ENTREVISTAS

ENTREVISTA COM ALAN MOORE

Por Benoît Mouchart

BM: É verdade que você se identificou com Jack, o Estripador, numa noite em um clube de striptease?

AM: Isso foi depois de escrever Do Inferno. Encontrei a mim mesmo, tendo uma vez visitado a área e tendo escrito sobre isto, sendo atraído de volta por várias razões. Nesta ocasião particular, quando o Channel Four queria me filmar para o programa Clive Barker’s World of Horror (O Mundo de Horror de Clive Barker). Como eu estava obviamente à parte do Mundo de Horror de Clive Barker, eles decidiram me filmar sob a Igreja de Cristo. Em um raro gesto de concordância e benevolência, as autoridades da igreja realmente retiraram o carpete, se curvaram para ajudar a equipe de filmagem e nem pareceram se importar quando nós espalhamos nuvens de gelo seco e a equipe de filmagem, por alguma razão, desenhou no piso um diabólico pentáculo ao meu redor. Depois nós fomos para o Ten Bells Public House lá do outro lado da rua, e essa foi a primeira vez que tinha estado lá, embora em ocasiões anteriores estivesse fechado quando passei ou particularmente não estivesse interessando em beber. Havia um show de striptease se desenrolando, que eles fazem durante o dia. Eles retiraram toda os cartazes que anunciam o striptease porque à noite aparecem turistas, os turistas de Jack, o Estripador, que por alguma razão são em sua maioria japoneses.

Você tem estas filas de turistas fotografando partes da sarjeta, e eles não querem um Tem Bells com atos de striptease, eles querem alguma coisa que ainda tenha uma atmosfera vitoriana. No pub, nós estávamos bebendo, a moça estava dançando, e ela vinha depois de cada dança receber gorjetas da platéia.

Eu somente senti um pouco de tristeza nela, você sente pena de muitas artistas de striptease como esta, pois esse não é o melhor trabalho do mundo, e eu disse realmente foi muito bom, você realmente é ótima. Ela se derreteu por causa disso; não acho que ela tenha ouvido palavras desse tipo em meses. Eu repentinamente compreendi o quão vulnerável ela era para alguém que lhe dissesse palavras desse tipo, e que trabalhar naquele pub em particular, com as gravuras das vítimas do Estripador na parede, talvez fosse perigoso para ela.

Há cem ou mais anos depois dos assassinatos do Estripador, há algo horrível nas garotas da classe trabalhadora que vendem seus corpos por dinheiro naquele pub em particular, ou naquela esquina e naquela rua em particular. Ainda há muitos fantasmas desagradáveis na área de Whitechapel. Por Exemplo, clientes das prostitutas da área aparentemente pagam mais para fazer sexo nos locais onde ocorreram os crimes, o que é algo horroroso. Há alguma coisa horrível sobre esta situação; eu, o escritor de Jack, o Estripador, no pub de Jack, o Estripador, observando a dança dessa garota. Havia alguma coisa lá que mexeu muito com meus sentimentos e pensei Eu tenho que voltar. Isto foi um reflexo de Do Inferno, experimentar uma parte desagradável dos assassinatos, meu relacionamento com os assassinatos e com aquela área, algo que talvez seja um pouco assustador mas que não pude rechaçar pelos propósitos daquela história.


BM: O que você acha da adaptação de Do Inferno para o cinema?

AM: Eu tento não ter uma opinião. O filme é completamente separando do trabalho escrito. Eu desejo que eles se dêem bem com isto, eles têm bons atores e os irmãos Hughes são bons diretores.

Eu vi algumas cenas maravilhosas do cenário; eles têm filmado em Praga, mas é uma reprodução exata da Whitechapel do século XIX. Que seja dito que estou muito atento com as exigências de Hollywood e da indústria cinematográfica e que elas são muito diferentes das exigências de meu livro de quadrinhos. Não há nenhum modo de que eles vão reproduzir o espírito do livro; o filme tem cerca de duas horas, Do Inferno é um volumoso livro que leva quatro ou cinco horas para ser lido. Assim obviamente alguma coisa será cortada. O filme necessariamente não terá muitas semelhanças com meu livro, ele pode perfeitamente ser um bom filme em seus termos, e nesse caso todos os créditos serão dos produtores, sem nada a ver comigo. Os mesmo se aplica se ele não for um bom filme. Estou interessado em vê-lo, mas como não estou interessado em trabalhar para Hollywood, e como o cinema não é minha mídia favorita, consequentemente não estou muito conectado com o filme. Eles até me mantém informado e me convidaram como consultor, mas eu não viajo e também estou realmente muito ocupado, assim tive que deixar isso de lado. Eu prefiro manter uma distância da industria cinematográfica; Eu deixo isso para os profissionais do ramo e me agarro com o que sou bom em fazer.


