Nesse meio tempo, foi professora, escritora e romancista.
Foi descoberta por Carlos Drumond de Andrade.
ADÉLIA
PRADO nasceu em Minas Gerais, em 1936. De lá para cá, teve
5 filhos, publicou 8 livros e deve ter plantado muitas árvores...
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta,
anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta
espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios
que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou feia que não
possa me casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza
e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto
escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos - dor
não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil
avô.
Vai ser coxo na vida é maldição
pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Dona doida
Uma vez, quando eu era menina,
choveu grosso, com trovoada
e clarões,
exatamente como chove agora.
Quando
se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os
últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai
escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho
de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta
anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher
que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha
infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei
doida no encalço.
Só melhoro quando chove.
A maçã no escuro
Era um cômodo grande, talvez um armazém antigo,
empilhado
até o meio de seu comprimento e altura
com sacas de cereais.
Eu estava lá dentro,
era escuro, estando as portas fechadas
como uma ilha de sombra em meio do dia aberto.
De uma
telha quebrada, ou de exígua janela,
vinha a notícia
de luz.
Eu balançava as pernas, em cima da pilha sentada,
vivendo um cheiro como um rato o vive
no momento em
que estaca.
O grão dentro das sacas, as sacas dentro do
cômodo,
o cômodo dentro do dia dentro de mim
sobre
as pilhas dentro da boca fechando-se de fera felicidade.
Meu
sexo, de modo doce, turgindo-se em sapiência,
pleno de
si, mas com fome,
em forte poder contendo-se,
iluminando
sem chama a minha bacia andrógina.
Eu era muito pequena,
uma menina-crisálida.
Até hoje sei quem me pensa
com pensamento de homem:
a parte que em mim não pensa
e vai da cintura aos pés reage em vagas excêntricas,
vagas de doce quentura de um vulcão que fosse ameno,
me
põe inocente e ofertada,
madura pra olfato e dentes,
em
carne de amor, a fruta.