HOME PAGE DO ARAÚJO
          HOME
   Textos de filosofia
  Textos em Geral
 Biografia do Araújo
 Links(Meu Bookmark)

Em construção  

       Boa Música
 Álbum de fotografia
   Biblioteca Virtual

Em construção

 

 

Textos em geral
                      Este site está em construção...

 TEXTOS DO ARAÚJO (LIVROS  1    -2-  3  4  5  )

 

            “Sartre e a expressão da subjetividade no romance do início do século xx

 

                                                                                                             “Escrever é desvendar o mundo”  

                                                                                                                                                 Simone de Beauvoir                                                                 

                                                                “escrever é apelar ao leitor que este faça passar à existência     objetiva o desvendamento que empreendi  por meio da linguagem”

                                                                                                          Jean Paul Sartre 

   A Expressão da subjetividade na literatura encontra em Jean-Paul Sartre seu sustentáculo filosófico. Pode-se pensar por exemplo, na força de estatuto em que se encerra a filosofia e sua eventual distancia que a separa da arte literária. Entretanto, em Sartre, essa distancia é pura virtualidade, quero dizer, não existe! Filosofia e literatura fundem-se para criar significados.

   Entendamos, a partir de suas características, a concepção sartriana de literatura. Antes disso, convém analisarmos, mesmo que superficialmente, algumas noções de sua filosofia que compõe, com efeito, suas teses a respeito do que seja a criação literária e conseqüentemente, em que aspecto se dá, na literatura, o seu fundamento.

   Toda compreensão possível de como Sartre entende a literatura passa pela observação de sua teoria filosófica. Sartre, filósofo chamado “existencialista” é o representante mais significativo da corrente segundo a qual “a existência precede a essência” - máxima  esta que significa que não há nenhuma essência prévia pela qual o existente deve se submeter e pela qual estaria, por toda vida, determinado. Ao contrário, já que não há essência (um ser “por-detrás-da-aparição”) justamente é a existência que é o mais importante. Deste modo, dizer que “a existência precede a essência” é dar ênfase à existência. Ao mesmo tempo , isso significa, em resumo; se não há “essencia” não há o determinado para o existente, e se não há o determinado, o existente somente pode definir-se como puro auto-construto, ou seja, como pura liberdade.

   Na análise de Sartre(1905-1980) sobre o significado da literatura encontramos uma aplicação dos fundamentos teóricos da filosofia existencialista. Façamos então, preliminarmente, uma breve notação acerca da filosofia sartriana, com objetivo de lançarmos luz em sua tese.

   Sartre é sem dúvida nenhuma o mais importante teórico da corrente existencialista e figura entre os mais importantes pensadores do nosso século. Embora se afirme que há bases medievais para a expressão do pensamento existencialista  é com o filósofo Dinamarquês Sören Kierkgaard( 1813-1855) que este modo de pensar toma forma mais sistematizada. Entre outros existencialistas podemos destacar Martin Heidegger e Karl Jaspers.

   O objeto próprio da reflexão filosófica do existencialismo é o homem na acepção de sua existência concreta e em uma situação determinada. Mas, o ser do existente - dirá o existencialista -  é sempre um  “ser-em-situação”, um “ser-no-mundo” Assim, sua situação, embora determinada pelo contingente, ela não é necessária, pois, o “ser-em-situação” não possui uma  essência abstrata, universal, que o impedisse de sua liberdade.

   Os próprios existencialistas dividiram-se entre Cristão e Ateus. Entre os Cristão, encontravam-se o próprio Kierkgaard e Karl Jaspers e entre os Ateus, Heidegger e Sartre. Em seu livro “O Ser e O Nada”, que se revelaria sua obra fundamental, Sartre expõe quais são os termos de sua teoria filosófica: “Não há mais, diz Sartre, um exterior do existente, se por isso entendermos uma pele artificial que dissimulasse ao olhar a verdadeira natureza do objeto (...) o fenômeno não indica, como se apontasse por trás de seu ombro, um ser verdadeiro que fosse ele sim, o absoluto. O que o fenômeno  é, o é absolutamente, pois se desvela como é. Pode ser estudado e descrito como tal, porque é absolutamente indicativo de si mesmo”(1).

   Baseando-se nas realizações da filosofia moderna, quanto à redução de “certos  dualismos que embaraçavam a filosofia” ao monismo do fenômeno, Sartre identifica  Aparência  a realidade mesma. Isto é, desde que foi possível crer naquelas realidades supra-sensíveis da qual falavam Platão e Kant, o fenômeno era o contraponto do Ser e Aparecer, coisa-em-si [noumenom] e Fenômeno, Real e Fantasmagoria, Imagem e Cópia (σκια = sombra) – impediu que se visse o fenômeno (o que aparece) como a realidade.

