ENTREVISTAS

ALAN MOORE, O ESCRITOR SUPREMO

por Steve Johnson - 7 de Agosto de 1996

 

WATCHMEN

MANIA: Watchmen, dez anos depois. Quais são seus pensamentos sobre o que você criou com Watchmen?

Alan Moore: Acho que estou muito contente com Watchmen como um bom exemplo de trabalho. Tecnicamente, estruturalmente... é, é isso. Fiquei muito, muito satisfeito com Watchmen.

MANIA: Havia algo com que você estivesse ficado mais satisfeito?

Alan Moore: A estrutura e algumas das técnicas de storytelling usadas em Watchmen, das quais acho que não ocorreram em nenhum outro lugar. Alguns dos conceitos usados com o Dr. Manhattan, havia conceitos de storytelling e as coisas que estávamos fazendo com a HQ dentro da HQ, a reciprocidade entre as legendas e as imagens. Há técnicas em Watchmen pelas quais tenho muito orgulhoso. E se eu fosse resumir em uma única imagem, uma única edição, eu ainda assim ficaria muito satisfeito com a quarta edição.

MANIA: Que é contada quase ao contrário.

Alan Moore: Algo assim; é uma visão diferente do tempo. Dá a toda a revista uma estrutura diferente que ainda acho ser bastante maravilhosa, ao olhar pra atrás. Não sei bem o que fizemos nela, mas foi o certo. Eu ainda tenho um afeto incrível por Watchmen. Sempre será uma parte muito importante de meu trabalho.

Por outro lado, o que Watchmen realmente fez pela indústria, eu não tenho tanta certeza. Me lembro uma vez que David Bowie se descreveu como a face que lançou mil pretensões. Penso talvez eu e Dave Gibbons temos um papel semelhante na indústria de quadrinhos. Até certo ponto, Watchmen abriu as comportas para uma onda de quadrinhos que tendiam a ser um pouco mais violentos, um pouco mais amargos, um pouco mais pretensiosos e ainda assim realmente não pareciam fazer coisa alguma, realizar coisa alguma.

É bem provavel que seja apenas eu, meu próprio gosto pessoal, mas parece ter havido uma onda de quadrinhos pós-Watchmen que eram amargos e deprimentes mas que nem mesmo tiveram as características redentoras de fazer alguma coisa que fosse verdadeiramente nova. Até certo ponto esse é o lado ruim de Watchmen. Provavelmente mergulhou a indústria de quadrinhos em uma massiva onda de violência por mais de 10 anos, junto com Cavaleiro das Trevas e todos os suspeitos habituais.


O FUTURO DOS QUADRINHOS

MANIA: Você acha que a "Era das Trevas" - se é que você acha - está começando a terminar, agora com vários outros relançamentos?

Alan Moore: Eu farei a minha parte. Estou me reparando. Eu realmente não estou de acordo com muito do que restou da indústria de quadrinhos, tenho medo de estar um pouco desligado com a maior parte dela. Mas até agora, com Supremo, estamos tentando ver se há um modo de fazer super-heróis viáveis, fazendo com que funcionem.

Acho que é sobre isso o que realmente estamos falando aqui. Achar um modo para que os super-heróis se desenvolvam. Você só pode ir tão longe com a violência quando você mostra algo que é bem mais violento do que o que antes foi mostrado. Aquela edição do Miraclemman que fizemos [o número 15, na qual Londres é horrivelmente devastada numa batalha entre um sádico Kid Miracleman e seu mentor, Miracleman] foi bem violenta. Por que ir além desses extremos?

Me parece que a única coisa que era realmente interessante nos quadrinhos, quando eu era criança, era a sensação de assombro que envolvia as HQ’s. A genuína imaginação que havia nelas. Você tinha pessoas como Mort Weisinger, que sofreu batante e provavelmente fez, em parte, por merecer. Estou certo de que ele provavelmente não era a pessoa mais agradável com quem se trabalhar, mas aquele mundo criado por ele e as pessoas abaixo dele, com o Super-homem dos anos 60, foi algo muito pessoal para ele.

