VI
O Livro da Vida é o
livro da geração dos seres. Nele estão os mistérios da criação e as vozes daqueles
que partiram sem deixar rasto. Nele está a vida para quem o quiser ver.6/1
S Submete-te, e
renascerás. Tal como a espuma do mar nasce das ondas e a água brota das fontes, assim tu
nascerás de ti e farás milagres, pois o milagre é dom da vida e vem com aquele que
vive. Vive no Pai, e serás tu próprio um milagre vivo.6/2
A voz do Senhor ecoa no silêncio da
alma: é preciso escutar. Mas só escuta bem aquele que aprendeu a quietude e a
receptividade. Esse já nada oculta a si próprio e aos outros, esse já nada espera. Tal
ausência torna-o receptivo. O seu milagre está nisto.6/3
VII
Quando a Palavra soar, quem a dirá?
Quem estará atento à passagem do Senhor? Só os justos. A Palavra soará sobre a terra
como um trovão, como um raio de luz, como um sol que repentinamente se descobre entre as
nuvens.7/1
A Palavra cegará todo aquele que a
fitar de frente. Tal como o rosto do Senhor, de tão intenso, ofusca o coração que não
está preparado para o receber.7/2
A sabedoria do homem deve ser a da
Palavra do Senhor, pois fora dela só há iniquidade e arrebatamento no vazio. Fora dela
só há lugar para o caos da descrença e do discurso vão.7/3
Eis porque a Palavra purifica e
emudece aquele que ainda quer fazer concessões ao mundo, e tolerar.7/4
Que só haja lugar para uma coisa
naquele que serve o Senhor: obediência e fusão, para que aqueles que o olham vejam nele
a carne trespassada de luz, a face da eternidade viva.7/5
Ai daquele que só escuta as trevas.
Ai daquele que só escuta a Babilónia dos sentidos. Esse já morreu. E a menos que o
Senhor desça sobre ele e o faça atravessar o limbo, a sua morte não terá
nascimento.7/6
Desconfiai das trevas e das suas
promessas fáceis. Desconfiai dos vossos sentidos, porque eles estão comprometidos com as
trevas e querem a vossa aniquilação.7/7
Desconfiai de todos aqueles que vos
fizerem promessas em meu nome: são as trevas que falam nas suas bocas.7/8
O meu caminho está coberto de
espinhos, e poucos são os que me seguem. Eu nada prometo. Mas quando a minha mão cai
sobre vós, arranca-vos às trevas e vós viveis. Esse é o meu pacto convosco.7/9
Tirar-vos das trevas é a minha
meta. Assim fôsseis dignos. Mas vós preferis a facilidade da morte, a facilidade do
aniquilamento inútil. E a morte vem para vos satisfazer. Enquanto a morte tiver maior
peso sobre os vossos destinos eu não terei lugar aí.7/10
Tereis de escolher entre as trevas e
a luz, entre o dom da vida e o dom da morte. E tereis de vir até mim por vossa vontade,
conquistando cada pedaço de caminho. Só assim tereis lugar na minha tenda, e juntos
poderemos celebrar.7/11
Estais enganados na vossa fé.
Aquilo que amais nada vale. Aqueles que idolatrais, nem para barro os queria, quanto mais
para altar onde celebrar os meus desígnios.7/12
Tereis de despertar. Mas como
acordareis se não houver sofrimento? Far-vos-ei sofrer, para que possais acordar e saber.
Então podereis ver por vós o que se esconde nas entranhas do mundo e amar o que sou (e
vós o sois também), ou o que as sombras querem; mas antes tereis de poder ver.7/13
Eis o que me traz até vós de novo:
fazer-vos ver. E de tudo lançarei mão na tarefa que me propus: até do engano que amais
tão facilmente, até da promessa vã e inútil.7/14
De tudo lançarei mão para vos
seduzir, pois o momento está perto e a hesitação mata aquele que está perto de
mim.7/15
Amais a carne: mas que interessa a
carne? Amais o mundo: mas que importa o mundo? A carne e o mundo são o meu manto: só eu
importo.7/16
É porque só olhais para as trevas,
que vedes a carne e o mundo, e os amais. Olhásseis para mim e veríeis essa carne e esse
mundo como um véu diáfano. Não um limite, mas uma meta, transposta a qual tudo vos
seria possível.7/17
Eis a sabedoria: ver-me em tudo.
