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TEXTOS SELECIONADOS
Como Escrever Histórias em Quadrinhos
- Parte III
Por Alan Moore
Tendo estabelecido a situação básica sobre esta
Kripton Imaginária, nós viramos a página e
partimos diretamente para o círculo ártico, com achegada
dos três visitantes para o aniversario do Super. Enquanto
eles têm um diálogo que seja, espero, natural e ainda assim
casualmente descritível, eles caminham em direção
à fortaleza. Como estou ciente que as páginas dois e três
estão respectivamente do lado esquerdo e do lado direito, pode
ser vantajoso guardar algum surpresa de grande impacto visual na página
quatro, que o leitor não verá enquanto não virar
a página. Assim, a página três termina com uma implicação.
Tendo entrado na fortaleza, os três heróis são vistos
com uma expressão de surpresa e terror crescente, olhando na direção
de algo que encontra-se fora do painel. Isso sugere algo suficientemente
intrigante para fazer com que o leitor passe para a página quatro.
Como há um anúncio de passagem de cena imediatamente após
a página quatro e como eu quero muito ter um grande quadrinho de
página inteira, tanto para mostrar o título da história
quanto para sugerir uma premissa com algum peso e importância e
para significar que a história começou propriamente, a página
quatro é impactante: o Super-homem encontra-se em pé
e imóvel com uma abominável massa preta e vermelha crescendo
em seu peito. Com um pouco de sorte, o leitor estará intrigado
por esta inusitada situação para acompanhar a história
até a página cinco, do outro lado da folha, onde temos uma
página mostrando as reações dos amigos do Super,
enquanto tentam descobrir o que há de errado com seu camarada.
Esta página termina com um close-up frontal da face do Super-homem,
enquanto Batman encontra-se atrás dele, observando que ele
está em mundo só seu. Movemos nossos olhares para o topo
da página seis. Aqui, temos uma imagem daqueles ecos das imagens
do quadrinho anterior. Uma vez mais, Kal-El está de frente
para nós, mas agora estamos de volta à Kripton dos
sonhos do Super-homem, literalmente no "mundo só dele".
Assim, a coincidência das imagens e a ironia da observação
de Batman fornecem uma transição suave e semi-significativa
entre as duas cenas sem perder a atenção do leitor (N.
do T.: Esse recurso é característico de Moore,
usando inúmeras vezes por ele, principalmente em Batman: A Piada
Mortal e Watchmen). Mostramos na página seis o relacionamento
entre Kal-El e sua esposa com algum grau de detalhe emocional e
usamos seus diálogos para esclarecer o leitor um pouco mais sobre
a situação deles. A página termina com a imagem do
anoitecer no prédio onde moram, contra um belo céu noturno
azul e róseo, imediatamente após Kal ter mencionado
que ele irá ver seu pai no dia seguinte.
Viramos a página e temos a visão de um outro prédio
kriptoniano, desta vez contra um céu matutino vermelho, amarelo
e laranja. Obviamente, ainda estamos em Kripton e, obviamente,
esta é a manhã do dia seguinte. Vemos três páginas
de confronto entre Kal e seu amargurado pai, terminando na página
nove com Jor-El, extravasando sua raiva fútil em uma das
árvores ornamentais de vidro em seu terraço, despedaçando
um petrificado passarinho de vidro, congelado no ato de alimentar seus
filhotes. A última visão que temos é a da cabeça
despedaçada do pássaro de vidro, com uma minhoca de vidro
pendendo em seu bico. Isso mostra uma imagem simbólica do rompimento
do relacionamento entre pai e filho de Kal-El e seu pai, que é
acompanhada paralelamente com uma esclarecedora legenda afixada ao quadrinho,
que é um tipo de fala expandida do quadrinho seguinte, onde lemos,
Na verdade, é apenas uma questão de unir todas as peças.
Esta sentença na verdade relaciona-se com o comentário do
Batman através do processo dedutivo usado para descobrir
o que está de errado com o Super-homem, mas também
tendo uma aparente relevância à imagem do pássaro
quebrado, transformado em pedaços que são impossíveis
de serem colados. Isso nos leva à página dez, que começa
uma seqüência de quatro páginas, nas quais Mongul
chega e começa uma luta entre ele e a Mulher Maravilha.
