Entrevistada Art_Lit_Psi


Na sexta-feira, dia 24/04/2000 encontrei-me com o Dr. Jorge Forbes, psicanalista, psiquiatra e analista membro da Escola Brasielira de Psicanálise e da Escola Européia de Psicanálise em seu consultório aqui em São Paulo.

Sala espaçosa, muitas janelas, livros, a mesa cheia de papéis e objetos.

Nos sentamos, empurrei alguns destes objetos para poder me acomodar e vê-lo do outro lado da pilha de papéis e livros. Sorridente e agitado, começou logo a falar, ocupando-se de várias coisas ao mesmo tempo.

Falamos sobre uma nota que escrevi para a Dora On-Line n. 9 ( Notícias, idéias e textos da Escola Brasileira de Psicanálise-São Paulo e do Instituto de Pesquisas em Psicanálise de São Paulo, publicada na lista Veredas) e pude escutá-lo novamente falar da luva que brilha denunciando a excitação do
usuário, desenvolvida pelo Media Lab em uma "tentativa de catalogar as emoções e as respostas
sobre a nossa existência", que, assim como um
espelho, possibilitaria o reconhecimento de si através de um Outro. Isto, entre outros assuntos, casos e conselhos, ditos e gesticilados com entusiasmo e generosidade intelectual que lhe são característicos. Sabem essas pessoas que não economizam palavras, que dividem o que sabem, falando com emoção, sem medo de dizer o que pensam? Pois, é. O Jorge é assim.

E é por isso tudo, além da sua grande capacidade de transformar assuntos densos e difíceis em algo mais humanamente compreensível, ora traduzindo "lacanês" em "cybernês", ora comentando um filme ou poema, cantando um pouco tímido ou contando piada, que seus seminários e cursos estão sempre tão cheios e que a Art_Lit_Psi o escolheu para inaugurar a seção Entrevista.

Com o gravador na mão, anda pela sala, respondendo às questões de nossos entrevistadores. Sigo seus movimentos com o olhar, apenas escutando-o dirigir-se à Darlene Menconi, Vera Besset, Getúlio Amaral e Diana. Concentrado, responde pausadamente, prestando atenção em cada palavra, eu diria até com um pouco do estilo do "mestre", Lacan, quando o vemos falar no filme Televisão, gravado para a tevê francesa em 1974 .

Mas, diferentemente deste, que olha nos olhos dos telespectadores através das câmeras, Dr. Forbés, como é chamado pelos francófones ou "Ror-re", para os hispanofônicos mais íntimos, busca sua inspiração no céu de São Paulo, olhando a paisagem paulistana.

Respondida a última questão, pergunta se é só. Acabou? O tempo passou mesmo tão rápido! Vê-se que ama seu trabalho: o prazer em dividir seus conhecimentos e opiniões não lhe cansa.

Obrigada Jorge, também não nos cansamos em ouvi-lo e aprender contigo!

Polá Scalzo

 

Fiquem então com suas palavras, aqui transcritas com a ajuda de sua secretária executiva Mônica Waage, a quem agradeço pela gentil colaboração.


Com vocês:

Darlene Menconi, Vera Besset, Getúlio Amaral, Diana, Luciene de Mélo Paz

e nosso entrevistado,

Jorge Forbes!


O Pós-moderno e a Formação de Grupos


Caro Jorge Forbes

A tentativa de fornecer a saúde um enfoque biopsicossocial remonta os anos 60 e 70, onde se cristaliza o encontro entre o social e o psicológico.
Tempos de um apogeu de todas as formas de grupos possíveis: terapias grupais, dinâmicas de grupo, comunidades terapêuticas, movimento "hippie", movimento universitário, movimento operário, cabelos em desalinho, roupas de contornos irregulares , cores extravagantes, rebeldia e domínio do público sobre o privado. Hoje temos: tons pastéis, cabelos curtos lisos e penteados, gel, tudo clean, ordem, o privado em evidência e os únicos grupos que vejo proliferar são os casais e jovens, com Cristo. No que se refere a saúde a demanda é de Interdisplinaridade, algo de certa forma
impossível porque não se consegue juntar pessoas de várias disciplinas, em torno de um tema ou questão. Na sua opinião, o que inibe, nos tempos atuais, as formações de grupos?

 

Agradeço antecipadamente sua atenção

 

Um forte abraço

 

Luciene de Mélo Paz
Psicanalista- Membro aderente da Delegação Geral - Campina Grande - Pb
Professora da Universidade Estadual da Paraíba - UEPBVera Lopes Besset

 

Cara Luciene,

Nossos tempos pós-modernos desestruturam a maneira de fazer grupo, vertical e hierárquica, dos tempos industriais.