Porém só o justo me tem no seu coração como a medida exacta de cada coisa. Tereis de
vos transformar em justos, ou não sereis salvos. E que não haja engano nesse justiça,
pois eu só amo o puro.7/18
Tende cuidado: purificai-vos antes
de me receber, pois eu sou um fogo que ilumina, mas também uma chama que destrói. Ai de
vós se não fordes justos! O meu fogo não se engana.7/19
Se me quereis, transformai-vos em
taças. Taças nuas onde mergulharei para vos preencher. Taças que os meus sacerdotes
erguerão no mistério da comunhão universal entre todos os seres vivos.7/20
Eles vos usarão como canais entre o
meu centro imóvel e a vossa periferia. Eles vos darão a servir, a todos que têm fome e
sede de justiça, da minha justiça. Essa será a vossa purificação e nela estará o meu
contentamento.7/21
Pois para que serve uma taça,
senão para conter o meu espírito? E para que serve o meu espírito, senão para ligar
todos os que me amam numa fraternidade imensa?7/22
Eis o meu mistério. Eis o vosso
mistério. Transformai-vos em taças e eu vos farei canais de mim.7/23
Temeis a morte? Renunciai a ela e eu
vos farei viver em mim. Mas melhor seria que a não temêsseis, e que viésseis até mim
por amor ao que sou. Melhor seria que pudésseis ver nas minhas mãos essa balança
universal que dá a vida e a morte de igual maneira, pois só eu importo.7/24
Ensinaram-vos a separar e
distinguir. Ensinaram-vos a ter medo e o medo transformou-se para vós na semente de tudo
quanto sois.7/25
Medo e trevas, eis o que vejo. E
escondida e velada, a minha luz. É por ela que respondo ao vosso apelo. É em seu nome
que lanço a minha mão sobre o mundo, como um sinal que podeis seguir até mim.7/26
Mas a minha luz está oculta, e em
cada dia mais oculta há-de estar, até que só reste trevas e medo em vós e, levados ao
último medo, tenhais de escolher.7/27
É isso que eu quero para vós. Eis
porque o mundo sofre e agoniza e os homens escolheram o caminho da guerra e da
tribulação. Tudo isso deixei que acontecesse para que alguns possam chegar a mim.7/28
Rasgarei as vossas cortinas de medo
e ilusão, para que possais ver-me, e a Mãe vos receberá no Seu seio, terna e doce uma
vez mais. Ide até ela, caminhai. Em tudo eu estou.7/29
VIII
No ovo está o gérmen, no gérmen
está a vida. A vida é a lição dos homens, a lição que eles devem aprender e
cumprir.8/1
A vida é um livro em branco, onde
cada homem deve lançar as suas derrotas e vitórias. E quando o livro estiver escrito e o
homem realizado, o Senhor há-de colher ambos ao mundo, e acolhê-los em Si.8/2
Através do livro, o homem realiza o
milagre da consciência, o milagre que o leva a transcender a carne e o mundo e a
superá-los.8/3
O livro é como um mapa inscrito
sobre a rota do destino dos seres: olhando-o, e pesando o que há nele de bom e de mau, o
homem sabe o que deve fazer e porquê, como se de uma bitola se tratasse, ou dos pratos de
uma balança, para que da união dos dois surja a unidade e a realização.8/4
O homem que escreveu o seu livro
até ao fim e que agora o traz nas suas mãos para o oferecer ao Senhor, tornou-se
consciente, realizou a transmutação: tornou-se livre.8/5
O mundo é um outro livro por
escrever: livro amplo, onde cabem todas as coisas dos homens e dos deuses. Nesse livro, o
Senhor escreveu a lei fundamental, o mandamento supremo do qual todos os outros nasceram.
