Avaliação da Audição em Ataxia de Friedreich

Jan Feenstra, Roos Teeuw, Hans Verschuure
(University Hospital Rotterdam, The Netherlands)
(publicado em Euro-Ataxia/Newsletter - novembro/1996)

Nós nos defrontamos com um paciente sofrendo de ataxia de Friedreich há alguns anos atrás. O paciente recorreu ao nosso departamento por causa de problemas de audição. Os livros sobre o assunto declaravam que uma perda de audição neuro-sensorial pode ocorrer na ataxia de Friedreich. Porém, nenhum dos livros mencionava nada sobre a natureza desta perda de audição e seu curso natural de desenvolvimento. Harding (1) mencionou uma incidência de 9 entre 115 pacientes; Filla (2) relatou que 10% dos pacientes de ataxia de Friedreich têm problemas auditivos.
Um problema a ser resolvido antes de considerarmos a reabilitação auditiva, é determinar o local da lesão causadora da perda auditiva, ou seja, o local onde ela está situada: na cóclea, no sistema nervoso ou no cérebro. Uma lesão na cóclea poderia ser uma enervação rompida da cóclea. Os nervos eferentes são menos afetados na ataxia de Friedreich do que os nervos aferentes, e na literatura neuro-otológica nenhuma grande perda de audição é relatada como resultado de baixa enervação de eferentes da cóclea. Uma suposição mais lógica seria uma lesão no oitavo nervo e na vias auditivas cerebrais, a assim chamada perda auditiva retro-coclear.
A análise das queixas auditivas normalmente começam com audiometria puro-tom. Esta forma de audiometria detecta pequenas alterações, mas pequenas alterações em patologia retro-coclear podem ser diminutas. O problema em lesões retro-cocleares é mais do que um processamento incorreto dos sinais audíveis conduzindo à baixa inteligibilidade da fala, especialmente com ruídos de fundo.
Nós promovemos uma pesquisa na literatura sobre ataxia de Friedreich para dados sobre BAEPs (Brainstem Auditory Evoked Potentials) ou BERAs (Brainstem Evoked Response Audiometry) a fim de encontrar alguma evidência para este "modelo retro-coclear". Estes métodos eletro-fisiológicos são utilizados para diagnosticar lesões retro-coclear. Foram encontrados doze artigos (3-14) com informações úteis. Infelizmente, a interpretação destes estudos com respeito a BAEPs é dificultada por diferenças nos critérios de avaliação do que é normal e do que é patológico. Novas avaliações das gravações não eram possíveis, assim tivemos que aceitar a interpretação dos autores. Todas as publicações descrevem dados sobre 84 casos, dos quais 71 tiveram um BAEP anormal. Dados de audiometria de puro-tom somente são apresentados ocasionalmente, mas baseando-se na descrição das gravações fisiológicas, concluímos que a patologia retro-coclear estava presente em 85% dos casos. Este resultado contrasta bastante com aquele apresentado por Harding e Filla, mencionado anteriormente.
A questão agora é se um BAEP anormal em combinação com um audiograma puro-tom próximo do normal resulta em uma baixa inteligibilidade da fala em um ambiente silencioso ou ruidoso, e qual a técnica de reabilitação requerida.
Em nossa clínica nós vimos 4 pacientes queixando-se da comunicação em ambientes ruidosos. Resultados de audiometria puro-tom mostraram que todas as perdas de audição eram pequenas, não excedendo a 30 dB. Todos os BERAs eram patológicos.
Um bem documentada experiência testando a capacidade de pacientes para comunicarem-se em ambientes ruidosos está disponível em nosso idioma (15). O teste determina as relações sinal-ruído críticas. Para ouvintes normais o resultado está entre -2 e -6 dB para cada ouvido separadamente. Nós testamos todos nossos pacientes utilizando este exame. Todas as relações sinal-ruído situaram-se entre 8 e 11 dB, aproximadamente 14 dB aquém do normal. Os dados explicam completamente as reclamações tendo em vista que algum ruído de fundo quase sempre está presente.
Como podemos superar o problema de reconhecimento da fala em um ambiente com ruído? Um ponto crucial é o reconhecimento do problema: dos pacientes já não estarem mais estigmatizados como encrenqueiros, etc. Aparelhos auditivos auxiliares convencionais, porém, não são nenhuma solução porque eles ampliam o ruído de fundo tanto quanto os sinais da fala. Devem ser buscadas soluções em dispositivos que melhorem a relação fala-ruído. Uma pesquisa completa de dispositivos disponíveis não existe. A ajuda geralmente virá de dispositivos que captem o sinal da fala na origem e transfiram ao ouvido por fio, luz infra-vermelha ou técnicas de FM.
Conclusões:
Dada a alta incidência de BAEPs anormais, os pacientes com ataxia de Friedreich têm um alto risco de perda auditiva retro-coclear, com um impacto severo na sua capacidade de comunicação.
Um teste audiológico para esse grupo de pacientes não só deveria prever audiometria convencional puro-tom, mas também BAEPs e, mais importante, audiometria de fala em ambiente com ruído.