Hoje, o prazer da descoberta, através do outro, deve sobrepujar o dever militar da ordem unida. Se não for por prazer e para realizar algo que valha a pena, para que ficar juntos ? Leio, no momento, alguém que se debruçou muito sobre essa sua questão : Antonio de Masi. Dê uma olhada em seu livro : "A emoção e a regra"(Ed. UNB). De Masi e colaboradores apresentam um estudo de 13 grupos criativos, que fizeram história, de 1850 a 1950. Há o que se aprender aí.

 

Também um forte abraço,

 

Jorge Forbes


Psicanálise e Universidade


Caro Jorge,

Gostaria de saber sua opinião atual sobre as relações entre a psicanálise ema universidade. Pelo que sei, você contribui de alguma forma para que se faça alguma parceria nesse campo, pela via de um acordo entre o Instituto e a USP.
Ouço com uma frequência bastante irritante, em nosso meio, crítica ao "discurso da universidade", ou à universidade "tout court". Ao mesmo tempo, constato uma procura cada vez maior de formação universitária por parte de colegas do mesmo campo. Penso que a questão se colocaria melhor se
pensássemos na pertinência dos discursos em relação a seus lugares de atuação. Interessa-me saber o que você pensa sobre a pesquisa da psicanálise na universidade, quando temos psicanalistas/pesquisadores trabalhando teoricamente questões da clínica, no meu caso, dentro da proposta Freud com Lacan. O que tem a universidade, hoje, a oferecer à psicanálise, seria esta a minha pergunta.
Agradeço desde já sua atenção e sua resposta.
Abraço grande,


Vera Lopes Besset

psicanalista, membro da EBP; Doutora (Paris V), professora do Mestrado e Doutorado em Psicologia do I.P./UFRJ

 

Cara Vera, é verdade que, como você, me interessa muito o que podemos trabalhar na interface psicanálise e universidade, zona bastante conflitada. O fato de notarmos as dificuldades não deve, a meu ver, abalar a vontade de prosseguir nesse trabalho. A psicanálise pode contribuir com a universidade descompletando a tendência universitária ao reconhecimento só do que é igual ao padrão, à consagração do saber, à sacralização dos títulos. A universidade, por sua vez, pode contribuir com a psicanálise na exigência da teorização articulada, na solicitação de rigor, no cuidado da exposição e da publicação. A pesquisa em psicanálise me parece importante desde que lembremos que existem outros métodos de pesquisa além dos empíricos, tão valorizados pela psiquiatria biológica e que dificilmente se adequam às características psicanalíticas. Acrescentaria que podemos notar, nesse momento, uma tendência de muitas pessoas procurarem a universidade como um lugar de garantia de formação analítica. É comum ouvirmos dizer que frente às contínuas dissenções, brigas, confusões, ataques, nas instituições analíticas, é mais seguro o velho navio universitário que melhor atravessa os mares revoltos. Aí vejo um problema, pois a universidade ao se oferecer como garantia analítica, o faz excluindo exatamente o fermento fundamental da psicanálise : a sua virulência, o "não saber", enfim, o real, que não tem nada de universitário.


Culpa X Responsabilidade,

Industria Farmacêutica e

Infelicidade Eterna


Caro Jorge Forbes,

Ao trocar a palavra culpa por responsabilidade, qual o impacto q o senhor prevê sobre o analisado, especialmente no Brasil, onde a maioria católica cultiva a culpabilidade dos atos humanos simbolizada de forma máxima no assim chamado "pecado original"?

Cara Darlene, reproduzo aqui um trecho a que talvez você faça alusão na sua pergunta, aonde eu explicito o que penso da relação culpa e responsabilidade, na página 12 do meu livro "Da Palavra ao Gesto do Analista", publicado no ano passado pela Editora Jorge Zahar. Eu digo ali : "A psicanálise lacaniana substitui a culpa pela responsabilidade. Ela responsabiliza a pessoa pelo seu desejo. É uma responsabilidade que se prova, não por se fazer bem um dever, mas pelas conseqüências que alguém pode inscrever no mundo em que vive. Se Freud e Lacan são o que são, é porque se responsabilizaram por seus desejos, marcaram alguma coisa com seus nomes. Aquele que se responsabiliza por seu desejo faz um nome próprio. O culpado só é culpado em nome do Outro. A culpa se apresenta ao Outro, a Deus, ou à justiça dos homens." Eu espero que a prática da substituição da culpa pela responsabilidade, no Brasil, faça com que as pessoas exerçam uma cidadania mais conseqüente, uma vez que ao se responsabilizar por aquilo que se quer, vai-se além de uma posição de queixa expectante e dependente. Se erramos não é porque somos pecadores desviados do bom caminho do céu.


