Medicamentos Experimentais para Ataxia de Friedreich
Michel Koenig, Strasbourg
(publicado em Euro-Ataxia/Newsletter - agosto/1999)Depois da identificação do gene responsável pela ataxia de Friedreich, o mecanismo causador do problema cardíaco foi em parte elucidado. É bastante provável que a falha resulte de uma disfunção mitocondrial causada por radicais livres produzidos por um metabolismo anormal do ferro mitocondrial e proteínas de compostos de ferro e enxofre. Estas proteínas e o ferro são necessários para o transporte de elétrons na mitocôndria, a força motriz para a produção de energia nas células vivas. Elétrons desemparelhados interagem com uma grande variedade de moléculas, inclusive oxigênio, formando radicais livres que são prejudiciais à célula por um processo chamado estresse oxidativo. Esta observação experimental feita em laboratório conduziu à proposta de administração de antioxidantes específicos como tratamento para a ataxia de Friedreich. Alternativamente, moléculas removedoras de ferro (chamadas queladores de ferro) foram sugeridas também. Em conseqüência, vários experimentos terapêuticos foram iniciados durante os últimos seis meses. Alguns detalhes de suas implementações foram relatados na reunião anual da Associação Francesa de Ataxia de Friedreich - AFAF (em 11/04/1999, em Beaune, próximo a Lyon - França) e na reunião internacional de ataxia de Friedreich, realizada em Bethesda (próximo a Washington - EUA, de 30/04 a 02/05/1999), patrocinada pela FARA (Associação de Pesquisa da Ataxia de Friedreich) e pelo NIH (o instituto nacional de saúde dos EUA).
A experiência francesa foi amplamente discutida na reunião da AFAF. O experimento foi submetido à Direction de la Recherche Clinique de l'Assistance Publique de Paris, pelos grupos de Arnold Munnich (Hôpital Necker-Enfants Malades) e Alexis Brice (Hôpital de la Salpêtrière) e foram aceitos. Por razões administrativas (sic), a implementação deste experimento foi lenta. É uma experiência aberta (todos os pacientes são tratados com as mesmas doses do mesmo medicamento) e inclui 50 adultos e 30 crianças. A experiência começou em 26/04/1999 com a inclusão semanal de sete pacientes, indicando que a inclusão deve ter terminado em junho. Inclusão significa que os pacientes são avaliados clinicamente pelos mesmos métodos que serão usados para avaliação da eficácia da droga, seguida pela iniciação do tratamento. A experiência terá a duração de um ano. A avaliação será realizada no 3º , 6º e 9º mês e ao término do experimento. Devido às dificuldades de avaliação, foram selecionados somente pacientes que ainda podem andar. A avaliação inclui, entre outras coisas, uma avaliação clínica completa, medidas de tônus muscular, medidas de movimento dos olhos e ecocardiografia. Análises estatísticas dos dados serão feitas de seis em seis meses e ao final da experiência. O medicamento, Idebenone (5 mg/kg por dia), é um antioxidante derivado da ubiquinona (ou coenzima Q10). Idebenone é uma coenzima Q com uma cadeia lateral curta (CoQ4) e assim penetra melhor as membranas do que a coenzima Q10.
Em particular, espera-se que Idebenone cruze a "barreira sangue-cérebro" (neste caso "cérebro" também inclui a medula espinhal). O nome comercial da droga é Mnesis e é produzida pelos Laboratórios Takara (Japão). O único país onde esta droga recebeu aprovação comercial (mas para outra enfermidade, doença de Alzheimer) é a Itália, embora com alguma dificuldade para obtê-la. Dois pontos relativos a esta experiência foram destacados durante a reunião da AFAF. Primeiro, não existe atualmente nenhuma evidência definitiva de que Idebenone realmente é eficaz em ataxia de Friedreich. Assim, a corrente experiência está sendo feita para resolver esta questão. Qualquer problema durante a experiência poderá adiar nossas expectativas para responder esta pergunta crucial. Segundo, todos os pacientes incluídos no teste concordaram em não tomar nenhum outro medicamento durante a experiência (outros antioxidantes, queladores de ferro e outros), a fim de evitar interferência com a avaliação da eficácia da droga. Este ponto é muito importante, desde que drogas que agem no mesmo sentido podem ter efeitos competitivos que podem obscurecer qualquer efeito benéfico de Idebenone. A mensagem dada aos pacientes não incluídos na experiência foi para aguardarem por seis meses, quando os primeiros resultados serão estatisticamente avaliados. No caso de resultados positivos, a generalização do tratamento deve seguir para uma estrutura mais ampla, avaliação experimental múltipla, a fim de coletar dados adicionais da eficácia de Idebenone, como eficácia a longo prazo, variações individuais, dependência de comprimento da expansão, etc. Tendo dito isto, os resultados preliminares em cinco crianças com ataxia de Friedreich e com cardiomiopatia progressiva, tratados antes da experiência, são encorajadores, sugerindo uma estabilização ou até mesmo uma regressão da cardiomiopatia (Rustin e outros, Lancet). Qualquer conclusão nos sintomas neurológicos seria prematura no momento. Porém, clínicos têm o direito de decidir iniciar um tratamento de Idebenone em casos individuais autorizados pela progressão da doença cardíaca.
Outro experimento utilizando antioxidantes foi iniciado pelo grupo de Anthony Shapira, Londres. O medicamento é uma combinação de coenzima Q10 (400 mg por dia) e vitamina E (2.000 UI por dia). A originalidade do experimento é a utilização do espectroscópio de ressonância magnética fosfato 31, que pretende medir diretamente a produção de energia mitocondrial no coração e no músculo, o qual, de acordo com declaração de Anthony Shapira, detecta anomalias nos músculos de pacientes de ataxia de Friedreich sem tratamento. Aqui novamente, a experiência está programada para um ano.
Um experimento utilizando queladores de ferro foi iniciado em Salt Lake City - EUA, pelo grupo de Julie Smith e Jerry Kaplan. Este é um experimento duplo-cego de um ano, indicando que a metade dos pacientes receberá um placebo e a outra metade receberá a droga, neste caso Desferral (desferrioxamina). Desferral é uma droga injetável rotineira. Pré e pós investigações do tratamento incluem uma biópsia endomiocardial do coração, para avaliação direta da evolução da patologia cardíaca e depósitos de ferro, e monitoração hematológica para avaliar possíveis efeitos colaterais da privação de ferro. Foram incluídos sete pacientes nesta experimento, a partir de 30/04/1999.
Desnecessário dizer, os resultados do próximo ano serão intensamente examinados e debatidos.