   O existencialismo ateu proclama. “tudo está por se fazer” o que há diante do homem é sua liberdade. Decerto, como em Heidegger, somente a morte ao homem, encerra absolutamente o enxame de possibilidades que lhe oferece a realidade. André Maulraux desse certa vez : “a morte transforma a vida em destino”. A morte é o limite. Situação única em que o homem está , como diz Pascal “on mourra seul”. Com ela, encerra-se a totalidade. Suprime-se  em absoluto a totalidade do que foi, é, e projetou ser. Sartre insiste entretanto em não dar lugar a ela, enquanto indivíduo, em sua subjetividade: “não deixarei que minha morte interfira na minha vida”.

   Antecipa-se a morte pela angústia. A sensação do vazio, a espera do nada, justapõe-se na intuição do existente perante sua presença de ser aí. “Mergulhado nas coisas, que eu distingo confusamente, porque confusamente a negação as cinge, o Ser revela-se-me na tonalidade afetiva do tédio, da “náusea” ,dirá  Sartre (2). Do questionamento da existência, de súbito, procede a angústia. É no momento do descolar-se das coisas que ela aparece. Portanto, o homem vive entre a náusea e a angústia. Isto é, vive imerso nas coisas, vive na “lama” indiferenciada dos objetos. E, por sua vez, vive os raros momentos de afastamento das coisas de sua descolagem.

   Em seu romance “A Náusea” Sartre descreve Roquentin como o protótipo do homem que adquire consciência da existência. O enredo do livro, sua ordenação, é o menos importante aqui sob o ponto de vista de um certo procedimento do romance contemporâneo. Mas Sartre faz Roquentin crer desde o início do livro, na possibilidade de ordem no enredo de sua vida. Além disso, o fará crer também, no momento da perda de sua ingenuidade perante o mundo, na possibilidade de salvação pela obra de arte. Só a arte incorporaria um sentido à vida para Roquentin. Evidentemente, desde Nietzsche não se via a tentativa de encontrar na obra de arte, um sentido para existência (estetização do mundo e da vida) – em todo caso até mesmo essa esperança é frustrada no caso de Roquentin. “O homem é responsável e sem desculpas”.

   Um dos momentos lapidares no curso deste livro é a famosa cena no jardim, no qual Roquentin tem uma intuição da existência descobrindo-a como pura contingência. A descrição sartreana desta cena é feita num pretérito imperfeito, transmitindo a impressão de um acontecido inconcluso. Esta forma estilística revela o fato de que Roquentin poderia estar indefinidamente passando por aquela experiência.

   Aquela experiência de Roquentin é o desencantamento do mundo pela facticidade. A personagem da “Náusea” prova a perda da virtualidade (“magicalização” do mundo, modo de Ser  de sua consciência, inclinação para a  qual tende a consciência  nas coisas a fim de não revelar seu conteúdo  Ou seja, seu vazio inominável e imemorial. Do nada engendrado pelo o Ser, no dizer de Heidegger. “a consciência não é um modo particular de conhecimento, chamado sentido interno ou conhecimento de si : é a dimensão de ser transfenomenal do sujeito”(3)

   A percepção de que o mundo em que esta situado, não possui nenhuma determinação nem coerência imediata faz com que Roquentin se veja desprotegido. Um mundo de possibilidades se lhe abrira. Com a liberdade, nenhuma forma de desculpa ele poderá dar-se a si mesmo. Roquentin está perdido. A descoberta da contingência desestruturou aquele mundo no qual havia depositado certeza nos acontecimentos, confiança no destino e segurança de propósitos.

   A contingência, como a percebe Roquentin, promove a negação da ordem objetiva. Roquentin, anteriormente ao “desvelamento”, sentia-se parte dessa ordem que lhe parecia “abstrata” e  “ïnofensiva”. Agora, perdida aquela percepção da ordem, perde-se qualquer noção de sentido.

   Roquentin, vê-se então cercado pela realidade contingente. Uma alternativa que se abre -  já que houve uma negação da certeza de sua inserção na ordem objetiva – e essa alternativa possível será então a de negar o mundo contingente. Um  recuo diante desse mundo significa uma reconstituição do Eu que parecia “dissolver-se” nas coisas. A situação revela se deste modo :  de um  lado, há a contingência revelando um universo imprevisível e excessivamente livre que o  desprotege. De outro, negando esse universo, reconstitui-se a previsibilidade e ao mesmo tempo recupera-se a integridade.