Essa seqüência termina com Mongul dizendo, Obrigado,
acho que você respondeu minha pergunta, enquanto atinge a Mulher
Maravilha com um Super-homem imóvel ao fundo, acompanhando
tudo com seu olhar cego. Na página seguinte, voltamos à
Kripton, em um hospital. À frente, temos Allura,
a mãe da Supergirl. Ao fundo, mais ou menos em uma posição
relativa às figuras a frente, como se estivesse em um quadrinho
anterior, Kal-El entra no hospital da sombria cidade lá
fora. Allura, desesperadamente inquirindo uma enfermeira sobre a condições
de sua filha, diz, Eu lhe fiz uma pergunta. As cenas continua sendointercaladas
de modo similar, indo e vindo por vários métodos até
que alcancemos a página 25, com o despertar do Super-homem.
Tendo mapeado a primeira metade da história, fui capaz de ver
quanto espaço eu teria de preencher com as coisas que aconteceriam
até o fim. Sabia, por exemplo, que eu precisaria de uma boa e forte
página final, , precedida por um par de páginas que seriam
gastas com as conseqüências da ação e com o estabelecimento
de uma atmosfera de retorno a normalidade e reflexão sobre as lições
que tenhamos aprendido. Isso leva mais ou menos umas quatro páginas
até o fim. Isso significa que as páginas de 26 a 36 serão
deixadas para o clímax da batalha final entre o Super-homem
e Mongul, que parece bem longa.
Usando os mesmo procedimentos brutos descritos anteriormente, pretendo
transformar essa seqüência de ação de dez páginas
em um interessante fluxo de eventos menores, com o Super-homem e
Mongul se gladiando através do interior da fortaleza. Para
isso dar certo, usei extensivamente como referência um esquema da
fortaleza, que me foi emprestado por Dave "Fanboy"
Gibbons. Eu sabia que o Super-homem seria o primeiro a encontrar
Mongul na sala de armas, onde o gigante alienígena ainda
espancava a Mulher Maravilha. Se Mongul atingir o Super-homem
com força suficiente para arremessá-lo através
do teto até os andares superiores, ele poderia acabar no zoológico
alienígena, imediatamente acima. Digladiando-se ao longo do zoológico,
eles poderiam chegar na sala de comunicações com seus arquivos
de computador. Se nesse ponto eles se batem até serem arremessados
através do piso e esparramarem-se no chão em frente a uma
estátua gigante de Jor-El e Lara suspendendo o planeta
Kripton entre suas cabeças. Este parece um bom lugar para
concluir a batalha, com os ecos de um mundo que Super-homem passou
a primeira metade da história imaginando. Enquanto isso se desenrola,
acompanhamos os progressos de Robin enquanto imagina o que fazer
com o organismo retorcido que ele retirou do Batman. Ele segue
os rastros de destruição que Super-homem e Mongul
deixaram para trás até que, finalmente, ele forneça
o elemento vital necessário para deter Mongul. Novamente,
tudo foi feito naturalmente, conduzindo ambas as linhas narrativas (Robin/parasita
e Super-homem/Mongul) ao seu final, simultaneamente.
Mongul é finalmente subjugado pelo organismo com o qual
pretendia prender o Super-homem. Após três páginas
de retorno a normalidade, nas quais os heróis relaxam e conversam
após a batalha, temos Batman presenteando [o Super-homem]
com sua rosa "Kripton" cultivada especialmente para a
ocasião, mas que foi esmagada durante o confronto. Super-homem
aceita calmamente a morte da rosa, bem como a morte de Kripton,
fornecendo um ponto emocional perfeito, o qual leva a história
ao seu fim com a idéia central explorada e parcialmente resolvida.
A página final, espelhando a primeira página, nos dá
um vislumbre da terrível e sangrenta realidade onírica conjurada
por Mongul sob influência do parasita, mostrando que ele
está mais desesperançosamente preso dentro de seus próprios
sonhos do que o Super-homem poderia estar com os seus, e providenciando
um contraponto ao eventual sucesso do Super-homem e seu próprio
e eventual fracasso.
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