Essa lei é a própria vida; vida que significa unidade; unidade que significa mão de
Deus, objectivo e vontade do Senhor.8/6
Que não tente o homem ultrapassar o
seu próprio Deus, sob pena de perecer. Cuidado com o orgulho, cuidado com a vaidade. Sob
a face do Senhor tudo é pequeno e vão.8/7
A mão do Senhor é a vontade dos
homens. O Seu dedo indica-lhes o caminho para a realização: o caminho curto e estreito
que leva aos Seus pés, ao cume da Sua montanha, no cimo da qual arde o fogo branco do
espírito livre. Todos os homens são convidados para esta ceia, para o banquete nupcial
que em cada era abre e encerra o ciclo das coisas.8/8
Nessa hora, o Senhor transforma-se
no pão e no vinho consagrados, e dá-se àqueles que forem dignos. Ou transforma-se em
fogo e devora-os.8/9
Mudados por dentro, feitos
sacerdotes do Deus único, eles regressam ao mundo como profetas, ou santos, ou mártires
destinados ao sacrifício e à oferenda. Neste sacrifício se realizam os seres.8/10
Benditos aqueles que vem em nome do
Senhor! Benditos aqueles que falam pela Sua boca! Benditos aqueles que se transformaram no
Seu bordão, no prolongamento da Sua mão, na continuação da Sua vontade.8/11
Esses conhecerão os milagres e a
realização das profecias. Esses hão-de orar no templo do Senhor, no último momento da
criação e, no momento seguinte, serão pedra do Senhor: a pedra base e cúpula do templo
da criação; ou colunas de sustentação do firmamento.8/12
Em cada um o Senhor há-de inscrever
uma letra, ou um signo, ou um número: e na leitura de tudo isso, para aqueles que o
lerem, estará o código que permite a renovação do mundo e da realidade, a palavra
perdida da criação, o nome escondido do Senhor.8/13
Só há um servo perante a face
desvelada do Pai: todos os restantes são cópias Suas, prolongamentos no tempo e no
espaço (ilusão dos seres), desde sempre destinados à absorção das suas pequenas
chamas numa grande fogueira que arde de uma ponta do universo à outra, e engloba todos os
tempos.8/14
Aí todos entrarão para tornar mais
belo o Senhor, pois Ele alimenta-se desse fogo vivo que os seres, na realização das suas
consciências, vão tornando mais amplo e mais forte, em cada momento que passa.8/15
Tal é o destino para todos e cada
um, tal é a lei que trazemos inscrita na face e no coração. Lei que é o dom de Deus
para as Suas criaturas, já que, enquanto caminhando para o fogo, dele se alimentam
também. Mas se dele se afastassem, mesmo que por um instante, perderiam a vida e o dom da
existência. É a vontade do Senhor, nelas viva, que as alimenta e faz caminhar rumo à
comunhão.8/16
O Senhor plantou uma árvore no
início do mundo: árvore que assinala o centro exacto de onde tudo emanou.8/17
Na árvore, duas energias se
misturam: as celestes e as terrestres. As suas raízes e os seus ramos são grandes e
fortes. Raízes que vão até ao centro do mundo e penetram no fogo vermelho do seu
núcleo; ramos que ascendem até à cúpula do mundo, onde o fogo verde do Senhor nasce e
dimana.8/18
Perante a face do Senhor foi
lançada uma semente de eternidade. Tal semente deu origem ao mundo e aos seres que o
habitam.8/19
Em cada ser o Senhor tem a Sua mão
e a Sua vontade: mão e vontade que os hão-de realizar. Tudo se resume nisso.8/20
IX
Eis a génese dos mundos: do ovo
nasceu a unidade, da unidade a duplicidade, da duplicidade todos os opostos. Com os