Como o senhor analisa o atual momento histórico, em que vemos de um lado a psicanálise completando seu primeiro século e de outro, a industria farmacêutica atingindo seu apogeu ao fabricar pílulas para sanar os males da alma, como a depressão?

Nos últimos vinte anos a indústria farmacêutica, especialmente a dos psicotrópicos, viveu uma expansão notável. Isso por duas razões : uma positiva - pela melhoria dos medicamentos da especialidade - e uma negativa, infelizmente a que mais cresceu, que é decorrente de uma ideologia que na vida "tudo tem remédio". A indústria farmacêutica, através de seus psiquiatras contratados, tal como ficou evidente em fevereiro desse ano, quando o New England Journal of Medicine pediu desculpas a seus leitores por ter descoberto que mais de quinze pesquisas recentes ali publicadas, tinham sido pagas pela indústria, esta indústria, eu dizia, através de seus representantes, tem defendido a idéia que os fundamentos da subjetividade humana, tal como o amor, a tristeza, a atração sexual, as dúvidas existenciais, poderiam ser normatizadas e, em decorrência, qualquer alteração do padrão estabelecido passou-se a considerar uma doença. Dito de uma forma simples, medicalizaram completamente o sujeito, fizeram uma ortopedia do desejo. Penso que este projeto evidentemente não poderia dar certo e acho que a sua falência já começa a ser notada. A psicanálise soube resistir bravamente nesse tempo de contestação e está pronta para acompanhar um novo renascimento das questões fundamentais da humanidade, no qual, a meu ver, estamos entrando.


O senhor aceita a hipótese de que ama-se apenas aquilo que ainda não se tem? A própria natureza humana nos condena a ver cessar o amor toda vez q se consegue conquistar o objeto de prazer. Nosso destino, portanto, é a infelicidade eterna e permanente?

Darlene Menconi

Sub-editora da revista Isto É

Você fala em conquistar o objeto de prazer. A essência do desejo, para a psicanálise, não é a conquista do objeto, mas é se deixar causar por ele. Quando queremos aprisionar o vôo desse pássaro, acabamos estrangulando-o. Mas não vejo isso de uma forma ruim, ao contrário, acho que suportar a surpresa do encontro é entusiasmante. Além de Freud, já falava Isolda : "você é a saudade que eu gosto de ter".


Psicanálise virtual



Estimado Jorge Forbes,

Você com muita propriedade fala-nos do "irresponsável mundo novo". Gostaria que você comentasse à respeito da questão das análises virtuais. Ou seja, sessões de análises que acontecem pela internet. Sabendo pois, que a Psicanálise faz uma leitura da comtemporaneidade e do mal-estar na cultura no lugar de ao-menos-um, a mim me parece que tal procedimento só se coaduna com esta comtemporaneidade que tem um gozo desregrado e que tem nos gadgets o grande fetiche a apoiar o mesmo. Fica uma questão atrelada: se a Psicanálise na época do Freud não se coadunou com atitudes repressoras dos pais, deve ser amesma que nos dias atuais não se coadune com um caráter perverso desta nossa comtemporaneidade. Desejo saber de seu posicionamento a este respeito levando em consideração as implicações éticas que se delineam.
Sem mais, meu forte abraço:

Getulio Amaral Júnior

psicanalista, correspondente da EBP del. Campina Grande/PB.

 

Caro Getúlio, dou minha opinião sobre a análise pela internet. Não acho que seja análise. Pode ser um encontro mas não um encontro propriamente analítico. Pode até ser interessante e-mails entre as sessões mas não no lugar dela. A presença do analista no encontro da sessão analítica parece-me fundamental. Ele representa para o analisando a pedra no meio do caminho da vida de cada um. Quando essa pedra é colocada na Web é muito fácil apertar o "delete".


Quais os passos?


Ola! Me chamo Diana e moro em Francisco Beltrão/PR. No fim do ano presto vestibular para Psicologia, e estou muito anciosa para saber mais sobre o assunto.
Prezado Jorge, me interessei muito por seu site, e mais ainda por suas palavras. Tenho como maior sonho, estudar Psicologia, e gostaria de saber de você, quais os passos que devo seguir, pois estou certa a tempos de que tenho vocação.

Aguardo sua resposta , obrigada.

Cara Diana, siga os passos do seu sonho: entre na Faculdade de Psicologia e, se você quiser ser analista, desde o começo lhe recomendo encontrar um analista para a sua análise pessoal e uma instituição analítica, para seus estudos. Aqui neste site, a coordenadora vive dando dicas a respeito.


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