Referências:
1. A.E. Harding, MD:
The Hereditary Ataxias and Related Disorders
MRCP, Churchill Livingstone, London 1984.
2. A. Filla, G. De Michele, G. Caruso, R. Marconi and G. Campanella:
Genetic data and natural history of Friedreich’s disease: a study of 80 Italian patients
J.Neurol(1990) 237:345-351
3. Saty Satya-Murti, Anthony Cacace and Peggy Hanson:
Auditory dysfunction in Friedreich ataxia: Result of spiral ganglion degeneration
Neurology 30: 1047-1053, October 1980
4. M.J. Taylor, J.B. McMenamin, E. Andermann, G.V. Watters:
Electrophysiological Investigation of the Auditory System in Friedreich’s Ataxia
Le Journal Canadien des Sciences Neurologiques, Vol9, no.2, May 1982: 131 -135
5. Marc T. Nuwer, MD, PhD, Susan L. Perlman, MD, James W. Pack-woord, PhD, and R.A. Pieter Kark, MD:
Evoked Potential Abnormalities in the Various Inherited Ataxias
Ann. Neuro. 13: 20-27, 1983
6. Bahman Jabbari, MD, Daniel M. Schwartz,PhD, Donna M. MacNiel, MA, and Steven B. Coker, MD:
Early abnormalities of brainstem auditory evoked potentials in Friedreich’s ataxia: Evidence of primary brainstem dysfunction
Neurology 33, August 1983; 1071-1074
7. Jonathan ell. Deepak Prasher, Peter Rudge:
Neuro-otological abnormalities in Friedreich’s ataxia
Journal Neurology, Neurosurgery and Psychiatry 1984: 47: 26-32
8. E. Cassandro, F. Mosca, L. Sequino, F.A. de Falco, G. Campanella:
Otoneurological Findings in Friedreich’s Ataxia and Other Inherited Neuropathies
Audiology 25: 84-91 (1986)
9. L. Rossi, A. Bindi, G. de Scisciolo, G. Russo, P.Marini, R. Zappoli:
Indagini elettrofisiologiche (Potenziali evacati acustici e some-stresici) Nell’atassia di Friedreich
Riv. Pat. Ment. 105, 173-186, 1984
10. G. Finocciaro, A. Formenti, F. Baiocco, S. Di Donato:
Brainstem auditory-evoked responses and clinical picture in a one year follow-up of 18 patients with Friedreich ataxia
Ital. J. Neurol. Sci. VI: 47-52, 1985
11. E. Bescansa, B. Anciones, M.J. Sarria, P. Barreiro:
Potenciales evocados auditivos de tronco cerebral en la ataxia de Friedreich
Serv-ico de Neurologia y Seccion Otoneurologia, Rev. Clin. Esp. 1985: 176: 396-399
12. M. Ragno, L. Curatola, R. Rossi, U. Salvolini:
Studio Clinico, Elettrofisiologico multimodale di una famiglia affetta da atassia cerebellare progressiva ad esordio tardivo ed eredi-tarieta autosomico-recessiva
KNAW-for own use only
13. Eliahu Shanon, MD, Mordechai Z. Himelfarb, MD, Shlomit Gold, MA:
Auditory Function in Friedreich’s Ataxia
Arch. Otolaryngol. vol 107, april 1981
14. M. Vanasse, L. Garcia-Larrea, Ph. Neuschwander, P. Trouillas and F. Mauguière:
Evoked Potential Studies in Friedreich’s Ataxia and Progressive Early Onset Cerebellar Ataxia
Can. J. Neurol. Sci. 1988; 14: 292-298
15. R. Plomp and A.M. Mimpen:
Improving the Reliability of Testing the Speech Reception Threshold for Sentences
Audiology 18:43-52(1979)


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