   Até um dado momento de sua vida Roquentin sentia Ter “vivido” suas aventuras no momento em que se cumpre o desvelamento a idéia de tê-las vivido realmente desaparecer – não sobra mais nada para ele. A “perda do passado” segue-se à desilusão com relação à aventura, que era vista por ele (Roquentin) como um motivo de orgulho. Agora, a própria palavra “aventura” não tem para ele qualquer significado. Enquanto que o desejo (que será fracassado) que ele pretende ver realizado é justamente uma aventura no presente.

   O sentimento de aventura era percebido portanto como um encadeamento dos fatos que o fazia crer possuir um “rigor” uma “necessidade” uma organicidade nos acontecimentos do seu passado a partir do momento em que há essa sensação de ruptura acaba-se o reino da linearidade de onde havia um fio invisível que dava forma e ordenação nos acontecimentos. Cria-se assim, uma nova temporalidade. Tece-se, desta maneira, o próprio projeto sartreano  de integração de filosofia e literatura. Nesse caso, a náusea de Roquentin é o ventre do qual Sartre conceberá “O Ser e o Nada”. Endossa esse projeto de Sartre nada menos que seu “melhor amigo-inimigo”; Albert Camus “Um romance nunca passa de uma filosofia posta em imagens. Em um bom romance, toda a filosofia passou pelas imagens”(4).

   Sartre. Em sua reflexão filosófica, parte de início da subjetividade. E ao fazê-lo apóia-se no cogito cartesiano para constituir aí a própria subjetividade “individual – universal”. Subjetividade pela qual o existente descobre a si e aos outros ao mesmo tempo. Com esta subjetividade(do cogito), diz Sartre, o indivíduo descobre a todos os outros como a condição de sua existência ; “não pode haver outra verdade, no ponto de partida, senão esta ; Penso, logo existo; é aí que se atinge a si próprio a verdade absoluta da consciência” (Sartre,  “O Existencialismo é um humanismo” in: col. “Os Pensadores” Trad. Virgílio ferreira, Pg. 21 1 Ed. Abril 1973)

   Localiza-se no sujeito, portanto, na subjetividade, a verdade elementar da consciência. A apreensão, em intermediários, isto é, apreensão imediata do Ser no existente. A constatação do cogito amplia o campo de verdade do sujeito, mais que isso, partindo da primeira verdade, pode-se agora – com maior exatidão – definir o campo do provável e do possível. Já que o possível tem como condição suficiente para existir, estar ligado a uma verdade. “toda teoria que considera o homem fora deste momento é antes de mais uma teoria que suprime a verdade, porque, fora deste cogito cartesiano todos os objetos são apenas prováveis e uma doutrina de possibilidades que não está ligada a uma verdade desfaz-se no nada ; para definir provável, temos de possuir o verdadeiro”(Idem, Ibidem Pg 21). O objetivo tem que ser subjetivo mesmo, porque toda objetividade supões um pouco de subjetividade. Um texto, por exemplo, por objetivo que pretenda, isto é o máximo de “isenção” ao propor as idéias, representaria uma inversão de sentido no próprio  significado da escrita. O texto escrito deste modo, por mais “isentamente” que pretenda se colocar, terá sempre a marca do sujeito que o produziu, isto invariavelmente

    Conquanto a descrição fenomenológica seja predominante na  maioria dos romances contemporâneos, a questão da narração transforma-se num certo período um problema de difícil resolução. ”É impossível narrar, enquanto que a forma da novela exige narração”(5).O narrador distancia-se daquilo que ele narra. Vamos dizer, ele mais “observa” a  realidade do que a “narra”. Ele reporta a realidade instaurando seu olhar sob um alvo móvel que está em constante mutação. Não há nada de estagnado que se justifique na configuração do real. Ao mesmo tempo, este mundo, o qual o narrador deseja reportar, é inteiramente fragmentado. Em uma palavra, onde é possível a narrativa contemporânea, também somente é possível a desconstrução , a descontinuidade.

   Com Proust por exemplo, no livro “Em Busca do tempo perdido(1913), vemos o aparecimento de uma revolução da  estrutura do romance como se entendia até então. O desrespeito pela coerência formal do romance tradicional é levado a cabo. Proust leva a diante e mais acentuadamente a perspectiva da abordagem psicológica a qual Dotoiévsky iniciou no séc. xix. Proust instaura o “caos narrativo” e propõe uma “nova ordem”, uma “estranha harmonia” pela qual se sobre-eleva a função da memória na leitura do texto. Uma memória bergsoniana, uma “duração  para além das fronteiras do relógio ou da sucessão bem encadeada dos acontecimentos.

