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ENTREVISTAS
... COMO UM HAMLET COBERTO DE LODO.
No centro da consciência desta história, de olho na (e tentando
desafiar a) maneira de como o mundo está desmoronando, está
um incomum herói criado por Moore: um mascarado, horrendo
e transtornado vigilante direitista conhecido como Rorschach. Na
mais eloqüente e comovente edição da série,
O Abismo Também Contempla, Rorschach fala para um
intimidado psiquiatra da prisão como ele se tornou o homem impiedoso
que é. No início da sua cruzada, diz, ele era gentil
com a escória
os mimava. Deixava-os viver. Então,
em 1975, enquanto investigava o seqüestro de uma menina de seis anos,
Rorschach encontrou uma pista. O que ele descobriu - como a menina
conheceu seu brutal destino - o enlouqueceu e o inspirou a assassinar
o homem que ele suspeitava ser o seqüestrador.
Rorschach fala para o psiquiatra sobre a noite em que ele cruzou a linha
da brutalidade:
Me senti limpo. Senti o sombrio planeta girando sob os meus pés
e descobri o que faz os gatos gritarem como bebês durante a noite.
Olhei para o céu através da espessa fumaça de gordura
humana, e Deus não estava lá. A escuridão fria e
sufocante, continua para sempre, e nós estamos sós. Vamos
viver nossas vidas na falta de qualquer coisa melhor para fazer. Deixemos
a razão para depois. Nascemos para o esquecimento; agüentando
crianças destinadas para o inferno, nós mesmos; caminhando
para o esquecimento. Não há nada mais. A existência
é fortuita. Nenhum padrão seguro imaginado por nós
depois de encarar isto por muito mais tempo. Nenhum significado seguro
além do que nós escolhemos impor. Este mundo sem direção
não é moldado por vagas forças metafísicas.
Não é Deus que mata as crianças. Não é
o destino que as abate ou que as dá de alimento para os cachorros.
Somos nós. Somente nós
Estava renascido então,
livre para rabiscar meu próprio desígnio neste mundo moralmente
vazio.
Aquela foi uma história terrivelmente depressiva para se escrever,"
diz Moore, em parte porque Rorschach em nada se parece comigo:
Eu não compartilho a sua política, e nem compartilho a sua
filosofia. Ele é um homem aterrorizado e, em minha visão,
ele acaba se rendendo ao horror do mundo.
Mas eu penso que o fundo do poço dos medos e ansiedades de
muitas pessoas pode ser igual ao do Rorschach. As coisas que uma vez usamos
para nos abrigar-mos da escuridão - como Deus, a rainha, o país,
e a família - foram se distanciando de nós. Em muitos casos,
temos esmagados a nós mesmos, e agora nos deixamos tremendo na
chuva, olhando para o mundo e vendo um obstáculo preto que não
tem nenhum significado moral, afinal.
Até que alcance seu devastador mas reafirmado fim, é evidente
que, acima de tudo o mais, Watchmen é uma história
de como as pessoas encaram a perplexidade do mundo de hoje: como alguns
se movem furiosamente e de maneira fatal contra ele e de como outros,
heroicamente, reúnem forças até mesmo em face ao
Armageddon.
Enquanto estava trabalhando em Watchmen, conta Moore,
eu tive que me perguntar, 'O que é que mais me assusta?' E percebi
que a verdade é que quando o mundo acabar, não haverá
nenhum aviso de quatro minutos, não haverá nenhum conflito
nuclear de baixa escala. A verdade é que os mísseis poderiam
estar no ar em cinco minutos. E se houver um Armageddon nuclear, não
iremos retirar o pó de nós mesmos e nem reinventar os valores
humanos. Não poderia haver nenhum valor humano após uma
guerra nuclear porque não haveria nenhum humano. Nosso passado
seria erradicado. Nosso futuro seria erradicado. Nosso presente seria
erradicado. E eu me achei pensando, 'Quando as crianças foram para
escola esta manhã, eu gritei com elas ou lhes falei que eu as amo?'
Uma vez eu tinha alcançado um certo ponto com tudo isso, estava
liberando. Era quase como o velho ideal budista de manter sua morte próximo
a você constantemente, como um modo de desfrutar vida. Eu achei
que realmente encarei isso e, de algun modo, aceitei este horror. Eu quero
dizer, ainda sou violentamente antinuclear, mas não fico tão
assustado agora com isso como antes. Talvez só o peso deste horror
esteja nos forçando a evoluir em criaturas que podem ir mentalmente
além disto. E talvez isso seja um exemplo de como o horror pode
ser útil: se algo o assusta, mergulhe nele, mesmo se for desagradável.