opostos veio a fragmentação. Com a fragmentação nasceu o caos. Atingido o máximo da
dissolução que o caos propõe aos seres, virá a luz.9/1
O ovo contém a luz. O ovo contém
as trevas. O ovo é Deus, e Deus é luz e trevas; não os opostos, mas a sua síntese;
não a separação, mas a união de ambos.9/2
Deus estende as Suas mãos sobre a
face do homem: numa vai o perdão, na outra a justiça. Com uma mão Ele abençoa, com a
outra castiga. No fim, junta as duas mãos, como que em oração, e o homem é
reconciliado.9/3
Tal é a verdade de Deus, e, para o
homem, tal é ainda a sua verdade, que ele vive sem consciência, mas vive ainda.9/4
A consciência é como uma pérola
que cresce sem cessar. A pérola cresce no lugar escondido, na caverna obscura, no sanctum
da alma. Cresce alimentando-se da alma. E o ser, pouco a pouco, transforma-se nessa
pérola, transforma-se nessa alma.9/4
Um dia, repentinamente, o ser é só
uma pérola gigantesca, uma alma gigantesca e um brilho derradeiro assinala a sua
transformação.9/5
A vida começa na alma e termina na
pérola. Começa na entrega e termina na rendição. Deus, que participa de tudo isso,
observa e espera. Atingido o máximo da concentração e da entrega, Ele estende a mão e
colhe a pérola acabada de nascer.9/6
Então Ele a sorve, ou a coloca no
centro da Sua testa ou a envia de novo para o espaço, para que ela se transforme no
núcleo de um sol.9/7
Três destinos diferentes, mas uma
só realidade: Deus. Sorvida, Ele a recebe em si e a transforma em integralidade; colocada
na Sua testa, alimentará a Sua visão e enriquecerá o Seu olhar sobre os seres;
arremessada ao espaço, prolongará a vontade do Senhor e fará obra de criação.9/8
Do ovo nasce a possibilidade dos
seres serem o que são: é o primeiro nascimento. Da pérola, nasce a integralidade dos
seres: é o segundo nascimento. No primeiro nascimento, Deus observa e espera; no segundo
nascimento, Deus participa e cala.9/9
Do ovo nasce o mundo e o mundo é
matéria. E a matéria imobiliza os seres e torna estreito o corredor que leva à luz e
mais estreito ainda o corredor que da luz leva ao Senhor.9/10
Do ovo nasce a luz opaca, a luz que
se transforma em matéria, que é matéria. Da pérola nasce a transcendência da carne, a
transcendência da limitação que a carne impõe.9/11
Ovo ou pérola. Duas coisas
distintas na aparência, mas uma só realidade, que começa na forma e termina na origem
de todas as formas: Deus.9/12
Ele próprio, porque uno e central,
idêntico também a esse arquétipo universal, onde todos os pontos periféricos ficam a
igual distância do centro. Ou seja, onde toda a criação (representada pela periferia)
participa directamente da consciência divina (representada pelo centro imóvel).9/13
X
As hostes do Senhor vêm sobre o
mundo como uma lança que um gigante empunhasse: um gigante dos últimos dias. Escondido
na sombra das nossas ilusões, visível e invisível, está o Senhor. Ele usa o gigante
para desbravar as suas veredas e ceifar as vidas que as trevas conquistaram há muito. Ele
usa-o como um mensageiro, para que os povos saibam que a dor chegou, e testemunhem.10/1
No gigante está o nosso temor e a
nossa esperança de redenção, pois ele é a ponte que nos pode unir ao Senhor. Através
dele, formando pactos de sangue, podemos refazer a aliança quebrada, e erguer uma nova
era para o mundo. Mas cuidado, porque no gigante estão também os poderes da morte, e o
