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TEXTOS SELECIONADOS Como Escrever Histórias em Quadrinhos - Parte III Por Alan Moore Certo. Agora temos nossa história completamente dissecada, com um entendimento de mais ou menos o que exatamente acontecerá em cada página, e também um entendimento de como todos os diferentes elementos que estamos considerando irão funcionar entre si para formar o todo. As únicas etapas restantes são processos finais puramente criativos de se chegar à linha exata que contém tanto a narrativa verbal quanto a narrativa visual. A aplicação da melhor estratégia de "forjar palavras" é importante, pois o uso de uma linguagem volumosa ou enfadonha ou sem vida contém uma enorme chance de distrair o leitor da história que você está tentando contar. Você deve aprender como usar as palavras da melhor maneira possível, uma vez mais, aplicando pensamentos reais aos processos envolvidos. O que, por exemplo, separa uma sentença interessante de outra enfadonha? Isso não é o mais importante... Um bom escritor pode pegar o assunto mais mundano que existe e torná-lo interessante. É alguma coisa na disposição das palavras que dá significado à toda a estrutura, provocando uma poderosa impressão no leitor. Ao observar os trabalhos dos escritores com os quais você tem algum interesse - seja um poema ou um romance ou uma história em quadrinhos - é possível ver certos padrões que foram discutidos anteriormente. O elemento-surpresa é, com freqüência, a coisa mais interessante em um texto; o uso surpresa de uma palavra, ou uma justaposição surpreendente de dois conceitos interessantes. Usando um exemplo que eu pessoalmente gosto muito, mas que a maioria das pessoas parecer achar que é a pior coisa que escrevi, há uma linha em O Monstro do Pântano sobre, "nuvens parecendo pedaços de algodão ensangüentados tapando inutilmente os pulsos cortados do céu". Essa foi uma descrição de um pôr-do-Sol, e a intenção era descrever algo de beleza inquestionável em termos mais horríveis e sórdidos e depressivos. Achei que a justaposição de duas sensações estimularia e entreteria o leitor mas, aparentemente, para um monte de pessoas, ela cruzou a linha da auto-paródia. Pode parecer um mau julgamento de minha parte, mas provavelmente eu o faria de novo e de novo até o fim de minha carreira. Criar uma simples história requer que você faça milhares e milhares de pequenas decisões criativas baseadas em qualquer teoria que você aprecie e a aplicação de grandes doses de intuição. Por mais que eu quisesse que fosse de outra forma, não há ninguém que esteja certo o tempo todo, e se você comete um engano, a única coisa que você pode fazer é analisá-lo, ver se você concorda com seus críticos e responder de acordo. Deixando reações adversas de lado, ainda acredito que o fator surpresa por trás de uma sentença seja o melhor caminho, mesmo que a sua execução deixe a desejar. Tenha consciência do ritmo que você impõe aos seus textos e do efeito que ele terá no tom de sua narrativa. Sentenças longas e plenas, com grandes quantidades de imagens detalhadas, provocarão um efeito. Sentenças curtas e limitadas, mostradas com a velocidade de uma bala, terão outro efeito. Às vezes, repetir um ritmo verbal é quase como se fosse música, onde várias frases musicais são repetidas continuamente para emprestar-lhe sua estrutura. Cada palavra-ritmo tem seus próprios atributos, e há um infinito número de ritmos diferentes a serem descobertos por alguém com imaginação suficiente. Cada diálogo também deve ter seu ritmo próprio e individual, dependendo de qual personagem irá dizê-lo. Uma excelente regra prática é ler o diálogo em voz alta e ver se ele soa natural o bastante para ser usado em uma conversa com seus amigos sem que fiquem olhando para você de um jeito estranho, imaginando porque você está falando tão engraçado. A maioria dos diálogos apresentados nos quadrinhos não passam nesse teste. Lidos em voz alta, soam falsos e ridículos. Ao desenvolver um ouvido para os diálogos e uma consciência dos princípios envolvidos, será mais simples evitar tal armadilha e produzir um intercâmbio de diálogos ou