BM: O modo como você retrata suas personagens é muito detalhado. Alguns críticos falam sobre sua aproximação afetiva. Como você trabalha essa parte do roteiro?

AM: Caracterização é uma habilidade importante para um escritor, nós todos provavelmente a usamos de maneiras diferentes. Minha aproximação específica de caracterização é a suposição - que pode ser louca ou ilusória - de que nossa personalidade não é o que nós achamos que é. Cada um de nós tem a capacidade de ser alguém a mais no mundo. É como se nossa verdadeira personalidade fosse uma jóia multi-facetada, mas nós apenas polimos uma ou duas facetas. Potencialmente nós podíamos ser qualquer uma delas.

Assim, se estou olhando para uma certa personagem, quando tenho um par de detalhes - que podem ser apenas um nome ou uma dica da imagem visual, algum pequenino detalhe sobre o passado da personagem - e uma vez que tenho semeado estes detalhes, eu posso me focalizar neles. Eu tento imaginar que tipo de pessoa eu poderia ser se fosse, digamos, uma mulher, negra, vivendo em um determinado lugar no mundo. Qual poderia ter sido meu passado, como minha vida poderia ter sido, como isso poderia ter me afetado, eu poderia ser otimista, cínica? Que tipos de relacionamentos eu poderia ter tido? Você pode começar a pensar que você mesmo e uma personagem. Eu costumava (dez ou quinze anos atrás quando estava começando com esta aproximação) sentar em frente de um espelho e contorcer meu rosto e muda minha voz, do mesmo modo que um ator faz. Para mim, o escritor de quadrinhos está em uma posição peculiar. Eles é o roteirista, sob certos aspectos o diretor e sob certos aspectos (junto com o ilustrador) todos os atores. Tento me envolver com o trabalho, pois acredito que se não estou emocionalmente envolvido com o trabalho, então não há chances do leitor se envolver com ele também. Eu posso chorar ou rir por algo que eu tenha escrito, e pelo menos com o que tenho feito, não acho que tenha dado aos leitores o que eles merecem. Eu gostaria que meu trabalho fosse tão afetivo e intenso quanto possível. Você não pode fingir com esse tipo de coisa.


BM: Os seus trabalhos mais importantes são também os mais longos: Watchmen, V de Vingança e Do Inferno. Você concorda com a idéia de que trinta e duas páginas ou quarenta e seis páginas são, para os quadrinhos, o equivalente das histórias e romances curtos da literatura?

AM: Possivelmente. É difícil descrever as formas de um meio nas formas de outro; por exemplo, é o equivalente cinético de um romance? dificilmente, mas está não uma comparação muito boa. Eu acho que é um problema quando sugerem classificações para os quadrinhos. Do Inferno é um trabalho gigantesco; você não gostaria que ele caísse em sua cabeça! Por outro lado, há muitas coisas que você pode fazer com os quadrinhos; é quase como ter toda uma dimensão para brincar, e assim a escala usada para julgar as HQ’s pode ser difícil de se usar. Recentemente, eu fiz uma edição de Promethea de 24 páginas, onda raramente há um quadrinho de uma página; juntando todos eles há somente um quadrinho de uma página em toda a revista. Entretanto, é um trabalho tão complexo, tanto visualmente quanto textualmente, que sou capaz de discutir sobre toda a história da existência, desde o Big Bang até um futuro próximo, cobrindo o surgimento de vida, a evolução, as primeiras tribos, o crescimento das tribos em civilizações, as primeiras civilizações, a Queda de Roma, as Trevas da Idade Média, a Renascença - tudo isso confinado em uma revista de 24 paginas. Assim, é diferente. Talvez seja mais como um poema épico, não tanto em comprimento mas em profundidade, não tanto o tamanho físico mas sobre o que se trata. Às vezes isto leva dez anos e 400 ou 500 páginas, como em Do Inferno, para conseguir o que você deseja, às vezes isso leva três semanas e 24 páginas, é muito difícil para julgar o equivalente. Eu posso imaginar que nas mãos de um dos gênios dos quadrinhos do passado, uma tira de quatro quadrinhos podia ser densa e profunda.

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