Comentários da Dra Susan Perlman

Tradução livre, autorizada e parcial, de esclarecimentos prestados pela Dra Susan Perlman, médica neurologista especializada em ataxia, do Departamento de Neurologia da Universidade da Califórnia - EUA, e membro-consultora do grupo FAPG - Friedreich's Ataxia Parents Group (grupo norte-americano de pais de pacientes com ataxia de Friedreich), compilados da correspondência do grupo.

As informações aqui contidas são exclusivamente para propósitos informativos e educacionais e não pretendem substituir aconselhamentos profissionais, médicos ou de qualquer outra natureza.


Assunto (10/2001): Outros problemas de saúde podem influenciar a progressão da ataxia de Friedreich?
Pode não ser exato como ciência, mas sinto que talvez a progressão da ataxia de Friedreich dependa de outros males sofridos pelo corpo, como infecções, traumas ou problemas auto-imunes. Isto poderia explicar porque algumas repetições são semelhantes mas o grau de progressão varia. A ataxia de minha filha de 10 anos ainda não progrediu muito, embora seu número de repetições seja 800-1000. Ela tem sido sempre muito saudável, com poucas doenças infecciosas ou mesmo resfriados. Quando tinha três semanas de idade, ela fez cirurgia de estenose pilórica. Gostaria de saber a opinião de alguém mais sobre isto.

Resposta: Sei que algumas das variações dos sintomas encontradas em indivíduos com o mesmo número de repetições é devido ao mosaicismo, no qual as repetições no sangue podem ser diferentes das repetições no coração ou nos nervos. Uma pessoa pode ter altas repetições no sangue, mas a doença moderada porque as repetições nos nervos são menores. Ou, uma pessoa pode ter baixas repetições no sangue, mas sintomas mais severos porque as repetições nos nervos são maiores. Os membros do FAPG estão a par dessa pesquisa, realizada inicialmente pelo Dr Pandolfo, em 1997 (Neurologia 49:606-10)?
A presença de outras doenças, neurológicas ou não, sempre pode influenciar o curso de um problema genético, assim como a presença de outros genes pode proteger ou prejudicar. As pesquisas estão em andamento para identificar genes associados. Se houver suspeita de algum outro problema, neurológico ou não, deve-se consultar um clínico geral ou neurologista.


Assunto (07/2001): A atrofia cerebelar sempre ocorre na ataxia de Friedreich?
Tudo começou há mais de quatro anos, quando um telefonema do treinador físico escolar de Kent alertou-nos que ele tentava esconder o tremor das mãos e da cabeça e não caminhava com firmeza.  Iniciamos o lento ciclo de testes que resultavam inconclusivos. Isto foi antes do teste de DNA tornar-se disponível e assim, baseando-se em todos os testes e sintomas, o neurologista diagnosticou ataxia de Friedreich. Tivemos confirmação na Clínica Mayo, para onde fomos encaminhados. Não há nenhum histórico familiar. O teste de DNA quando disponível também mostrou-se negativo, mas o neurologista achou que Kent tivesse alguma forma de ataxia de Friedreich ainda não identificada. Agora temos um neurologista sugerindo que a ataxia é mais cerebelar do que espinocerebelar. Não sabemos absolutamente o que pensar. Kent não tem cardiomiopatia ou diabetes (as quais ocorrem em ambos os lados de nossa família). Ele usa um andador na escola mas parece bem em casa e tem tremores à noite. Sua última ressonância magnética mostrou que o cerebelo começou a atrofiar. Tenho tentado manter-me atualizada, mas não me recordo de ter ouvido algo sobre isto.

Resposta: A atrofia cerebelar não é encontrada em ataxia de Friedreich, mesmo em estágios mais avançados da doença ou em alguém com a doença moderada e com sintomas a mais tempo. O precoce aparecimento da atrofia cerebelar (até 10 anos do início da doença) sugere alguma outra ocorrência ou doença completamente diferente. Obviamente, o teste genético pode esclarecer se é "realmente" ataxia de Friedreich ou não, mas há indivíduos com teste genético negativo e que parecem ter ataxia de Friedreich, podendo ser um problema em um gene relacionado para o qual ainda não temos forma de testar. Algumas destas pessoas que estou acompanhando, de fato têm atrofia cerebelar. Elas têm uma forma variante da ataxia de Friedreich, causada por um segundo gene? Elas têm alguma forma ainda não descrita de ataxia, de início precoce, mas não efetivamente relacionada com a ataxia de Friedreich? Somente mais pesquisas nos darão as respostas.


Assunto (06/2001): Nota sobre suplementos de Vitamina C
A Dra Perlman declarou, em e-mail enviado à FAPG, que, em uma pesquisa francesa [Effect of Idebenone on cardiomyopathy in Friedreich's ataxia: a preliminary study - Pierre Rustin], a vitamina C foi associada com as células do coração de pacientes com ataxia do Friedreich. A vitamina C causa maior dano às células do coração, porque ela transforma o excesso de ferro das células do coração de ferro III para ferro II, muito mais tóxico e formando mais radicais livres. Altas doses de vitamina C na dieta também aumentam a absorção de ferro da alimentação e podem aumentar o problema de excesso de ferro mitocondrial. Por ambas as razões, altas doses de vitamina C (mais de 500 mg por dia) devem ser evitadas por pacientes com ataxia de Friedreich.


Assunto (04/2001): Antioxidantes e NAC (N-Acetilcisteína)
Dra Perlman, qual a sua experiência clínica com antioxidantes e NAC?