caos é forte ali.10/2
Que aqueles que chegarem perto da
fonte da vida saibam que a morte está lá presente, e que as suas faces se misturam. Eis
porque o gigante tem dois rostos, opostos no olhar mas unos em si. E se ele vem para
anunciar a redenção dos povos, vem também para anunciar que nenhum crime ficará
impune.10/3
Quem de nós não terá mácula, nem
algo a esconder da face do Senhor? Cuidado, porque Deus é justo! A Sua lança ergue-se
como uma torre cravada de pólo a pólo, unindo os opostos e tornando a terra una. Mas
onde a Sua mão repousa, um abismo existe, como uma fenda entre mundos distintos, o que
obriga ao salto e à confiança, ou precipitará a queda, se o espírito não for
grande.10/4
Todos são pequenos perante a face
do Altíssimo. Impossível olhá-lo nos olhos sem que as trevas se abatam sobre nós, ou
descortinar nos Seus passos mais do que a força cega do destino.10/5
E, no entanto, se pudéssemos ver,
haveria aí um traçado igual ao das estrelas sobre o céu, pois o Senhor constrói em
cada momento os corpos e os espíritos daqueles que O servem: e todos O servem.10/6
Só aqueles que não têm rosto O
podem olhar sem morrer. Só aqueles a quem Ele tomou a alma O podem seguir sob a borda do
abismo do tempo. Só os Seus profetas, só aqueles que o Seu fogo devorou e reduziu à
essência última, só esses podem suportar a Sua dureza sem perecer; só esses podem
ouvir a Sua voz, bramindo nos desertos do mundo, e decifrar as Suas palavras e dizê-las
aos que estão prontos.10/7
A Palavra do Senhor é como um raio.
Ela ordena o caos e dá início à criação: à criação que levará à luz.10/8
A voz do Senhor é como um trovão
rolando sobre a planície.10/9
O espírito do Senhor é como um
fogo sem brilho e sem calor, mas tão intenso, que cria a escuridão naquele que O olha de
frente e não sabe ver.10/10
A mão do Senhor é como um vento
tempestuoso, um vento de ciclone que arrasta, e não consente senão a rendição.10/11
O amor do Senhor é como uma
metamorfose súbita e total, onde o ser passa dos extremos ao núcleo fundido, e se
transforma em rocha sólida, para que Ele possa fundar o Seu templo.10/12
A vontade do Senhor é como uma
explosão que, partindo do centro para a periferia, nada deixa intacto.10/13
Tais são os milagres que o Senhor
opera naqueles que se lhe entregam de corpo, alma e espírito; milagres que os néscios
julgam ser a mão do destino, ou do acaso, quando atrás de ambos está Ele, o
Inominável, Aquele que não tem nome nem rosto.10/14
Só os devorados, só os ungidos O
podem olhar de frente, olhos nos olhos, e não ter medo. Mas para esses o mundo e a
realidade do mundo são uma só coisa, e tudo isso não é mais do que o verbo do Pai em
contínua progressão.10/15
Quem poderá determinar a rota do
infinito? Deter o mundo é tarefa vã, a menos que o Senhor o ordene. Antes entrar em
sintonia com Ele e testemunhar sobre o altar do sacrifício, para que o nosso gesto não
seja fútil.10/16
XI
O espírito do Senhor vigia. Do cimo
da Sua montanha, visível e invisível, Ele vigia o mundo e aqueles que O buscam.11/1
Para esses, Ele prepara armadilhas e
labirintos e paixões da carne, para que as provas purifiquem e encaminhem (ou afastem) o
candidato, pois é certo, e foi dito, que muitos serão os chamados, mas poucos os
escolhidos.11/2
O mundo é uma peneira que estreita