   Uma série de outros revolucionários do romance se seguiram a Proust, multiplicando e levando ainda mais além as possibilidades de renovação técnica, mudança de sentido, subversão das imposições formais de todo tipo. O resultado é uma aproximação cada vez mais efetiva com o real e um conseqüente distanciamento com o que tradicionalmente se convencionou por “fantástico”.

   Não há nenhuma lógica prévia entre a sucessão dos fatos do acontecido no individual da pessoa concreta - não haverá ordenamento prévio que fundamente tal sucessão na literatura. Não há senão o esforço da razão para organizar, ordenar classificar o ambiente do sujeito no intuito de dar-lhe unidade – nào haverá senão esforço de razão (do leitor) para dar caráter unitário à obra que reflete a descontinuidade do real.

   André Gide construirá suas personagens com a “disponibilidade psicológica” para, imprevisivelmente assumir o pathos   da existência conformemente ao realismo. James Joyce, com seu Ulysses(1922) relativisou o tempo e o espaço na desconstrução mesma da temporalidade; “O caos do mundo Joyce transporta-o para o romance, numa linguagem rebelde a boa parte das imposições normativas da gramática e da lógica : e, entregando-se às “livres associações”, põe-se  a desintegrar a sintaxe tradicional e a experimentar soluções novas e esdrúxulas simultaneamente  com a criação de neologismos imprevistos”.(6)

   Thomas Mann, Virgínia Woolf, Kafka, Faulkner, John Dos Passos, Steibeck e outros, vislumbram o ápice do que se chama aqui de romance contemporâneo. Particularmente, um pouco mais recente movimento de renovação  do romance que é de origem Francesa o “nouveu  roman  que reconstitui algumas das reformas elaboradas pelos autores (supramencionados) que os precederam. Conquanto, o que observamos nesse grupo especialmente é, além do desprezo ao acontecimento, visualismo, encontramos também a deslocação do eixo narrativo em direção do objeto em vez da personagem, um antipsicologismo, linguagem automática em obediência a uma lógica estética tão alógica quanto o universo em sua desordenada aparência. Ou seja, tendendo para o fim da “literatura”(no sentido clássico) ou tendendo para “anti-literatura”- uma crítica à literatura pela própria literatura.

   Dispões-se assim, em plano, a evolução do romance contemporâneo. Como foi visto, um esforço no sentido de agrupar num só rótulo, a diversidade de aspectos que adquirem as obras desses autores do nosso tempo seria uma atitude desmerecida. Entretanto, que aspectos gerais se levantaria na tentativa de defini-los?

   Um universo, por todos as direções multifragmentado é o espaço sobre o qual se localiza a literatura da contemporaneidade. Presentifica-se bastante fortemente o fragmentarismo textual, por exemplo, na utilização freqüente de textos colocados em seqüência sem um relacionamento muito explícito entre os significado das partes – ao leitor caberá “organizar” ou “alcançar” a partir de “traços semânticos” esse sentido comum, de conjunto, associando as partes que não possuem mais uma estrutura linear. Radicalizam-se também as “posições anti-racionalistas e anti-burguesas ; assume-se, com freqüência, uma posição cultural aristocrática, o que contribui, no caso da literatura americana, por exemplo, para a pouca popularidade da narrativa pós-moderna fora dos círculos intelectuais ou dos programas universitários”.(7)

   Podemos também ressaltar, entre os aspectos significativos do romance contemporâneo uma franca preferência por abordagens literárias de caráter social. Excetua-se aqui o nouveu roman evidentemente. O modo de produção da literatura contemporânea pode ser alegorizado pelo modo da produção cinemetográfica. Deste modo, técnicas que anteriormente eram próprias do cinema passaram a figurar como técnicas literárias  Ex: o decoupage, o simultaneísmo, o close up, a sucessão de planos  etc. Estes são somente um tímido exemplo do que passa até a notabilizar a forma de alguns autores contemporâneos importantes, como é o caso da ficção norte americana de John Dos Passos e Faulkner.

   O mesmo interesse que  nutria Proust pela imagem fotografada(8),  nutriam também Faulkner e j. Dos Passos. A cena seqüencial da objetiva do cinema, ou mais precisamente a imagem no fotolito, é a substanciação do instante irremovível e ezasperante do momento presente. Este tormento é eterno. É o fogo eterno do aqui e agora consumindo os que nele estão encarcerados na pressa de que se removam da sofreguidão do estar aí.