Porque se você não o fizer, ele sempre estará esperando
lá por você, simplesmente como um horrível peso sombrio
em seu estômago, durante todo o tempo.
Watchmen é inigualável, a HQ mais ambiciosa da década,
mas também pode ser o último amplo esforço de Moore
no meio. Isso porque a meio caminho da publicação de Watchmen,
Moore e Frank Miller (o autor de outras HQ's inovadoras,
como Demolidor, O Retorno do Cavaleiro das Trevas e Elektra
Assassina) se tornaram objetos de um movimento de censura por vários
fundamentalistas religiosos, donos de comic stores e distribuidores que
sentiam que os artistas não deviam apresentar certos modelos de
histórias em revistas para crianças. Ao mesmo tempo, a DC
anunciou que adotou um sistema de classificação para seus
quadrinhos - um selo universal para materiais inofensivos;
maduro e adulto para materiais mais vigorosos.
Embora a companhia negasse ter dado este passo por causa de pressão
externa, Moore e Miller pensavam de outra forma. Eles retaliaram
declarando que não entregariam mais nenhum trabalho futuro à
companhia. Mas enquanto Miller tenha se reconciliado com a DC,
Moore não o fez. Todo esse episódio deixou Moore
pensando sobre seu compromisso a um meio artístico que é
relutante ao defender os direitos de seus próprios criadores.
Eu não fiquei particularmente surpreendido pelo advento dos
censores, Moore diz. Afinal de contas, você espera
que um cachorro raivoso morda. Nem fiquei chocado quando a DC comics desmoronou
em suas exigências: você não espera que estruturas
corporativas sejam bem favorecidas com coragem. E mais, é necessário
que alguém diga a estas pessoas, 'Você está errado
- até mesmo se você diz que está fazendo isto para
proteger as crianças'. Porque privando as crianças destas
verdades causa mais problemas que soluções. Quero dizer
que a única coisa que nós podemos dar a nossas crianças
para lidar com em um mundo crescentemente perigoso é o conhecimento
- conhecimento da violência, do que acontece a eles à idade
de quatorze, quando todos seus hormônios começam a se tornar
incontrolaveis, conhecimento sobre todas as coisas feias que nós
provavelmente nos sentimos ligeiramente envergonhados ao falar. Eu penso
que é um pouco absurdo para os pais que vivem em um mundo tão
sombrio e niilista como nosso correr por aí atrás de confiscar
cópias do Batman.
Se Moore retorna ou não aos quadrinhos, resta esperar.
Mas no presente, os fãs dele têm muito o que desfrutar. A
DC copilou as primeiras seis histórias de O Monstro do
Pântano escritas por ele recentemente, bem como toda a série
de Watchmen, e os publicou em grandes volumes de capa cartonada.
Este ano a DC publicará também uma edição
americana de V de Vingança, mais uma graphic novel assustadora
sobre a origem do mais mortal inimigo do Batman: o Coringa.
Além isso, Moore terminou o roteiro de Fashion Beast
(uma atualização de A Bela e A Fera, a ser filmado
por Malcolm McLaren), e há rumores de se adaptar Watchmen
para a tela (ninguém espera isso: o trabalho está perfeito
como está). No momento, entretanto, Moore está considerando
em escrever somente para a Literatura.
Eu sei que realmente não estou escrevendo para competir com
os quadrinhos de dez anos atrás, ele diz, ou até
mesmo com os quadrinhos de hoje. Eu estou tentando produzir trabalhos
de ficção que progridam ou que desapareçam, nas mesmas
condições que a principal corrente de ficção
faz.
Mas mais importante, o que estou tentando fazer, sob minha própria
e limitada visão, é propor um idioma moral para um novo
mundo, quer dizer, propor um alcance de conceitos que estão mais
de acordo com o mundo no qual vivemos agora, nos anos 80, em lugar dos
materiais que herdamos de gerações anteriores e mais simplistas.
Eu penso no que qualquer artista tentará conceber no futuro - não
só no futuro da ficção científica, mas um
futuro de idéias humanas e atitudes que poderiam ser concebivelmente
úteis para nós no futuro. Eu não vejo nenhum outro
artista tentando fazer isto.
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