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ENTREVISTAS
... COMO UM HAMLET COBERTO DE LODO.
A segunda parte de um artigo sobre Clive Barker e Alan Moore
para a revista Rolling Stone, em 1987.
Stephen King certa vez escreveu que a ficção
de horror é basicamente reacionária, diz Alan Moore.
King queria dizer que a ameaça neste tipo de ficção
sempre vem de fora, e que perto do fim da história a ameaça
tem de ser destruída, e a realidade e a vida normal tem de ser
reafirmadas.
Eu penso que essa idéia pode ser verdadeira para a ficção
de Stephen King, ele continua, ou ela pode ser verdadeira
para muitas das ficções de horror americanas. Mas se você
pegar um escritor inglês de horror com Clive Barker ou eu
mesmo, há a sensação em nosso trabalho de que o horror
já aconteceu. Nós imaginamos se também somos o monstro
ou se estamos criando o monstro de alguma maneira. De um modo ou de outro,
o horror vem de dentro: de nossa luxúria, de nosso medo, de nossa
dor - todas as coisas das quais nós não tratamos ou reparamos
completamente. E até nós podermos entender isto, você
pode jamais estar livre dos monstros.
Como Clive Barker, Alan Moore é um homem aparentemente
alegre e admiravelmente espirituoso. Ele tem compridos cabelos castanhos
ondulados até os ombros e uma longa barba, de estilo sagrada, e
se veste em imaculados ternos de estilo inglês. Neste dia, sentado
na varanda do London Hotel, ele está usando um de cor azul clara,
com listras brancas que formam um conjunto harmonioso na sua forma esbelta
e ampla. Mas Moore também tem olhos cheios de sentimentos
e profundamente marcados, e à medida que ele fala nesta tarde sobre
um caso de horror da vida real que ocorreu exatamente um dia antes - um
rapaz chocado e com uma fixação em armas teve uma erupção
de violência, matando diversas pessoas inocentes em uma pequena
cidade inglesa - seus olhos se tornam poças assombradas.
Esse é um desses exemplos horríveis, ele diz,
quando nossa sociedade, de certa maneira, tem vontade de vomitar. Nós
dizemos, 'Oh, bem, ele devia possuir algum tipo de monstro dentro de si
- nada a ver conosco, na verdade'. E enquanto nós continuamos dizendo
isso, isto acontecerá novamente e novamente, porque recusamos em
ter responsabilidade sobre isto. E esta atitude é algo que eu vejo
refletida em muito do que eu poderia chamar de ficção de
horror reacionária, na qual é provavelmente o porquê
de eu não me importar mais com isso. É por isso que admiro
um escritor como Clive: ele tem a coragem de dizer algo de coisas
das quais não se pode falar abertamente.
Como Barker, Moore é um prolífico escritor
que tem escalado para o topo de seu campo - neste caso, o idioma dos quadrinhos
- em um espantoso curto espaço de tempo, com talento inovador.
Moore, 36 anos, tem vivido toda sua vida em Northampton, lugar
que ele descreve como uma pequena, cinzenta e claramente obsoleta cidade
no meio da Inglaterra. Em sua infância, Moore desenvolveu
um gosto por quadrinhos americanos - particularmente os infames títulos
de horror, ficção científica e humor da EC Comics,
assim como os mais prevalentes super-heróis fantasiados, como Super-homem
e Flash. Para mim, ele diz, os super-heróis
eram exóticos - todos esses homens em berrantes calças estreitas,
brigando uns com os outros, exibindo poderes extraordinários. Foi
a mesma sensação que senti quando descobri as mitologias
grega e escandinava pela primeira vez. Então, em 1950, Harvey
Kurtzman começou a desenhar todas aquelas paródias de
super-heróis, como Superduperman e Batboy, e foi difícil
em algum momento olhar para os heróis da mesma maneira novamente,
porque sua lógica absurda tinha sido revelada. Kurtzman
entortou minha percepção dos quadrinhos em 180 graus, e,
de alguns modos, ele foi meu ascendente espiritual do trabalho que eu
gostaria de fazer mais tarde.
Em 1979, depois de sobreviver fazendo serviços de escritório,
enchendo tanques de gasolina, retalhando carneiros e arrancando-lhes os
testículos em um matadouro, Moore começou a escrever
seus próprios quadrinhos - primeiro para um semanário inglês
de sons de rock e então para duas das arriscadas revistas britânicas
de quadrinhos, 2000 A.D. e Warrior. Ele provou ser um escritor
fértil, admiravelmente irreal e mordaz, criando várias séries
aclamadas pela crítica e pelo público, incluindo A Balada
De Halo Jones, V De Vingança e Marvelman. Esse último
(que foi rebatizado de Miracleman nos E.U.A., após a Marvel
Comics ter se incomodado com o título) é uma comovente
e freqüentemente preocupante história sobre um antigo super-herói
de meia-idade, esquecido, assustado e mortífero.
