Portador de Doença Rara Tem Dificuldade para TratamentoReportagem do jornal A Notícia (Cristiano Vogel)
Joinville - SC (28/07/2002)Uma família atingida por uma doença degenerativa, hereditária e rara, denominada de maneira geral como ataxia, lamenta a falta de profissionais especializados no assunto no Estado. O alerta é importante porque diversas famílias da Grande Florianópolis sofrem do mesmo mal, cuja incidência é verificada em descendentes de portugueses.
O eletricista e encanador Antônio Nilton Machado Peruzzo, 45 anos, é um dos moradores da Capital que sofrem com a doença. Segundo ele, o único médico que atende os portadores deste mal na região é especialista em vários tipos de ataxia, inclusive a provocada por esclerose múltipla. "O pessoal da região precisa de alguém que cuide especificamente da doença de Machado-Joseph", afirma Antônio.
A reclamação maior da família do eletricista, porém, é a falta de perspectivas de que a região tenha um tratamento adequado. "O pessoal só nos repete que a doença não tem cura. Isso nós sabemos, o que queremos é apenas um tratamento que venha evitar o rápido desenvolvimento dos sintomas", reclama Vera Dosolina Sartori, 42 anos, mulher de Antônio. "Sabemos que as dores diminuem com a melhora no estado emocional, mas não há atendimento psicológico porque não há ninguém realmente interessado em cuidar do caso na região", diz ela.
Para a família de Antônio, terminaram as esperanças de contar com um bom acompanhamento médico em Florianópolis. "Agora vamos procurar ir para Curitiba (PR), onde há um médico fazendo doutorado no assunto", conta Vera. Segundo ela, o problema é que os outros pacientes também devem estar sofrendo os mesmos problemas, já que há falta de informação. "Muitos podem não estar tomando medicamentos que reduzem as dores. Por isso pensei em montar uma associação, mas não consegui contato com muitos doentes", afirma ela. "Só na Policlínica da Capital sei que existem uns seis pacientes", explica.
A ataxia cerebelar, que recebe este nome porque atinge a parte do cérebro denominada cerebelo, está dividida em diversas modalidades da doença. Uma das ataxias mais comuns é a doença de Machado-Joseph, a qual precisa apenas de um gene para se manifestar, vindo tanto do pai como da mãe. Ela teve uma incidência alta nas ilhas dos Açores e a partir daí se espalhou pelo mundo.
No interior do Ceará, têm-se identificado, desde a década de 60, pessoas que adoecem e padecem por anos pela ataxia. Nessa região já passa de cem o número de pessoas acometidas pela doença, todos numa mesma família. Desse total, mais de 50 faleceram em decorrência do mal.
A ataxia do cerebelo se manifesta mais cedo quanto maior a quantidade de genes defeituosos. O problema acontece porque uma proteína não consegue nutrir a célula e o cerebelo atrofia. Como este órgão do sistema nervoso central é responsável pelo equilíbrio e pela coordenação dos movimentos, o doente tem problemas na marcha e falta de coordenação nas mãos.
O desenvolvimento dos problemas são perda total a coordenação motora e depois de todos os movimentos dos membros. Mesmo após isso, porém, a ataxia Machado-Joseph não afeta o intelecto. Os doentes desta ataxia podem ter até 20 anos de vida após os primeiros sintomas. A morte geralmente acontece porque os músculos do diafragma acabam parando.Dificuldade de equilíbrio passa impressão de embriaguez
O eletricista e encanador Antônio Nilton Machado Peruzzo descobriu em 1991 que possuía a doença de Machado-Joseph, um dos 12 tipos de ataxia cerebelar. Os primeiros sintomas, que começaram a se manifestar há três anos, causam problemas em seu trabalho porque ele aparenta estar sempre sob efeito de álcool.
"Há falta de informação entre a população. O pessoal pensa que vivo embriagado, mas este é o principal sintoma da doença", conta Antônio, que mora no Abraão, na Capital. Além dos primeiros problemas no andar, com equilíbrio instável, a doença já causa no eletricista alguns tremores e rigidez nos membros. Ele também sente uma piora nos sintomas quando está estressado.
A descoberta de que teria a doença foi feita pelo eletricista há 11 anos, porque entre seus oito irmãos, seis já haviam manifestado o problema. "Sabemos que é um problema genético que ocorreu porque temos uma bisavó portuguesa", conta.
