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TEXTOS SELECIONADOS
Como Escrever Histórias em Quadrinhos
- Parte III
Por Alan Moore
Assim, para considerar o processo de enredo em qualquer maneira
que valha a pena, você deve tentar pensar em termos quadrimensionais.
Veja o mundo que seus personagens habitam como um continuum com
um passado, um presente e um futuro. Veja o modelo como um todo, e você
será mais capaz em ver como os elementos dentro desse design global
relacionam-se uns com os outros com uma clareza muito maior. Watchmen
foi concebida precisamente dessa maneira. Em tempo real, a história
começa em outubro de 1985 e termina poucos meses depois. Tenho
todos os eventos dentro daquele período precisamente desenvolvidos.
Em termos mais amplos, entretanto, a história relaciona eventos
acontecidos desde 1940, com seqüências individuais iniciadas
nas décadas de 40, 50, 60, 70... O que nos dá uma impressão
de, eu espero, ser um mundo com um senso crível de profundidade
e História, junto com personagens que partilham das mesmas qualidades.
Sendo capaz de vislumbrar 45 anos arrancados da História [do homem]
e relacionados ao mundo, minha história está amarrada antes
mesmo de tentar escrever uma única sílaba sobre esse mundo.
Sou capaz de perceber padrões de eventos e eventos os quais espelham-se
uns aos outros, conceptualmente, atraindo elementos potenciais da história
e mostrando que posso enfatizar e salientar com ao história irá
progredir. Eu vi oportunidades em amarrar elementos do enredo ou
da estrutura temática do livro e apresentar um todo mais coerente
e efetivo como resultado. Também, desde que eu tenha a história
desse mundo e seus vários personagens mapeados de modo avançado,
talvez eu possa perceber interessantes justaposições de
personagens ou eventos, os quais poderiam logicamente acontecer em algum
ponto da história e poderiam sugerir uma cena interessante ou momento
de ação ou troca de diálogo.
Estabeleçer seu continuum como um padrão quadrimensional,
com comprimento, largura, profundidade e tempo, e então escolher
uma linha simples de narrativa que o conduza de forma mais interessante
e mais reveladora através da paisagem que você criou, seja
ela literalmente uma paisagem ou algo mais abstrato e psicologicamente
mais mundano. Esta linha de narrativa é o seu enredo. Como
o enredo move-se através do bem-visualizado continuum
que você criou para existir nesse enredo, você irá
perceber que é fácil obter uma impressão despercebida
mais realística e admirável de um mundo realista que encontra-se
além dos confins da verdadeira história que estamos contando.
Um bom exemplo disso pode ser os mundos que Jaime e Gilbert
Hernandes criaram em Love and Rockets. Nos storylines
de Locas Tambien e Mechanics de Jaime Hernandes,
temos a sensação de toda uma massa crível de detalhes
pairando além das bordas dos quadrinhos e dos confins da própria
história. Após ver o nome referido nos vários pedaços
de grafites durante meses, finalmente aprendemos que Mísseis
de Outubro é o nome da banda de Hopey, do mesmo modo
casual que descobrimos que seu sobrenome é Glass ou que
a tia de Maggie, Vicky Glori, uma vez esteve em um Body
Contested Championship Hour com Rena Titanon. Em Heartbreak
Soup, Gilbert fez um trabalho igualmente impressionante com
sua descrição de uma comunidade em Palomar durante
um período de quinze ou vinte anos de tempo da história.
Vemos Jesus, Heráclio, Vicente e os outros crescendo e assentando-se
em suas próprias e distintas vidas adultas. Vemos a xerife Chelo
começar sua carreira como uma Banadora (uma mulher que dá
banho em homens) antes de ser expulsa do negócio pela bela Lube
e ser obrigada por imposição da Lei. Nas seqüências
posteriores vemos quão perfeita ela se tornou em sua nova vocação
e vemos que ela se torna gradualmente mais magra e bem mais atraente,
enquanto Lube começa a parecer mais desgastada e consciente
do quanto ela perdeu da liberdade de sua juventude, junto com o anúncio,
quiçá, da transitoriedade de sua beleza. O mundo é
real e tridimensional. Leva quinze anos de tempo de história antes
de começarmos a perceber que Vicente está mais preocupado
por sua desfiguração que originalmente parecia estar. Observamos
duas crianças com mães diferentes, ambas pensando no recém
falecido jovem Manuel, nas brincadeiras que faziam juntas durante
um banquete público, enquanto a vida adulta chega para elas. Temos
a sensação de um completo continuum, no qual tudo
assume seu próprio grau de importância e torna-se uma parte
vital do trabalho global de arte.
Nós temos uma idéia que desejamos comunicar e um enredo
que enfatiza e revela a idéia de um modo interessante. Temos personagens
sólidos e adaptados para a história acontecer de acordo
e um mundo igualmente sólido e acreditável no qual
ela aconteça. O primeiro passo é pegar nossa história,
a qual, presumivelmente, tenhamos chegado à ela com a noção
de quantas páginas serão necessárias para que seja
impressa, e ver exatamente quão bem ela combina com as restrições
que temos. Como exemplo de como esse processo funciona, citarei a história
que criei para o anual do Super-homem, de 1986 (N. do T.: trata-se
da história Para O Homem que Tinha Tudo).
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