Então, em 1983, a DC Comics (lar do Super-homem e
do Batman) recrutou Moore para escrever e tomar o comando
de um debilitado título de horror: A Saga do Monstro do Pântano.
Inicialmente, ele foi relutante. A premissa da série parecia
ser uma mentira, ele diz. A premissa era de que esse homem, Alec
Holland, tinha sido privado de sua humanidade e se tornado em uma planta,
e que queria encontrar um modo de reverter esse estado. A idéia
foi usada infinitas vezes, e até mesmo o mais estúpido dos
leitores sabe que é um blefe, pois no momento que o personagem
recuperar sua humanidade perdida, bang, lá se vai a série.
Como resultado, o Monstro do Pântano apenas caminha por aí
todo o tempo sentindo vagamente pena de si mesmo, como um Hamlet coberto
de lodo, basicamente. Então pensei: 'Como eu posso mudar este ciclo
vicioso?
Em sua primeira edição da série, um conto chamado
Lição de Anatomia, Moore resolve seu problema
transformando o Monstro do Pântano na mais inteligente e
provocativa revista de HQ nos últimos trinta anos. Nesta edição
(a qual foi reimpressa pela DC em uma recente antologia da série),
o Monstro do Pântano toma conhecimento da enlouquecedora
verdade sobre a sua condição: Ele jamais irá recuperar
sua humanidade perdida porque Alec Holland está morto. A
criatura é simplesmente um agregado de vegetação
consciente que de alguma forma absorveu a consciência do homem agonizante
e erroneamente vê a si mesma como fundamentalmente humana. Esse
conhecimento faz com que a bamboleante planta cometa um horrível
ato de fúria.
Para os próximos anos, Moore - juntamente com os artistas
de gótico moderno Steve Bissette e John Totleben -
pretendem transformar o Monstro do Pântano em um hábil
narrador: um triste observador que ocasionalmente intervem nos horrores
da vida real que ele descobre tomando forma ao seu redor na América
do Sul. Os contos que Moore produziu durante sua permanência
na série - contos com uma atmosfera sombria e nebulosa de amor,
loucura, racismo, sexualidade, infidelidade, arrogância e perversidade
espiritual - foram tão anormais e frios quanto tudo o que a ficção
de horror já tem apresentado.
Gosto de pensar que o horror que faço é positivo,
Moore diz. Ele pode não ser agradável de ler,
e uma parte dele pode ser deprimente e angustiante, mas gostaria que os
leitores soubessem que quando eles o deixarem de lado, eles estiveram
face a face com algo. Você pode encarar o horror, ter passado um
tempo com ele e continuar com sua vida.
Em 1986, Moore fez o sucesso de Monstro do Pântano, levando-o
de uma circulação mensal de 17.000 para mais de 100.000
exemplares. Foi imensamente compensador ver que a maioria dos leitores
respondeu a essa idéia. Foi como se as pessoas tivessem realmente
esperando para que essa coisa fosse dita.
A DC então concordou em deixá-lo produzir sua própria
série. Com o artista britânico Dave Gibbons, Moore
sugeriu o projeto de uma série chamada Watchmen. A história,
como Weaveworld de Clive Barker, é uma epopéia
sobre um mundo fictício - embora o mundo que Moore inventou
seja de várias maneiras igual ao mundo real de hoje. Começando
em uma Nova Iorque durante os anos 80, Watchmen descreve uma América
como poderia ter sido se realmente tivesse testemunhado o surgimento de
fato dos "super-heróis" - isto é, seres que possuem
habilidades super-normais ou que se apresentam como vigilantes idealistas.
Assim como a América nunca teria sofrido uma divergência
política progressiva dos anos sessenta, imagina Moore, também
nunca teria perdido a Guerra de Vietnã, e teria achado um modo
para manter Richard Nixon como presidente. Já no início
de Watchmen, dificilmente as coisas são sublimes: alguém
decidiu eliminar ou desacreditar os poucos super-heróis remanescentes
enquanto que, em uma série de eventos aparentemente não
relacionados, os Estados Unidos e a União soviética desenham
um crescente conflito nuclear por causa de uma disputa na Ásia.
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