Rick Veitch estava me falando sobre uma recente biografia que ele leu, ou um livro da indústria de HQ’s, que diz que a maior parte daquele material, a Cidade Engarrafada de Kandor, a Zona Fantasma, todos esses elementos clássicos dos anos 60, têm a ver com os elementos encenados em boa parte do esgotamento nervoso de Mort Weisinger. Isso é o quanto de sua imaginação ele estava investindo, e isso era o que abastecia a magia desses quadrinhos para mim quando eu era criança.

Houve pessoas que verteram tanto de sua imaginação nessas coisas, nesses pequenos e maravilhosos lançadores de idéias. Na primeira vez que li uma revista do Super-homem, eu estava quase no segundo grau. E uma vez que tivesse a mitologia do Super-homem em minha cabeça, eu pude imaginar ao redor e dentro de mim. Estou certo de que muitos leitores de quadrinhos fazem isso, especialmente os mais jovens. Você está pensando, o que aconteceria se você pudesse viajar no tempo, e você faz isso. O que aconteceria se você tivesse uma fortaleza no topo do mundo onde você poderia ter tudo o que sempre quis num lugar. E se você tivesse toda uma cidade dentro de uma garrafa.

Esses são espaços mentais que uma criança pode habitar e nos quais pode vagar ao redor, e eles eram espaços mentais vitais para mim enquanto eu estava crescendo. Era o mundo da imaginação que os quadrinhos abriram para mim. Não eram fantasias de poder, não pensamentos como se fosse o Hulk, eu poderia bater em qualquer pessoa que estivesse me atormentando, embora eu esteja certo de que esse pensamento me ocorreu, como pode ter ocorrido a qualquer pessoa. Esse não era o impulso principal, era apenas que um cachorro usando uma capa e uma cidade presa em uma garrafa eram coisas maravilhosas. Poder voar e voltar no tempo eram coisas maravilhosas. Uniformes que saíam de anéis... essas eram algumas de minhas idéias favoritas.

Isso foi o que os quadrinhos me trouxeram, a sensação de assombro. Depois eu desenvolvi a mesma sensação de assombro em como as pessoas de verdade escrevem e desenham as histórias. Mas a coisa que inicialmente me atraiu foi a sensação de riqueza da imaginação. Uma diversão, as brincadeiras da mente. Você pode ver nas primeiras histórias do Flash, Quarteto Fantástico, Super-homem: está em todos eles. Em todos os diferentes criadores, você pode ver as pessoas que brincam com as idéias. Eles estavam se divertindo com o que faziam. E o mesmo acontecia com seus leitores. Se eu fosse resumir isso num compromisso, seria meu compromisso para com o universo Extreme como um todo.

MANIA: Restabelecer uma sensação de assombro.

Alan Moore: Sim, se isso for possível.

MANIA: Bem, você está obviamente dando um show. Esta em cada página sua.

Alan Moore: É. E se eu não estiver dando um show, os leitores saberão.

MANIA: E imagino que você nunca testou experimentalmente isso antes?

Alan Moore: Eu nunca escrevi nada com o qual não estivesse me divertindo; algumas coisas me divirtem mais que outras, mas acho que se não estou me divertindo com algo, então realmente não posso escrever isso. Tenho que ter algum tipo de diversão.

Um velho artista chinês uma vez disse que se ele desenhasse uma linha pela qual ele não ficasse excitado, então como ele poderia esperar que mais alguem olhasse a página e ficasse excitada com ela? Você tem que ter o espírito e isso virá quase através de algum tipo de osmose ou algo assim. O espírito no qual você está quando escreve a história será transmitido ao leitor de alguma maneira, e se você está chateado com o trabalho que está escrevendo, então será uma história enfadonha. Mas se estou sentado aqui e rindo devido a alguma coisa, pensando isso foi ótimo sobre algum detalhe ou quadrinho que coloquei em Supremo, há uma grande chance de que os leitores rirão e pensarão que isso foi ótimo. Pelo menos, essa é minha teoria.


INÍCIO ------------- VOLTAR