um monólogo em primeira pessoa que sejam autênticos e convincentes e naturais. A narrativa visual de uma história em quadrinhos é simplesmente o que se desenvolve nas imagens. Para isso, é vital que o escritor pense visualmente e tire vantagem de quanta informação é possível transportar para dentro de uma imagem de forma casual e sem exageros, seja um painel com estranhos detalhes ou uma legenda com longas descrições. Mesmo se sua habilidade como desenhista seja tão pequena quanto a minha, é mais fácil desenvolver uma sensibilidade visual habituando-se a fazer um esboço grosseiro de cada página antes de escrevê-la, mostrando os elementos visuais que serão mostrados em cada quadrinho. Você irá obter uma idéia de o que é possível mostrar em cada quadrinho, e terá alguma noção de como a página completa funcionará: há muitos imagens de close-ups de rostos ou de corpo inteiro? Será que todas as imagens são vistas pelo mesmo e maçante ângulo? Poderia a imagem onde você quer estabelecer uma sensação de ameaça ser melhor apresentada se ela fosse vista através de um ângulo superior, para que pudéssemos captar uma sensação quase subliminar de alguma coisa olhando sobre os inocentes personagens abaixo dela, pronta para atacar? Poderia essa seqüência de quatro quadros que aproxima-se lentamente dos olhos do personagem tomar muito espaço e desbalancear a página? Não seria melhor apresentar essa seqüência com apenas três quadros, e usar o quadro restante para mostrar algo mais? Será que não há informação demasiada nesse quadrinho? E se ele tivesse espaço suficiente para ser dividido em dois outros quadrinhos, isso facilitaria a sua leitura? Dicas desse tipo permitirão ao artista entender o efeito que você irá experimentar e o propósito por trás disso, o qual ele usará como um ponto de investida para qualquer força visual que ele queira adicionar, tendo em mente que o artista terá quase que certamente uma sensibilidade visual cinqüenta vezes mais intensa e experiente do que a sua.
Basicamente, é isso. Tendo terminado sua história, volte e veja se há alguma coisa que necessite de mudanças, e faça os últimos ajustes necessários para atingir o grau exato de lapidação. Suas histórias em quadrinhos estão agora tão boas quanto lhe é possível , e você irá esperar por longos meses para ver o que os leitores acharam dela, o que geralmente é um tempo muito chato e irritante. Você encontrará a si mesmo experimentando violentas mudanças de humor, onde alternadamente estará considerando essa HQ como o melhor trabalho que você já fez e depois concluirá que é, do início ao fim, uma besteira tão ruim e embaraçosa que provavelmente marcará o fim de sua carreira, caso alguém realmente comprometa-se em lê-la. Isso é uma neurose irritante mas, de minha parte, acho que se me tornasse muito envolvido com uma história após fazê-la da melhor maneira que pudesse, eu me encontraria confinado a uma preocupação obsessiva até vê-la nas prateleiras das Comic Shops e perceber que mais ansiedade seria inútil. Relendo o que foi dito até aqui, tenho a sensação de ter me desviado de todas as situações pertinentes e falhado em explicar as coisas tão claramente quanto eu gostaria. Isso porque o campo da escrita, como qualquer trabalho no qual você dedica-se completamente, é tão amplo e complexo para aprofundar-se que mesmo um cansativo discurso como esse pode apenas começar a arranhar sua superfície. Há coisas que omiti com essa pequena explanação, mas espero que, em última análise, ao menos ela possua alguma coisa que os aspirantes a escritores sejam capazes de usar. Se não, espero que o desgosto e o tom desconexo desse texto sirva como um terrível alerta para demonstrar o que essa bizarra e obsessiva profissão faz com seu cérebro. Os tímidos não necessitam se aventurarem até aqui. No mais, espero que esse mapa toscamente esboçado ao menos permita que vocês evitem o piores percalços e remendos e armadilhas e encontrem uma carreira tão emocionante e intelectualmente recompensadora quanto a que estou usufruindo atualmente. Alan Moore, abril de 1988. PARA SABER MAIS:
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