Resposta: Na revista Generations, edição Spring/2001 (volume 29, nº 1, pág 19), a Dra Martha Nance apresenta uma detalhada e cautelosa avaliação sobre NAC. O Dr Subramony realizou um experimento controlado, concluído no ano passado, e espera-se que seja publicado logo (não ouvi nada sobre seus resultados preliminares). Quase todas as outras experiências têm sido de uso clínico aberto, baseando-se exclusivamente naquilo que os pacientes e familiares observam.
Em nossa clínica temos experimentado NAC com quase todos nossos pacientes de ataxia de Friedreich e em muitos com outras formas de ataxia. Calculamos a dosagem de acordo com a orientação do grupo do Dr Wilder, da Flórida (um dos primeiros neurologistas a utilizar NAC em doenças neurodegenerativas): 60 mg por kg, por dia (geralmente divididos em três doses). As queixas mais comuns são náusea e diarréia, mas ninguém teve efeitos colaterais mais severos. Algumas pessoas com outras formas de ataxia pararam de tomar NAC por não observarem nenhum efeito benéfico e quererem experimentar outro tipo de antioxidante.
A maioria de nossos pacientes mais jovens com ataxia de Friedreich, se não todos, e muitos dos mais velhos, descreveram os benefícios constatados com NAC: na fala, na deglutição, nos tremores e na coordenação das mãos. Não posso dizer que as melhoras no caminhar foram notáveis. E também não está claro que o uso continuado de NAC reduza a progressão da doença. Os estudos do Dr Beal, de antioxidantes em ratos com desordens neurodegenerativas, não demonstram com NAC a mesma redução ou reversão de dano celular neural do que a observada com outros antioxidantes. A preocupação da Dra Nance de que NAC possa ter um ainda desconhecido efeito prejudicial na ataxia de Friedreich, por causa das alterações de ferro que já ocorrem na doença, é algo que deve ser investigado cientificamente (o idebenone não aumentou o dano relacionado ao ferro, mas até protegeu as células deste; enquanto desferrioxamina, um agente quelante, e quantidades elevadas de vitamina C parecem aumentar o dano relacionado ao ferro).
Tenho encorajado meus pacientes a estarem abertos às experiências com os antioxidantes disponíveis, como NAC, pelo menos durante alguns meses, enquanto esperamos terapias baseadas em genes serem desenvolvidas.


Assunto (05/2000): Ataxia cerebelar
Não há nada mais desencorajador para um paciente do que receber um diagnóstico específico e então lhe ser dito que não há nada o que possa ser feito. Para os médicos é igualmente desanimador verificar que o exponencial progresso realizado na compreensão da fisiopatologia de uma desordem complexa traz poucos benefícios diretos para seus pacientes. Nos últimos cinco anos, a pesquisa genética molecular revolucionou completamente o modo pelo qual as ataxias cerebelares progressivas são classificadas e diagnosticadas, mas ainda precisa produzir terapias genéticas efetivas, neuroprotetoras e neurorestauradoras. O tratamento da ataxia cerebelar permanece antes de tudo um desafio de neuroreabilitação, empregando terapias físicas, ocupacionais, de fala e deglutição, equipamentos de adaptação, treinamento de segurança na direção e aconselhamento nutricional. Modestos ganhos adicionais são verificados com o uso de medicamentos para melhorar o desequilíbrio, a incoordenação e a disartria (amantadina, buspirona, acetazolamida), o tremor cerebelar (clonazepam, propranolol) e o nistagmo vestibular central ou cerebelar (gabapentin, baclofeno, clonazepam). Muitas das síndromes cerebelares progressivas associam características que envolvem outros sistemas neurológicos (por exemplo: espasticidade, distonia ou rigidez, tremor de repouso, coréia, fraqueza ou fadiga motora, disfunção autonômica, perda sensorial da coluna periférica ou posterior, dor neuropática ou cãibra, visão dupla, perda de visão e de audição, demência e disfunções intestinais, urinárias e sexuais), as quais podem impedir o tratamento dos sintomas da ataxia ou piorar com o uso de certas drogas. O próprio tratamento das características associadas pode piorar a ataxia, tanto diretamente (efeitos colaterais da medicação) como indiretamente (relaxamento da espasticidade dos membros inferiores que estava atuando como estabilizador de um andar atáxico, por exemplo). Complicações secundárias da ataxia progressiva podem incluir imobilidade e descondicionamento, ganho ou perda de peso, problemas de pele, infecções recorrentes do trato pulmonar e urinário, insuficiência respiratória oculta e apnéia obstrutiva do sono, todas ameaçadoras da vida. A depressão do paciente e de seus familiares é comum.
Embora inexista cura para a maioria das causas da ataxia cerebelar e não haja ainda nenhuma maneira comprovada de proteger os neurônios da morte prematura das células ou de como restaurar as populações neuronais perdidas, o tratamento sintomático pode melhorar muito a qualidade de vida do paciente e prevenir complicações que possam apressar sua morte. Intervenções de suporte devem ser sempre oferecidas: educação sobre a própria doença, aconselhamento genético, aconselhamento individual e familiar, indicação para grupos de suporte e grupos de direitos, orientação para recursos on-line. A falta de informações, o medo, a depressão, a desesperança, o isolamento, a tensão interpessoal e financeira freqüentemente podem causar mais danos aos pacientes e cuidadores do que a própria ataxia.


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