a sua malha consoante aquele que busca e o grau da sua busca, para que nada passe que não
tenha valor; para que nada chegue perto do Senhor sem o Seu selo.11/3
Estreita é a porta que conduz ao
Senhor, e mil vezes mais estreita é a porta que conduz do Senhor ao Seu mundo, para que o
espírito seja consumido.11/4
Há duas fogueiras: numa consome-se
a carne e os sentidos, na outra arde o espírito e a visão de Deus. E a menos que ambas
sejam consumidas e o ser libertado, a realização última não será possível.11/5
Que aquele que começa o caminho
para Deus saiba que até Deus é um limite a menos que seja transcendido e integrado.11/6
Tal é o destino daqueles que foram
até ao fim: queimar todos os ídolos, desmontar todas as armadilhas, olhar para lá de
todos os horizontes, ignorar os lamentos da alma e não ter medo. Porque o medo há-de
vir, e ai daquele que o receber no seu coração.11/7
Deus e o Seu mundo são uma só
coisa e são um labirinto. O mundo é um labirinto físico, Deus é um labirinto
espiritual. No conjunto formam um puzzle de dimensões infinitas, cuja decifração nos
dará a chave do mistério fundamental, a posse da palavra perdida.11/8
Aquele que procura terá de galgar
estes labirintos, terá de ascender acima deles, se os quiser entender, já que o caminho
no solo só pode confundir e iludir, pois o fio de Ariana (ou da alma) tem dimensões
finitas, enquanto que o labirinto tem dimensões infinitas.11/9
Deus é um labirinto cuja
decifração é impossível. A razão humana detem-se antes de conseguir olhar para tão
longe. O pensamento hesita sobre a borda deste abismo que o pode devorar. A solução tem
de ser outra. Aquele que busca o caminho para a totalidade tem de voar tão alto, que a
sua visão se torne indistinta e una, ou não poderá ver o essencial.11/10
O caminho para Deus é o caminho da
transcendência, é o caminho da loucura sagrada, é o caminho da rotura: não há
outro.11/11
Aquele que quer saber o segredo tem
de estar disposto a sacrificar tudo, inclusive a sua ideia de Deus, inclusive a sua
tentativa de O encontrar.11/12
Só no despojamento total, na total
entrega, na total rendição, Deus se torna coisa nossa, parte nossa, tão nossa que não
é distinta.11/13
O homem racional separa e distingue:
é por isso que está dividido; o homem sensorial distingue também: porque as sensações
são diferentes; o homem transcendente não separa nem distingue: porque a sua visão do
mundo é igual à sua visão de todas as coisas em estado puro, e essa visão una tem o
nome de Deus. Ele é a bitola com que pesa tudo, a medida exacta para todas as coisas, o
valor extrínseco e intrínseco que valoriza os seres e o mundo.11/14
Algures, entre os níveis da
realidade, misturando-se em todos eles, a visão do Senhor é a de um braço que segura
uma balança. O homem transcendente é o fiel dessa balança cósmica, é ele que mantém
os pratos em equilíbrio.11/15
O Senhor suspende a balança sobre
os Seus mundos, como uma promessa de redenção. Aquele que O buscou sem descanso, que se
esgotou na busca, fita o alto e vê a balança. E porque ganhou asas na sua busca, eis que
se eleva e toma da mão do Senhor o encargo de pesar as coisas fundamentais.11/16
XII
A verdade do Senhor está na Sua
Palavra: esta Palavra é santa, esta Palavra é o Verbo. Através dos Seus profetas o
Senhor dá-a a conhecer àqueles que a esperam, àqueles que estão em sintonia com Ele.
