol. Jogou três Copas: 78 (campeão), 82 e 86 (bi-campeão). Mario Kempes, ponta de lança, artilheiro e a maior figura da Copa com 6 gols, Jogou, também, na Copa de 82. Estreou na seleção em 73. Atuou pelo Rosario Central, Valencia (Espanha) e River Plate. Campeão da Copa da Espanha pelo Valência (79) e da Recopa Européia (80). Encerrou sua carreira na Áustria. E ainda: Ubaldo Fillol, excelente goleiro, atuou pelo Quilmes, Racing, River Plate, Atlético de Madrid e Flamengo, entre outros.. Foi eleito melhor jogador de futebol da Argentina em 1977. Alberto Tarantini, lateral-esquerdo, muito técnico e combativo. Durante a Copa não atuava em nenhum clube, pois estava em litígio com seu time, o Boca Juniores. Jogou no River Plate, Boca Juniores, Birmingham City (Inglaterra) e terminou sua carreira na França. Osvaldo Ardilles, o cérebro da equipe. Armador, se deslocava pelo campo inteiro, apesar de sua aparente fragilidade física. Campeão argentino pelo Huracán de Menotti, encerrou sua carreira no Tottenham Hotspurs (Inglaterra). Atualmente é técnico. Daniel Bertoni, ponta-direita revelação dos anos 70. Jogou no Independiente Avellaneda, no Sevilla (Espanha), no Napoli, na Fiorentina e no Udinese (Itália).
O ESQUEMA TÁTICO
O esquema tático argentino era uma variação entre o 4-4-2 e o 4-3-3, dependendo do andamento do jogo. O forte do time argentino era a marcação cerrada homem a homem, sobressaindo-se aí a figura de Passarella, quase um líbero, jogando na sobra. Tinha dois companheiros de zaga fortes e técnicos, Olguín e Galván, além do lateral-esquerdo Tarantini, mais livre para partir em apoio ao ataque. No meio-campo, Ardilles, o dínamo da equipe, com Gallego firme na cobertura de seus avanços e na proteção à zaga. O ataque apresentava dois pontas rápidos e dribladores, Bertoni e Ortiz. Na finalização, o grande Kempes, coadjuvado por Luque, que surgia um pouco mais de trás. E como não esquecer a tranquilidade que transmitia ao time o goleiro Fillol? Menotti formou sua tática a partir das características dos jogadores de que dispunha, e não de idéias pré-concebidas ou de táticas novas. Conseguiu formar uma equipe dura na marcação e, quase sempre, muito ofensiva. Afinal, perguntarão alguns: a Argentina de 78 foi ou não uma grande equipe? Temos que levar em conta que era uma seleção pensada, planejada e trabalhada para um único grande evento: a Copa do Mundo. Passou por momentos menos brilhantes, mas, quando necessário, superou-se, apresentando um futebol extremamente competitivo. Houve favorecimentos, é claro. Mas não podemos envolver estas benesses extra-campo com a equipe, porque seus bravos jogadores enfrentaram na final nada menos do que a Holanda e ganharam a Copa com méritos. Com que impressionante garra jogaram Como disse François Thebaud, crítico do Mirroir du Foot-Ball: "A Argentina mereceu o título, em especial porque com isto quem lucrou foi o futebol ofensivo". Após a conquista, o técnico Menotti declarou entusiasmado e orgulhoso: "Hoje, mais do que nunca, temos que pôr em prática o ideal que moveu este conjunto de homens". É em homenagem a este espírito de luta e a este insuperável ideal de vencer, que dedicamos estas linhas à equipe argentina. Pena que os maiores louros e o saldo positivo da conquista tenham ficado em mãos da ditadura. Afinal, era um título para ser ganho a qualquer preço. ******************
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