Recentemente, uma sobrinha do eletricista também apresentou os sintomas. O problema em seu caso é maior porque a doença se manifestou cedo, quando ela possui apenas 24 anos. Assim, a tendência é que o desenvolvimento da doença ocorra mais rapidamente.0 que é uma ataxia?
Ataxia significa descoordenação dos movimentos. Um exemplo de ação atáxica é a pessoa em estado de embriaguez: a fala é mal articulada, explosiva, intercortada (disartria), o andar de base alargada, em equilíbrio instável. Quando muito marcada, a ataxia pode afetar o equilíbrio do tronco, com oscilações e desequilíbrio na posição sentada.
Diagnóstico
Algumas doenças neurológicas ocasionam ataxia, particularmente a esclerose múltipla, intoxicações crônicas e infecções víricas. Muitas das ataxias são, no entanto, hereditárias. O diagnóstico de ataxia é fácil, pois o doente anda irregularmente e é freqüentemente rotulado de bêbado.
Hereditárias
As ataxias hereditárias constituem cerca de 10% das afecções genéticas do sistema nervoso. Elas acarretam grande incapacidade motora. A identificação é feita com exame de sangue para estudos de genética molecular.
À ataxia podem associar-se variados sintomas e sinais, como atraso ou deterioração mental, sinais oculares diversos, sinais motores periféricos, traduzidos por atrofia e fraqueza muscular (lentidão dos movimentos e rigidez).Ataxias hereditárias mais freqüentes:
Ataxia de Friedreich
Começa habitualmente antes dos 20 anos, na infância ou na adolescência. Os pais notam primeiro uma marcha diferente das outras crianças, com desequilíbrios e quedas freqüentes. Surge depois descoordenação dos movimentos das mãos. Mais tarde os músculos dos membros atrofiam-se, a coluna deforma-se, surgindo a escoliose, os pés tornam-se cavus. Estas deformações são tanto mais importantes quanto mais precoce for o início da doença. Cerca de dez a 15 anos após o início os doentes estão confinados na cadeira de rodas e completamente dependentes da família para toda atividade da vida diária. Não há, no entanto, deterioração mental. O gene da ataxia de Friedreich, já localizado há anos no cromossoma 9, foi recentemente identificado. É possível, através de exames genéticos, distinguir portadores e não portadores, oferecendo aos primeiros a possibilidade de diagnóstico pré-natal.Paraplegia espástica familiar
É a mais benigna do grupo, não impedindo, nas formas do adulto, uma vida quase normal. Trata-se de uma doença em que a característica clínica fundamental é não a ataxia, mas a espasticidade dos membros inferiores. Começa por dificuldade na marcha devida a esse problema. Nas formas mais precoces surgem deformações dos pés, tão graves que podem tornar a marcha impossível. Em regra os membros superiores são pouco atingidos, e não há alterações de sensibilidade nem do controle do esfíncter.Doença de Machado-Joseph
A doença de Machado-Joseph (DMJ) é uma ataxia hereditária dominante (basta um gene mutante) que conduz a uma incapacidade motora grave e a uma morte precoce. Espalhada por todo o mundo, tem uma alta prevalência nos Açores, para onde foi levada pelos colonos que povoaram primitivamente o arquipélago.
A doença inicia-se normalmente por perturbações do equilíbrio. A idade de início varia, mas quanto mais precoce ela é, mais rapidamente incapacitante.
A ataxia afeta a marcha e a descoordenação dos movimentos dos membros superiores. À medida que ela progride as quedas tornam-se freqüentes, depois a marcha só é possível com apoio e finalmente os doentes ficam limitados à cadeira de rodas. Em fases avançadas, a ataxia é tão grande que os doentes precisam de ajuda em todas as atividades da vida diária. A segunda manifestação clínica mais freqüente (valiosa em termos de diagnóstico diferencial) são limitações de visão.
Apesar de todo o atingimento motor, é característica da DMJ uma perfeita integridade mental, mesmo quando os doentes já não conseguem se comunicar. A sobrevida mediana é de cerca de 20 anos. A morte ocorre devido às complicações habituais das fases terminais de doenças crônicas, ou devido a acidentes agudos de asfixia por aspiração.