Ele dá-a a conhecer para que os homens se ponham em marcha e realizem o Seu plano para o
mundo.12/1
Que aqueles que esperam meditem na
Palavra do Senhor: esta palavra é Unidade. Através do profeta João esta palavra veio ao
mundo, para que o mundo a ouvisse e pudesse escolher.12/2
Dois caminhos se abrem àquele que
quer saber: o caminho da salvação (que é o caminho do Senhor) e o caminho da negação
(que é o caminho da carne e da sombra da carne). Por isso o Senhor lançou o Seu fogo
entre os homens, e esse fogo deteve-se sobre um deles, e esse foi o escolhido para
escrever o Livro da Vida, a Palavra do Senhor.12/3
A Palavra do Senhor significa
unidade. Esta unidade nasce do Verbo, nasce da transcendência do mundo e da carne. Que
aquele que percorre os caminhos da montanha medite e entenda.12/4
XIII
Eis o livro há muito esperado. Eis
a Palavra do Senhor pela boca do Seu profeta João, o ungido, o devorado: aquele que pode
olhar o sol de frente sem cegar, e de cuja carne o Senhor fez o Seu cajado, a que se
ampara para percorrer a terra.13/1
Este é o livro que vem encerrar os
quatro que já foram escritos, este é o quinto livro - o do Homem. Assim, aquilo que foi
começado terá um fim, e desse fim um outro começo.13/2
Eis o livro do Homem, eis o livro da
Criança.13/3
Que os escolhidos meditem na Palavra
do Senhor e se ponham em marcha para cumprir os Seus desígnios. Que o Homem acorde e tome
posse da terra e a entregue ao Senhor, pois Dele tudo nasce e a Ele tudo retorna, cumprido
que seja o seu fado.13/4
Esta é a Palavra do Senhor para o
Homem. Ela nasce de boca do Senhor e transforma-se num hino de ascese e esperança. Que a
escutem aqueles que a podem ouvir. Que a escutem aqueles que podem falar Dela a gentes
estranhas, pois a Palavra do Senhor salva e redime e é perdão e arrependimento, ou
justiça para os justos. Que a escutem os puros.13/5
Eis que o Senhor se manifesta de
novo e é João que O dá a conhecer. João, o ignorado, o esquecido, o discípulo oculto,
aquele que ficou até que o Senhor regressasse ao Seu mundo, nos últimos dias. O momento
chegou.13/6
Que os discípulos se ergam e
semeiem a terra com o meu espírito, o espírito da reconciliação. Eis a nova era. Eis a
nova aliança.13/7
XIV
Este é o Livro do Senhor. Para que
a Sua Palavra seja ouvida entre os povos da terra, e estes possam escolher entre o dom da
morte e o dom da vida.14/1
Pelos povos o Senhor veio de novo à
manifestação através do Seu Filho Ungido: o Cristo. Ele o trouxe à manifestação para
que aqueles que esperam não esperem em vão; para que aqueles que seguem a Sua Lei não a
sigam em vão, antes tenham no Seu Filho uma medida e uma meta.14/2
Tudo vem do Senhor. Tudo chega ao
mundo pela Sua mão. A lei dos homens é o reflexo da Sue Lei. O amor dos homens é o
reflexo do Seu amor por eles. Nada existe para o homem que não tenha a sua origem e o seu
fim no Senhor, pois Nele vivemos, temos a nossa existência e o nosso ser.14/3
O Senhor é a base e o firmamento da
terra: as Suas mãos são o tecto do mundo; na Sua boca se gerem os ventos que a varrem;
no Seu hálito está o fogo que a devora e vivifica; no Seu ventre arde a chama que é o
espírito; do Seu coração se derramam as águas que dão a vida e o sentido da
caminhada.14/4
Eis o que é o Senhor para as Suas
criaturas: meta e limite, meta e amor.14/5
Sobre a face do Senhor uma nuvem
passa: são os pecados dos homens, é a sua tirania. O dom da vida foi transformado por
eles no dom da morte, no dom de perecer e a terra cobre-se de cadaveres. A árvore do
mundo, contaminada nas suas raízes pela maldade dos homens, cobre-se de frutos
amargos.14/6
Ai daquele que semeia a
destruição, ai daquele que envenena o coração dos seus irmãos e que os põe uns
contra os outros. Sobre esse a minha espada cairá e o meu fogo será como um raio, para
que só restem cinzas.14/7
Ai daquele que trabalha contra mim e