   O que nos relega Sartre, por exemplo, em “A propósito de ‘Som e Fúria’ a Temporalidade em Faulkner”(9), comentando esta frase da página 92 desse livro; “o tempo permanece morto enquanto é roído pelo tique-taque das rodinhas". “É só quando o pêndulo pára que o tempo torna a viver”- ao que segue o comentário de Sartre : “O gesto de Quentin, que parte para o relógio, tem pois um valor simbólico: dá-nos   acesso ao tempo sem relógio. Sem relógio também , o tempo de Benjy, o idiota, que não sabe ler as horas. O que se descobre então é o presente. Não o limite ideal cujo lugar está marcado prudentemente entre o passado e o futuro:  o presente de Faulkner é catastrófica por essência”.

   Assim Faulkner exemplifica o caráter do tempo no romance contemporâneo. Este também é fragmentado Nada nos aguarda no para além deste presente inquietante e atormentador. O próprio Sartre localiza o mesmo sentido de tempo em outros autores contemporâneos reconhecendo nesta questão a existência de um fenômeno literário paralelo.

   “Proust, Joyce, Dos Passos, Faulkner, Gide, Virgínia Woolf, cada um à sua maneira, tentaram mutilar o tempo”.(Idem, Ibdem, Pg.68) O clima de fatalidade se prolonga muito acentuadamente em Faulkner, pois, como afirma Sartre, está justamente no fato do homem ser um ser temporal é que reside a sua desgraça – mesmo se por uma eventualidade as desgraças acabassem ainda ao homem sobraria a desgraça do tempo. É essa a razão mesma do tempo ser catastrófico.

   Tanto Faulkner, quanto Proust, entendem o tempo como aquilo que separa. Entretanto, a “salvação”, em Proust, estaria no próprio tempo, com o reaparecimento integral do passado perdido. Em Faulkner, “infelizmente”, diz Sartre, ao contrário, o passado encontra-se sempre presente e de modo obsessivo. Faulkner nutre-se do alívio do tempo pelo esquecimento. É preciso esquecer o tempo! “foi por Ter esquecido tempo que o negro perseguido de ‘Luz de Agosto’ atinge de repente a sua estranha e atróz felicidade.”(Idem, Ibidem. Pg 67).

   Em “A propósito de J. Dos Passos e de ‘1919’” Sartre refere-se a J.. Dos Passos como “O maior escritor do nosso tempo”  É justamente por encará-lo como alguém que leva a fundo a possibilidade da criação literária que Sartre alega nessa frase, o que nos parece um tanto bombástica e, sobre um certo ponto de vista, até exagerada mesmo. Mas não. J. Dos Passos sintetiza a visão da literatura como um espelho que se desdobra em realidade invertendo as figuras do reflexo para abarcar o real e a imagem que não serão nunca dualidades fugidias. Dos Passos “fez tudo para que o seu romance parecesse ser apenas um reflexo... Repare-se contudo, na curiosa intenção, mostrar este mundo, o nosso. Mostrá-lo simplesmente sem explicações nem comentários.”(9)

   O Apelo à realidade no romance de Dos Passos é algo patente. O contorno das personagens, a aparição efusiva de um noticiário, o uso do pretérito perfeito e imperfeito de seu estilo romanesco (o que Sartre chama de “retrocesso estético” por  um artifício de encenação; são os aspectos poéticos (porque  também imaginário) da realidade sem mistério, mas ao mesmo tempo oculta sob o “verniz” da aparência. Essa aparência, demasiadamente conhecida pelo espectador, é uma aparência “a que cada um se acomoda, mas que Dos Passos a torna insuportável. O que foi dito por Sartre a respeito do autor de “Nossa Senhora das Flores” bem poderia ser dito deste autor de “1919” : “A princípio parece ter apenas um tema, a Fatalidade: os personagens são os joguetes do destino. Porém logo descobrimos que esta impiedosa providência não é senão o contrapartida de soberana verdade, divina – liberdade, a liberdade do autor.”(10). O tempo utilizado por Dos Passos é um tempo que  é “uma criação própria: nem romance, nem relato. Ou antes, pr outras palavras é o tempo da história. E, para falarmos somente de uma coisa que Sartre considera que há em comum em Faulkner e Dos Passos é o caráter de soma que estes escritores dão para suas narrativas. “E...e...,e então...” –  utilização de partículas aditivas que demonstram a sobreposição ou melhor “soma” ; a repetição  da qual o acrescentado não se livra. Faulkner é apenas mais discreto em relação a Dos Passos, mas o modelo narrativo da adição se perpetua : “as próprias ações, quando são vistas por quem as realiza, ao penetrarem no presente estouram  e espalham-se (Idem, “A propósito de J. Dos Passos e de ‘1919’” Pg. 64).

