história - parte I

A história dos pimentas começa no primeiro dia de aula da Fairfax High School, em Hollywood, Los Angeles, nos anos finais da década de 70. Folgado, recém-chegado de Michigan, de onde saiu para morar com o pai, e aspirante a ator, um tal de Anthony Kiedis, intimou um australiano baixinho e não menos folgado, Michael Balzary, a largar o pescoço do seu melhor amigo. Balzary, Flea para os manos, não titubeou: soltou a pobre vitima mediante as ameaças do garoto fortinho. Em vez de saírem na porrada, Flea e Anthony trocaram idéia e descobriram que tinham muito em comum: ambos vinham de fora da Califórnia, tinham os pais separados, o gosto por acampamentos, a vontade de pertencer ao mundo artístico e um grande amigo, o israelense Hillel Slovak, que já tocava guitarra e alucinava ouvindo Kiss e Jimi Hendrix. Com o tempo, os três tornaram-se grandes chegados e tiveram  suas primeiras experiências importantes juntos – a primeira vez que usaram certas drogas, a primeira vez que ouviram Gang Of  Four e Echo & The Bunnymen, a primeira transa. Slovak conseguiu enfiar rock na cabeça de Flea que, antes, só se ligava em jazz, muito por causa de seu padrasto, um jazzista que fazia altas jam sessions em casa. Não precisou muito para que Slovak convencer Flea a trocar o trumpete (que ele dominava muito bem, vide Idiots Rules do Jane’s Addiction) pelo baixo elétrico. Junto com o batera Jack Irons (colega de classe de Flea, mano de surf de Eddie Vedder e truta de Slovak, deixou os Peppers depois que este morreu) Slovak convidou o baixista para tocar numa banda de hardcore, chamada Fear. Flea foi e curtiu. Às vezes, Anthony aparecia nos ensaios e recitava poesias que escrevia. Nessas, decidiram que ele seria uma espécie de mestre de cerimônias do Fear, abrindo os shows com seus poemas.

Em 1980, Flea, Kiedis e Slovak terminaram o ginásio. Kiedis foi estudar na Universidade da Califórnia, enquanto Slovak se dedicava cada vez mais à sua guitarra e Flea, misturando seu gosto por jazz ao interesse por funk e soul, começava a sacar a pegada dos baixistas de música negra. Em 83, com o Fear no bagaço, Flea chamou novamente Jack Irons e Hillel Slovak e Flea batizou o trio de inspirado nome que o trupestista e ídolo do baixista, Louis Armstrong, dera a seu quinteto nos idos de 1920: The Red Hot Chili Peppers. Fizeram alguns shows como trio e, numa dessas noites, Anthony subiu ao palco no meio da sonzera e recitou um texto que havia escrito há pouco, intitulado Out Of L.A.. A platéia gostou e o dono do lugar pediu que a banda voltasse mais vezes. Como quarteto, tocaram na cena subterrânea da cidade dos anjos e começaram a ser conhecidos. Tempos depois, num show em um inferninho de strip-tease chamado Kit Kat Club, Kiedis teve a idéia que se tornaria a marca registrada da banda. Na hora do bis, o vocalista sugeriu que eles tirassem a roupa e voltassem ao palco trajando meias cobrindo seus bigulins, só assim poderiam chamar mais atenção que as gostosas que dançavam nuas no mesmo espaço. Não deu outra: pisaram no placo quase pelados, pulando pra lá e pra cá com as meias escondendo seus negócios e o povo adorou. Daí pra frente, as performances do Chili Peppers seriam sempre marcadas por algum tipo de putaria. Isso fez com que a banda ficasse mais que conhecida no circuito underground de Los Angeles. Sem entender bem qual era a de Kiedis e Flea, Jack e Slovak saíram para tentar estourar com um grupo chamado What Is This?. Não conseguiram.

Quase um ano depois de lançarem a moda meianacaceta, vocalista e baixista assinaram com uma grande gravadora, convocaram o guitarrista Jack Sherman e o batera Cliff Martinez, e gravaram o primeiro disco. Intitulado de The Red Hot Chili Peppers (84), o álbum foi produzido por um dos heróis da banda, o guitarrista Andy Gill, do grupo inglês Gang Of Four. Mas Gill não sacou a levada dos Peppers e tentou fazer um disco comercial. Resultado: “The Red Hot Chili Peppers” passou quase batido pelos críticos, que o consideraram muito cru e confuso, e as vendas deixaram a desejar. Mas os agora californianos não estavam nem aí. Continuaram a tocar e a atrair cada vez público.

Slovak voltou atrás e pediu para tocar com os caras de novo (principalmente porque Jack Sherman não tava encontrando seu lugar na banda). Ainda na mesma gravadora, se trancaram em estúdio com outro de seus heróis, o mestre dos magos do p-funk, George Clinton, mentor groovespiritual de dois dos maiores grupos da história do som negro, o Parliament e o Funkadelic, entre os prediletos dos rapazes. No comando da produção, Clinton, malaco das antigas, entrou na onda  da banda e destacou ainda mais o seu lado funk. Ligado no rock desde que ouviu Hendrix pela primeira vez, o produtor estava em casa: soube dosar em exatas medidas as doideras roqueiras com as rimas do rap – que ainda era coisa só de negão – e o funk, que comia solto. Em 1985, chegou às lojas Freaky Styley. Em uma escutadela é fácil perceber a evolução musical que rolou entre o primeiro e o segundo trabalho. Flea arrepiava no baixão, Slovak ora distorcia os acordes com um Jimi Hendrix bêbado, ora limpava os sons e caprichava nas palhetadas feito um Catfish Collins, guitar que ajudou o reverendo James Brown em seu caminho para o estrelato. Shows lotados, performances endemoníadas e as meias nos bigulins (agora notória), faziam a alegria do quarteto, que se armou direitinho para o álbum seguinte.

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