a favor das trevas: a esse recusarei a luz, para esse fecharei o cofre do meu coração e
ficará perdido.14/8
Escutai, vós que andais perdidos: o
milagre do amor é o milagre da transcendência, é o milagre da entrega. Como podeis
alcançar-me, se não vos derdes uns aos outros? Se me quereis para vós, tendes de me
encontrar naqueles que estão a vosso lado, pois eu sou um só com eles e nada existe que
nos separe.14/9
Pode o vento dispersar o trigo sobre
o campo, que, caído sobre a terra, de novo teremos um campo de trigo. Assim é com o
homem. Que não se turve pois o vosso entendimento sobre aquilo que eu quero para vós e
para mim.14/10
E quando o meu vento soprar sobre a
vossa carne, e a dispersar sobre a face do mundo, deixai-o soprar e ide com ele: é assim
que eu quero. Mas quando ele vos depositar aqui ou ali, ficai e trabalhai nesse lugar,
para riqueza maior do que sou, já que essa é a minha vontade para vós. Não cuideis
demasiado de vós, que o meu vento sabe o que fazer e eu estou nele.14/11
Se me amais, amareis também o meu
vento e o meu fogo, quando ele semear a vossa aniquilação; e a minha espada, quando ela
vos transformar em sangue derramado na terra, para que a terra dê novos frutos.14/12
Pensais acaso que o meu amor é
vão? Cuidado com as promessas vãs daqueles que vos enganam. Só eu sou a vossa Lei, só
eu sou o vosso Senhor. Perante a minha face vireis um a um e eu vos julgarei, pois o meu
amor é uma balança onde sereis pesados, e ai daqueles que nada tiverem consigo. A esses
eu esquecerei, pois nada construíram.14/13
Sede rectos, sede justos. Que a
vossa rectidão seja o gume da minha espada; que a vossa justiça seja o fiel da minha
balança, pois a rectidão e a justiça que não nascerem de mim, nada valem. Chamo
rectidão e justiça ao dom do amor, não à cobiça ou à tirania.14/14
Já vos disse: cuidado, para que
não sejais confundidos pelos falsos profetas, por aqueles que tudo vos prometem e que
nada vos dão. Cuidado, para que não fiqueis contra mim.14/15
O grão de trigo que cai fora do
terreno fértil será dado às pedras e será pisado. Que o vosso destino seja guiado pela
minha mão e pelo meu amor, pois onde eu não estou impera a cobiça e a tirania, e onde
não existe o meu amor, só existem pedras.14/16
Só o meu amor vos pode guiar. O meu
amor é esse que vos enviei para vos guiar e consolar, pois não descansarei enquanto não
vos unirdes de novo em mim, para celebrarmos juntos uma boda e darmos graças.14/17
XV
A Palavra do Senhor é um dom
concedido àqueles que estão prontos para a escutar: essa Palavra está no Livro da Vida.
Ele a contém e a explica. Ele é um caminho para o Senhor: o caminho dos filhos da
aurora, o caminho dos filhos do anoitecer.15/1
Para aqueles que a esperam e para
aqueles que já não esperam, eis o caminho. Quem puder entender que entenda.15/2
Estais cansados da longa espera: por
isso vim até vós com a Palavra. Quando estiverdes cansados da Palavra, podereis então
vir até mim, livres como os pássaros que percorrem o céu. Mas tende cuidado, porque eu
sou a Palavra e o som que a profere.15/3
Cansai-vos da Palavra, cansai-vos de
todas as palavras, mas tende cuidado para não negardes o essencial da Palavra, sob pena
de me negardes a mim.15/4
Eu estou na Palavra. Vós sois a
minha Palavra. Se a negardes, é a vós e a mim que negais. E aquele que me nega e se nega
a si próprio, como o poderei eu receber?15/5
Percorrei o caminho da Palavra: é o
vosso caminho que percorreis. E levai-a até ao fim, para que vos esgoteis. Mas não
negueis a Palavra, para que não haja negação em mim.15/6
No meu livro está a minha Palavra
para vós. Em vós está a minha Palavra secreta. Vós sois o meu livro. Vós sois a minha
Palavra. Guardai-a da profanação, como um tesouro da cobiça alheia. Assim a deveis
vigiar, para que não caia em mãos alheias e seja misturada e confundida.15/7
|