    O que Sartre fundamenta em sua análise é justamente uma literatura da ação. Ele prioriza o Fazer entre a ligação tradicional da literatura entre o caráter meramente descritivista do real e contemplativo da obra de arte. Assim, na  ênfase ao fazer, o trabalho vincula-se ao homem na sua tomada de consciência. No fato dele ser um “ser produtor”. E também no fato de que a realidade humana possui uma representação existencial tal que o absolve  de qualquer condição de servidão. O homem é a liberdade de agir. Portanto, essa liberdade regulariza sua ação  a ponto de obstruir qualquer tentativa de interpretação da literatura senão como Ação e Liberdade

   Sartre, em seu livro “O Que é a Literatura”, lança as bases do que seja a experiência do escritor em sua ação. A chave para esta compreensão, localiza-se no modo de refletir do escritor e no sentido da transformação da realidade. Dentro desta perspectiva, o engajamento  do escritor funciona como uma maneira objetiva de provocar uma intervenção por meio de sua prática no conjunto da sociedade  relacionando-se com a História.

   O que Sartre quer é, “examinar a arte da literatura sem preconceitos”(11) Para isso, ele responde a certas críticas feita por seus contemporâneos que mal- interpretaram sua concepção de literatura a qual, na realidade, para Sartre, possui em si, imanentemente, a própria noção de engajamento. Assim, perguntam-lhe seus opositores : “Você não engajaria as outras artes?”. Em primeiro lugar Sartre tenta demonstrar que não é possível engajar a arte. É preciso haver uma mudança de sentido nesta questão. “Engajar a arte”, especialmente a literatura em prosa – como veremos – seria atribuir a ela algo que já não lhe fosse próprio. O que seus opositores não entendem é que não se pode “engajar a literatura” se a própria definição de literatura comporta já a idéia do engajamento de modo irremovível. Em segundo lugar, compara-se erroneamente a arte da literatura com as demais artes e essa comparação não deve ser feita. “mas hoje é elegante ‘falar de pintura’, no jargão do músico ou do literato, ou ‘falar de literatura’, no jargão do pintor, como se no fundo só existisse uma única arte, exprimindo-se indiferentemente em qualquer dessas linguagens, à maneira da Substância Spinozana, que cada um de seus atributos reflete com adequação “(Idem, Ibidem. Pg. 9)Segundo Sartre, não há  paralelo entre as artes.

   A literatura não traz, em suas características básicas uma interioridade que representaria uma passividade, uma visão individualista do escritor porque refletiria uma “Arte pela Arte”. Em todo caso ,Sartre não diz que seja possível isso nas outras artes.(provavelmente também não – o tempo de Sartre é o tempo do Pós-Modernismo, uma real “arte pela arte” não exigiria  público ou espectadores e no caso de Sartre uma arte que não “pensa” o outro já desde sua origem seria absurda).

   Com relação à música e a pintura, embora seja impossível reduzir as notas e as cores em si mesmas, elas não remetem a nada que lhes seja exterior. Diferentemente do que aconteceria com a literatura. A escolha do amarelo ou violeta na pintura  pode refletir “tendências mais profundas”, só que jamais exprimiriam – cólera, alegria, angústia, como fariam as palavras ou a expressão de um rosto. No “céu de angústia” de Tintoreto, a própria “angústia” não é algo “legível” como - diz Sartre – é como  um esforço imenso e vão, sempre interrompido a meio caminho entre o céu e a terra, para exprimir aquilo que sua natureza lhes proíbe exprimir.”( Idem, Ibdem Pg. 11).Numa palavra, o amarelo de Tintoreto não é legível “feito angústia”. O vermelho, o verde, o amarelo, existem. São coisas. O significado são as coisas; “se as rosas brancas para mim significam ‘fidelidade’, é porque deixei de vê-las como rosas...”Assim,  bem como o azul de Picasso, o “mib – mib- mib- si” da  5 sinfonia de Beethoven ; o amarelo de Tintoreto é o amarelo feito coisa. O azul de Picasso é o azul feito coisa. O significado de uma melodia ao contrário das idéias, não podem ser traduzidos adequadamente : “Diga que a melodia é alegre ou sombria ; ela estará sempre além ou aquém de tudo que se possa dizer a seu respeito”( Idem, Ibidem. Pg. 11). 

