ENTREVISTAS
NÃO PERGUNTE AO ESCRITOR
Por PATRICK DAY
Os mais dedicados fãs de Moore também tem sido os
que mais criticaram as mudanças (reportadas na Internet) que foram
feitas na história para o cinema. As principais reclamações
envolvem a priorização do personagem detetive de Deep
(uma personagem secundária na HQ) ao invés do Estripador,
e a escolha da estrutura do filme como uma história de detetive.
Outros têm criticado a inédita história de amor criada
entre Abberline e Mary Kelly (Heather Graham), a
prostituta e última vítima do Estripador.
A boa notícia é que sou um fã da graphic novel,
diz Murphy. A má notícia é que eu também
tenho de fazer um filme. Assim, estou sempre lutando em manter o que gosto
do material original. Hughes é mais exaltado em sua
defesa do filme. Eu detesto receber o bombardeio de críticas
que estamos recebendo antes do filme estrear, ele diz. Espero que
esses garotos possam crescer e conseguir um trabalho, ter uma vida, ter
alguma coisa. Grandes filmes com O Planeta dos Macacos ou
'Apocalypse Now, criticados ou não, nada têm a ver
com os livros.
Moore prefere observar de um campo neutro, sem ficar de nenhum
lado no debate:
Se for um tremendo sucesso, não quero nenhum crédito.
Se for um tremendo fracasso, não quero ser culpado por nada.
As graphic novels de Moore têm tido uma considerável
influência no campos dos quadrinhos - e nos filmes baseados neles.
Usando o formato das HQs de super-heróis para amortecer a
queda de quadrinhos mais obscuros, ele trouxe um tom mais sério
e sombrio para as HQs e suas personagens.
Do Batman de Tim Burton, de 1989, passando por X-Men
e Corpo Fechado, sucessos dos últimos anos, todos têm
um certo débito com o trabalho de Moore. Isso, combinado
com seus contínuos louros no campo dos quadrinhos - ele ganhou
o Eisner award deste ano (o equivalente ao Oscar dos quadrinhos)
de melhor escritor por escrever simultaneamente cinco séries, The
League of Extraordinary Gentlemen (N. do T.: batizada no Brasil
como As Aventuras da Liga Extraordinária em uma belíssima
minissérie de três partes publicada pela Pandora Books),
Promethea, Tom Strong, Top Ten e Tomorrow Stories - o bastante
para firmar sua reputação como um mestre das HQs.
Porém, Moore permanece modesto em face de seu sucesso, chamando
a si mesmo de um pulp hack writer (algo como entalhador de histórias
populares).
Do que quer que seja o modo como ele chama a si mesmo, é um remoto
clamor de sua educação de classe operária. Nascido
em Northampton, Inglaterra, Moore cresceu na mais velha - e mais
pobre - vizinhança da cidade. cercado pela extrema miséria
e analfabetismo, seus pais estavam determinados que ele recebesse os fundamentos
de leitura e escrita antes dele se matricular na escola aos cinco anos.
Sua educação formal acabou abruptamente aos dezessete anos,
quando ele foi expulso da escola por vender ácido.
Nos anos seguintes, Moore passou por diferentes trabalhos, que
incluíam cortar carcaças de animais até limpar quintais
e banheiros de hotéis. Aos vinte e cinco anos, ele começou
a trabalhar como cartunista para o jornal semanal inglês de rock
Sounds, mas depois de dois anos ele decidiu que seus talentos eram
mais adequados para escrever do que desenhar.
Suas HQs inglesas deram a ele prêmios e a atenção
da gigante americana de HQs, a DC Comics, que o contratou
para trabalhar na revista de baixas vendas Monstro do Pântano,
que ele transformou em um sucesso comercial. Seu próximo trabalho,
a maxissérie de 12 partes Watchmen, que lida com o conceito
de super-heróis de um modo realista, o alçou ao status
de escritor pop-star e ajudou a popularizar o movimento que via
as revistas de HQs como Literatura.
Após sair da DC Comics e embarcar em uma série de
empreitadas de auto-publicações, Moore decidiu escrever
um longo trabalho histórico sobre um assassinato. A farra sangrenta
de Jack, o Estripador através de Londres parecia uma escolha
óbvia, e ele se pôs a devorar toda a informação
que pôde encontrar sobre o assunto. Como ele aponta nos apêndices
de Do Inferno, as teorias sobre a identidade do Estripador
são numerosas, e a maioria dos escritores que clamaram desmascarar
o assassino sofreram ameaças, tanto veladas quando de outras formas.
A teoria de Moore não é menos escandalosa, mas também
não é nova - seus prévios trabalhos de não-ficção
incluem material desfavoráveis para entidades como a CIA
e o crime organizado. Desta vez, no entanto, ele diz que seu trabalho
trouxe até ele uma atenção indesejada: sua casa foi
vigiada:
Os vizinhos do outro lado da rua vieram até a mim separadamente
e me disseram que eles foram abordados pela Special Branch, que
é a polícia política deste país, e que lhes
pediram permissão de usar suas casas como estações
de monitoramento para vigiarem e filmarem minha casa, ele diz. Eu
não tenho idéia sobre o que foi aquilo.
Da parte de Moore, ele não deixa que o Governo o intimide.
Ele explica, sem vacilar que, há coisas piores para se preocupar
em Northampton do que a Special Branch.
O que exatamente essas coisas possam ser são suposições
de qualquer um, mas com certeza elas são um pouco mais incomuns
do que as dores de cabeça usuais de nossa vida urbana. Afinal,
Moore tem sido um praticante de magia por oito anos. No entanto,
ele não lida com truques de salão. Seus estudos envolvem,
em suas próprias palavras, mundos bizarros, entidades e toda
a parafernália usual. Mas, mais do que tudo, ele vê a
magia como um novo e útil modo de pensar. Chame de uma forma mística
de psicologia popular, mas que permitiu uma mente já fértil
se tornar ainda mais produtiva:
Eu não me lembro nem uma vez de escrever cinco revistas [simultaneamente]
antes, ele diz. E não conte seus trabalhos de livros sem igual
como Do Inferno e suas performances ao vivo - uma série
de complexas performances, apresentadas uma única vez, que combinam
montagens cinematográficas, música e atores, tudo encenado
junto com Moore no palco, enquanto ele faz um monólogo.
É uma impressionante quantidade de trabalho e um perfil surpreendentemente
alto para um homem que admite ficar incomodado com a idéia de celebridade.
Talvez isso explique porque ele há anos não sai da Inglaterra.
Em uma era onde os autores estão rapidamente montando seus próprios
Web sites para manter um contato direto e instantâneo com seus leitores,
Moore mantém uma discreta distância:
As pessoas não se comunicam com as celebridades do mesmo modo
que se comunicam com os seres humanos comuns, ele diz. Acredito
muito na máxima que diz que a comunicação só
é possível entre iguais, e quando as pessoas me colocam
em um pedestal, como fazem durante convenções e coisas do
tipo, eles falam com você através de seu brilho ofuscante.
Eu passo a não me sentir mais humano e também a me sentir
muito só.
Patrick Day é um escritor do staff
do Calendar Live (www.calendarlive.com)
Agradecimentos pela colaboração de Helbert Wagner por
enviar um e-mail com essa ótima entrevista.
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