O Caminho do Padre José de Anchieta
No
Natal de 1553, desembarcaram 13 jesuítas no porto de São Vicente. Seu líder,
o padre Manoel da Nóbrega, incumbiu Manuel de Paiva e José de Anchieta a
subirem com os demais a Serra de Paranapiacaba até o Planalto de Piratininga.
Lá fundaram, em 25 de janeiro, um colégio na colina que ficava no encontro
do córrego Anhangabaú com o rio Tamanduateí, em plena aldeia do índio
Tibiriçá. O Colégio de São Paulo dos Campos de Piratininga foi o núcleo
em torno do qual cresceu a vila que originou a cidade de São Paulo. A ligação
com São Vicente dava-se pela Trilha dos Tupiniquim (ou dos Goianases), que,
por atravessar territórios dos índios tamoios, inimigos dos tupiniquins e
dos portugueses, era tida como perigosa. |
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O governador-geral do Brasil, Mem de Sá, esteve em 1560 na vila de São Paulo. Ao subir pela Trilha dos Goianases, constatou todas as dificuldades e perigos que o caminho apresentava na serra. Fazia-se, então, necessária a construção de uma nova ligação da vila de São Paulo ao litoral, conhecida mais tarde como Caminho do Padre José. Há duas versões sobre quem o teria construído. Segundo uma delas, o governador Mem de Sá solicitou ao padre José de Anchieta que fosse aberto o novo caminho. Uma outra versão sustenta que este caminho fora construído um pouco antes por um homem rico da região chamado João Perez sob aprovação do Capitão-mor de São Vicente e do Governador Mem de Sá. |
Com relação ao Caminho de Piaçagüera, o Caminho do Padre José não apresentou mudanças no trecho da baixada litorânea, mas a transposição da serra era feita a oeste do rio Perequê, afluente do rio Cubatão, abandonando-se o antigo trajeto pelo vale do rio Moji. O Caminho do Padre José foi aberto de forma precária pelos índios e atendia de início exclusivamente ao deslocamento de pedestres. Sobre as péssimas condições do caminho, o próprio Anchieta deixou seu testemunho em 1585. (clique para ver). Pe. José de Anchieta |
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Segundo
a historiadora Denise Mendes, na região litorânea saía-se de Santos por
embarcações pelo "Guarapissuma" ou "Caneú", como chamavam o
lagamar de Santos, até o Porto das Armadas (ou de Santa Cruz), subindo a Serra
de Cubatão. O historiador Paulo Eduardo Zanettini supõe que o percurso feito em
embarcações tinha aproximadamente 12 km e a subida da serra, até o encontro com
o rio Grande, cerca de 7 km. Do alto da serra, o caminho seguia por 2
alternativas:
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Continuava-se
por embarcações pelo rio Jurubatuba (Pinheiros) até o rio Anhembi (Tietê), e
deste ao rio Tamanduateí, que corria junto ao morro do Colégio dos Jesuítas;
- Atravessavam-se os rios Pequeno e Grande, seguindo em direção ao Ipiranga, convergindo depois para a região do Colégio.
O trajeto desde Santos era de aproximadamente 60 a 70 km.
Variantes
do caminho
foram abertas à medida que a dizimação dos índios abria espaço à ocupação
lusa. Em 1583, segundo o historiador Nuto Santana (Zanettini, Paulo E. 1998,
p.27), havia 5 caminhos na vila: o do Ipiranga, rumo ao sul até o rio Grande no
alto da serra; o do Ibirapuera (ou de Santo Amaro); o dos Pinheiros, para oeste;
o do Guaré (atual bairro da Luz), para o norte, e o da Tabatingüera, seguindo
o Tamanduateí na direção leste, cuja variante (chamada da Moóca) chegava a
N. Sra. da Penha de França, onde se ramificava em 2 caminhos: um até N. Sra.da
Conceição de Guarulhos e outro para São Miguel e Mogi das Cruzes, indo até o
RJ.
Segundo Denise Mendes, durante o séc.17 a Câmara de São Paulo adotou várias medidas a fim de que o Caminho do Pe. José permanecesse transitável: convocou moradores para cederem ferramentas, firmou contratos com comerciantes, proibiu trânsito de gado, exigiu escravos para as obras e estabeleceu multas para quem desobedecesse. Mas a população costumava não acatar as ordens. O Caminho do Pe. José ficava sempre em péssimas condições. Veja o relato do padre Simão de Vasconcellos feito em 1656 ao passar por lá.
Em meados do séc.17, as viagens da serra até São Paulo por rios perderam importância, em virtude de melhorias executadas no Caminho. Segundo Zanettini, em 1681 foi inaugurada um ligação da vila de São Paulo até o rio Grande que facilitou o tráfego de carros com mercadorias. O caminho até o litoral passou a ter mais de 70 pontes e a ficar conhecido como Caminho do Mar. Conforme Denise Mendes, em 1699 a Câmara estabeleceu um imposto de 1.500 réis sobre cada pipa de azeite de peixe que chegasse nas vilas serra acima.
Má conservação: As responsabilidades de se executarem obras nos trechos da serra geraram longos debates entre São Paulo e Santos no séc.18. As reclamações eram grandes, em razão das perdas das cargas durante as viagens. Em 1722 foi feito um requerimento aos moradores de Santos para que participassem da manutenção do caminho. O governador Rodrigo César de Menezes fez reformas no caminho, conforme relatou à Coroa em 1726.
O caminho, apesar disso, passava anos sem manutenção. Os trechos de serra sofriam problemas típicos da região: chuvas fortes, rápida recuperação das matas, deslizamentos de terra, ventos. Em 1746, o juiz de fora da Vila de Santos relatou em carta ao rei de Portugal os estragos no caminho. Pediu que fossem feitas obras como alargamento das passagens esteitas, calçamento nos declives e poda dos matos numa faixa de 50 braças ao longo do caminho para que o sol pudesse secar os atoleiros.
O governador Morgado de Mateus, na sua viagem até São Paulo em 1766, preferiu subir a pé a serra a correr o risco de cair da rede em que era transportado por índios, dadas as más condições do trajeto (veja o relato).
Morgado de Mateus incentivou o comércio externo, numa política alinhada à do Marquês de Pombal, e por isso preocupou-se com a manutenção do caminho. Ele destinou às obras de conservação o imposto recolhido para reconstruir Lisboa, atingida por um terremoto, mas a maioria das vilas não o pagava. Ordenou então que os proprietários das terras ao longo do Caminho fizessem a manutenção do trecho que passava por seus terrenos. Entretanto, dependendo das condições do tempo, uma viagem do porto do Cubatão a São Paulo ainda podia demorar até 3 dias.
Algumas obras de conservação foram feitas nos governos posteriores, que recorreram às Câmaras de São Paulo, Santos, Itu, Jundiaí, Parnaíba, Atibaia e Sorocaba para conseguir fundos. Foram feitos aterros no planalto (entre os rios Grande e Pequeno) e no pé da serra (entre os rios Cubatão e das Pedras), além de reparos. Em 1788, ao assumir o governo da Capitania, Bernardo de Lorena encontrou o Caminho do Mar em tão péssimo estado que decidiu pelo calçamento de uma nova via para o litoral, hoje chamada de Calçada do Lorena.