   Sartre chama essa atribuição - a tal melodia como sombria, alegre, etc. ;  tal e tal cor, angústia, paz ou fidelidade –“virtude abstrata”. Embora se possa conferir –lhes por meio da convenção o valor de signos, possa-se falar em “significado duma melodia, essa atribuição me desloca da coisa para contemplar, somente para contemplar sua “virtude abstrata”. O desvio das coisas, para sua significação convencional é uma distração, é uma transferência. Um verdadeiro artista veria as coisas como são, ou seja, como aparecem. : “para o artista, a cor, o aroma, o tinido da colher no pires são as  coisas em grau máximo ; ele se detém na qualidade do som ou da forma, retorna a elas mil vezes, maravilhado ; é essa cor – objeto que irá transportar para a tela e a única modificação por que as fará passar é  transformá-la em objeto imaginário. (Idem, Ibidem Pg. 10).

   Por esta razão, um casebre na literatura pode ser mostrado como o símbolo de injustiças sociais, já um casebre na pintura pode ser qualquer coisa -  assim como não se pintam significados, não se pode exigir do pintor ou do músico que se engajem. Mas, e quanto ao escritor? Bem , o escritor , ao contrário dos outros artistas, lida exatamente com os significados. Mas, atenção! “O império dos signos é a prosa – a poesia está lado a lado com a pintura, escultura, a música”. Para Sartre, a poesia não se serve   de palavras, mas sim que a poesia   que  as serve. “Na verdade o poeta se afastou por completo da linguagem – instrumento : escolheu de uma vez por todas a atitude poética que considera as palavras como coisas e não como signos. Pois a ambigüidade do signo implica que se possa, a seu bel-prazer , atravessá-lo como a uma vidraça e visar através dele a coisa significada, ou voltar os olhos para a realidade do signo e considerá-lo como objeto” ...”A prosa é utilitária por excelência”(Idem, Ibidem Pg 13 e 18). Desse modo, a visão sartriana do caráter instrumental da linguagem da prosa sustenta toda sua teoria do compromisso do escritor em sua singularidade. Neles reunir-se-á as forças dialéticas de sua subjetividade em direção à história.

   Como vimos, o texto “O Que é a Literatura” foi uma resposta de Sartre às criticas que ele recebeu daqueles que diziam que ele pretendia engajar a literaturas num eventual uso político dela. Ao contrário, afirma Sartre, não se trata de uma questão política. Se o escritor não deseja agir de má fé ele deverá compreender que o  compromisso é um elemento interno da literatura, isso concorde sua própria definição. Podemos também destacar dois procedimentos no arranjo metodológico de  “O Que é Literatura”. Vejamos:

 

a)       Por um lado, uma análise interna da questão  da literatura que é o sentido de sua própria  definição. E por outro lado, um levantamento sobre as razões que levam o escritor na escolha desta opção e para quem visa o ato desta escolha.

b)       Uma análise histórica da questão da literatura. Ou seja, o escritor está sempre em confronto com seu tempo histórico. De tal modo que compreender sua obra é uma maneira efetiva de compreender sua situação

 

   “Só existe arte por e para outrem”(Idem, Ibidem Pg 37). Cada escritor possui suas razões particulares para escrever, entretanto, há uma “escolha profunda e mais imediata” comum a todos. Há uma impressão de essencialidade em relação ao mundo para quem se lança em direção da criação artística. Há um desejo de “ser” em relação à criação, um desejo de realizar-se. Portanto,  introduzindo-se ordem onde não havia previamente uma, assim como impor uma “unidade de espírito à diversidade da coisa”, consegue-se a satisfação do desejo do escritor. Vale dizer, ele sente-se essencial em relação à sua criação. A articulação do ser é o trabalho da consciência. Se os objetos do mundo continuam a existir, mesmo quando o olhar do escritor se desvia deles, mostrando que as coisas são independentes da consciência. Por outro lado, a consciência do escritor articula os objetos remodelando-os. Nesse momento o mundo se desvenda para a consciência do escritor e este assim, apela ao leitor para que faça um movimento para que a obra passe a existir : o ato da leitura. Ler é um “exercício de generosidade ; e aquilo que o escritor pede ao leitor não é a aplicação de uma liberdade abstrata, mas a doação  de toda a sua pessoa, com suas paixões, suas prevenções, suas simpatias, seu temperamento sexual , sua escala de valores.”( Idem, Ibidem Pg. 42). O leitor pode evitar a obra deixando-a em cima da mesa ou  na estante de livros, mas, uma vez que ele o abre  para a leitura, ele é inteiramente responsável. De fronte à obra, então, o leitor não pode comportar-se como se tivesse observando um elemento natural ( contemplativamente). O leitor não pode se manter indiferente com relação à obra lida, deverá responder a solicitação do escritor por via dos afetos ( indignações, concordância com o autor, etc.)

