ENTREVISTAS
NÃO PERGUNTE AO ESCRITOR
Por PATRICK DAY - Domingo, 9 de Setembro
de 2001
(Entrevista feita para o Calendar Live)
O filme baseado em sua série Do Inferno está levantando
o perfil de Alan Moore, mas ele não quer nenhum crédito
(nem ser culpado por nada).
Quando a adaptação de Do Inferno, dos irmãos
Allen e Albert Hughes, estrear nos cinemas nesse inverno,
será uma espécie de atalho, mas não para os irmãos
gêmeos produtores de filmes, mais conhecidos por seu drama de estréia,
Menace II Society. É mais como uma festa de apresentação
- ao menos nas telas de cinema - de Alan Moore, que escreveu a
história na qual o filme é baseado.
Famoso em certos círculos por explorar os super-heróis
fantasiados, Moore não é uma escolha óbvia
para apresentar a mais completa pesquisa teórica da misteriosa
identidade de Jack, o Estripador. Mas em Do Inferno, é
exatamente o que ele faz - e em um meio que tem constantemente carecido
do respeito da elite cultural: as histórias em quadrinhos.
As vezes chamadas de graphic novels por aqueles que se sentem
desconfortáveis com as imagens infantis com as quais os leitores
de quadrinhos estão associados, os trabalhos de Moore tem
desafiado com freqüência as expectativas do público
desse meio, e seu mais ambicioso trabalho, a massiva graphic novel
Do Inferno não é exceção. Publicada periodicamente
de 1989 a 1998 e apresentada em um único volume em 1999, Do
Inferno detalha os famosos e horripilantes assassinatos de Jack,
o Estripador, acontecidos em Whitechapel na Inglaterra de 1888.
Moore e seu co-criador, o artista Eddie Campbell, ambos
britânicos, se ocuparam com mais de 100 anos de investigação,
conjecturas, e ferozes acusações que cercam o caso e os
concentraram em uma única e bem pesquisada teoria sobre a identidade
do Estripador. O resultado é ao mesmo tempo uma reflexão
sobre o Mal, um procedimento policial e um comentário da
Inglaterra Vitoriana. É um trabalho impressionante - um que não
passou despercebido pelo produtor de Do Inferno, Don Murphy:
Assim que saiu a segunda edição de Do Inferno, eu disse,
'Isso é insano. Não é outra história sobre
Jack, o Estripador. Não é outra HQ sobre super-heróis.
É uma HQ com notas no rodapé com a qual eu tenho de fazer
algo'.
Murphy se propôs em tentar adquirir os direitos de filmagem
da série com o dinheiro de seu próprio bolso, e nesse processo
desenvolveu uma amizade com o autor, tendo até mesmo voado para
a Inglaterra e visitado as vizinhanças de Whitechapel, em Londres,
com Moore. O esforço foi recompensado: a 20th Century
Fox estreará o filme, nos Estados Unidos, em 19 de Outubro
de 2001. Estrelado por Johnny Depp, como o inspetor Fred Abberline,
que está no rastro de Jack, o Estripador (e cuja identidade
só é revelada no final do filme).
Embora Hollywood o tenha cortejado por mais de uma vez, Moore
prefere manter distância do processo:
Na minha lista dos cinco meios culturais de minha preferência,
o cinema está em sexto lugar, ele fala para essa entrevista,
por telefone, de sua casa em Northampton. Assim, não tenho nenhuma
atração em trabalhar para Hollywood. Tenho uma certa curiosidade
em ver como [o filme] se sairá. Tenho muito respeito pela pessoas
envolvidas com ele.
A terra de bronzeadas estrelas iniciantes e musculosos astros de ação
seria uma estranha combinação com Moore, de 48 anos,
que poderia ser uma personagem saída de um melodrama vitoriano,
com sua barba e cabelos longos e pretos ferozmente desarrumados e sua
voz sombria:
Tendo uma voz profunda e um tipo físico imponente, você
tende a achar que pode falar sobre quase qualquer velha besteira e fazê-la
parecer apavorante, ele reconhece.
Apesar da popularidade dos filmes baseados em HQs e da enorme estima
que Moore possui entre os leitores de quadrinhos, essa é
a primeira vez que um trabalho seu foi traduzido para a tela de cinema
- um fato que não incomoda Moore de maneira alguma:
Eu jamais fui um grande fã de coisas serem adaptadas de um
meio para outro, a menos que haja realmente uma boa razão para
isso, ele diz. Parece ser um tipo de reflexo dos dias de hoje:
se algo funciona em um romance, então irá funcionar ainda
melhor em um filme e em video-game e em uma HQ. Não acho que haja
boas razões para admitir isso. Tento fazer coisas que não
possam ser repetidas nem pela televisão, nem pelo cinema e nem
pelos entretenimentos interativos.
Mas isso não impediu Hollywood de tentar.
Uma adaptação cinematográfica de Watchmen,
a desconstrução do gênero dos super-heróis
feita por Moore em 1986, tem seu desenvolvimento adiado por mais
de uma década, apesar dos esforços combinados do diretor
Terry Gilliam e do produtor de filmes de ação
Joel Silver.
Gilliam me perguntou como poderíamos transformar
[Watchmen] em um filme, e assinalei que se alguém tivesse pensado
em me perguntar isso antes, eu lhe responderia que não acho isso
possível, diz Moore.
Os irmãos Hughes têm a opinião certa sobre
o que significa utilizar tão assombroso material:
É impossível adaptar o trabalho [de Moore] e fazer
justiça a ele, diz Allen Hughes. Seria ridículo
até mesmo tentar. Embora trabalhando com o roteiro feito por
Terry Hayes e Rafael Yglesias, os irmãos fizeram
bem em manter o livro por perto durante todo o tempo, usando os quadrinhos
da série como storyboards preliminares e tentando, na maioria
das vezes, preservar o aspecto e a impressão do trabalho de Moore
e Campbell. A coisa mais importante que capturamos desse romance
é o cheiro, diz Hughes.
Este cheiro é uma especialidade de Moore e também
o porquê de seu trabalho ser tão atrativo, mas também
tão difícil de adaptar. Seus roteiros para os quadrinhos
são notoriamente extensos - páginas e mais páginas
de descrições podem ser dedicadas a um único quadrinho
- mas resulta na criação de um mundo rico e detalhado o
bastante para, como seus fãs dizem, sentir o cheiro. Desde
o começo de sua carreira, seus dedicados leitores tem empunhado
essa elevada complexidade como um símbolo de orgulho, a prova de
que suas graphic novels eram mais do que apenas volumosas revistas em
quadrinhos.
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