   O destinatário da literatura é para o próprio escritor e para o absoluto. Capta esse “espírito absoluto” quem compreender sua liberdade como responsabilidade. Do pacto de generosidade” autor – leitor a obra de arte se insurge numa totalidade do Ser, que nada mais é que uma representação à liberdade do espectador para retomada total do mundo. Nesse “vaivém dialético” – no qual “cada um confia no outro, conta com o outro, exige do outro tanto quanto exige de si mesmo”(Idem, Ibidem Pg.46) a liberdade manifesta do autor desvenda também a liberdade do leitor.

   Para Sartre, a liberdade, como vimos, tem papel fundamental em sua compreensão de literatura. Na realidade, dela depende a própria finalidade da arte segundo Sartre. “Pois é bem esta a finalidade última da arte : recuperar este mundo, mostrando-o tal como ele é, mas como se tivesse origem na liberdade humana”( Idem, Ibidem Pg.47). Eis aí a alegria estética do prazer estético : broto do âmago da consciência(do nada), harmonia criada entre a Subjetividade  e a Objetividade. Retomada do mundo feito apelo ; criação – desvelamento; compromisso e convite ao compromisso. Conquista de “implicações recíprocas das suas exigências” sustentada pela liberdade. Por fim, o escritor está só – diante da folha em branco – mas a caminho de se lançar na batalha. E o leitor também está só porque a ele “tudo está feito e tudo está por fazer” com relação  a leitura da obra. Mas este também está  em vias de assumir as exigências de sua liberdade. Ambos  somente estarão convictos suficientemente de que estão subjetivamente, e por assim dizer metafisicamente livres de seus grilhões- Freud diria; livre de seus “fantasmas”- quando tomarem consciência de que o apelo ao desvendamento não é senão o apelo à criação do real pelo imaginário, criação do objetivo pelo subjetivo. Não há escolha sem responsabilidade, no sentido mesmo em que na doutrina filosófica existencialista a qual Sartre promulga, a própria definição de escolha impede-a de tratá-la como um conceito que  descreve uma imobilidade. Pois, mesmo a negação da escolha, seja de qualquer tipo – não escolher nenhuma das alternativas possíveis, ou fazer uma suspensão de juízo – já é em si, uma escolha Dessa escolha surgirá o engajamento, a forma do compromisso assumido com nós mesmos e com os outros ao assumirmos uma posição. Esta escolha, portanto, jamais é totalmente deliberada, porque no fim, esta escolha envolve a humanidade interira. Ao cabo, isso só é possível, pois, “o escritor, homem livre que se dirige a homens livres só pode Ter como único tema : a liberdade"

 

Filos. Contemporânea III

Aluno: Renato Araújo da silva

N.USP: 2353582

Prof Franklin Leopoldo e Silva

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - 1999

BIBLIOGRAFIA E NOTAS

 

(1) Sartre, “O Ser e o Nada” Trad. Paulo Paulo Perdigão 5 Ed Vozes Rj. 1997.

(2) Ferreira, Virgílio. In: “Prefácio para – “O Existencialismo é um humanismo”2 Ed. Presença Lisboa 1964.

(3) Sartre, J.P-. “o Ser e o Nada” Trad. P. Perdigão Pg. 22 2 Ed. Vozes Rj 1997.

(4) Camus, Albert “A Inteligência e o Cadafalso” Trad. Manuel da Costa Pinto e Cristina Murachco Ed Record. Sp.

(5) Adorno, Theodor w., “Notas de Literatura” Pg 45. Trad. Español  Samuel Sacristán Ed Ariel Barcelona 1962.

(6) Moisés, Massaud. “A criação Literária- introd. à Problemática da :Literatura” Pg 150-153 Ed. Melhoramentos. São Paulo 1965.

(7) Filho, Dominicio p., “Pós-Modernismo e Literatura”Ed Ática  São Paulo 1988.

(8) Nantet, Jacques, “Marcel Proust et la Vision Cinematographique”- in cinéma et roman Pg 307-312.

(9) Sartre, J.P-, “Situações I”Pg. 63 Trad. Rui Mário Gonçalves Pub. Europa-América.

(10) Sartre, “Saint Genet, comedien et martyr, Paris, Galimard. Pg. 497 –535.

(11) Sartre, J.P-“O Que é a Literatura”, Prefácio. Trad. Carlos F.Moisés. Ed Ática. Sp. 1989.

 


*Jean-Paul Sartre  *Demócrito *Pascal, os Moralistas Franceses

        
  © Copyright  Araújo.