|
|
“Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras por onde se sobe com pouca fadiga, e se desce com segurança. Evitou-se a aspereza do caminho com engenhosos rodeios, e com muros fabricados junto aos despenhadeiros se desvaneceu a contingência de algum precipício.Por meio de canais se preveniu o estrago, que costumavam fazer as enxurradas; e foram abatidas as árvores que impediam o ingresso do sol, para se conservar a estrada sempre enxuta, na qual em conseqüências destes benefícios já se não vêem atoleiros, não há lama, e se acabaram aqueles degraus terríveis.” – Carta de Frei Gaspar da Madre de Deus a Bernado de Lorena datada de 06/03/1792. In: Mendes, pág. 9 |
Essa carta do Frei Gaspar
resume bem as características da Calçada. O caminho da chamada Serra de
Paranapiacaba - o Caminho do Mar fora calçado e seu traçado melhorado a fim de
assegurar a circulação entre o Porto de Santos e São Paulo. Deve-se destacar
que “Caminho do Mar” era o nome que designava diferentes ligações em diferentes
épocas entre o planalto e o litoral Paulista, sendo o último aquele calçado e
que posteriormente chamado de Calçada do Lorena (ver em Histórico).
O traçado
Partindo
de Cubatão, já no sopé da Serra do Mar, a primeira evidência encontrada da
Calçada esta (ou estava) junto a um dos flares (aquelas torres com chamas em
seu topo) da refinaria Artur Bernades, da Petrobrás. Aquele local, segundo Zanettini,
foram encontradas as primeiras evidências de pavimento irregular de pedras,
sendo essa a referência para os primeiros levantamentos topográficos na região
em 1980.
A partir daquele ponto, a
Calçada do Lorena subia a Serra até chegar o planalto e de lá encontrava outros
caminhos e ramificações para as cidades, vilas e freguesias existentes no
Planalto de Piratininga.
O trecho que começa no flare da refinaria da Petrobrás, até o primeiro encontro com a Estrada Velha de Santos (SP-148), em direção a São Paulo, está oculto pela vegetação, já que o mesmo não foi objeto de estudo no último estudo de levantamento da Calçada, executado em 1991, sob a coordenação da Eletropaulo. A partir desse ponto, a Calçada está exposta aos nossos olhos até 1,2 km depois de alcançar o planalto. |
Visão geral do trecho da serra onde está inserida a Calçada. Vemos acima a usina Henry Borden e abaixo os monumentos de Victor Dubugrás |
|
Antes da Serra...
Entre caminhos abertos pela antiga Light e recentemente
pela Eletropaulo (e hoje usados pela Emae) encontramos o calçamento, surgindo
inicialmente esparso no solo e em seguida, já definido, com largura de 1,5 a
2 metros, abaulado conforme o padrão de pavimentação de estradas da época. Uma seqüência de sobe e desce de pequenos morros compõe
o caminho no planalto, avisando que o topo da Serra está próximo e logo
começará a instigante descida rumo ao mar. Em conjunto, observamos cortes em
encosta que, em muitos trechos, compõem um caminho sombrio, escuro, já
denunciando a existência não de um simples caminho aberto no mato, mas sim de
um lugar de importância certa e de grande energia dispensada para executá-lo.
|
|
|
No começo da pavimentação de
pedras nota-se um corte a meia encosta à esquerda da Calçada (no sentido
litoral) que a acompanha por algumas centenas de metros, mas que não tem
início no mesmo ponto onde se começa a pavimentação. Continua o corte, no
sentido de São Paulo, contornando o morro, denunciando a continuação do
caminho no planalto além daquilo que hoje conseguimos ver. Junto a esse corte
cresceu uma vegetação que provavelmente encobriu o caminho ali existente. Continuamos pelo planalto, em
direção a Serra do Mar. O caminho mostra-se muitas vezes gracioso, num
marcante contraste com seus trechos escuros envoltos por cortes. Antes de uma
rampa bem acentuada à esquerda, há uma placa com o logotipo da Eletropaulo
indicando ali a existência da Calçada do Lorena e proibindo a circulação de
veículos. O caminho à direita nos leva até um portão, que delimita uma área
de uso da Eletropaulo. A Calçada segue pela rampa à esquerda.
Corte a meia encosta, sendo a calçada coberta pelo mato neste trecho |
Um pequeno trecho plano finda o planalto. Nele podemos avistar uma antena ou um pára-raios. |
|
No final desse trecho nos
deparamos com um monumento escuro, com ar de perdido e já deteriorado. É o
chamado “Monumento do Pico”, construído a mando de Washington Luis em 1922 cujo
projeto é atribuído ao arquiteto Victor Dubugras. Neste local a vegetação à
nossa esquerda dá lugar a um abismo e uma vista panorâmica da baixada Santista.
Estamos no alto da Serra do Mar, a 759,32 metros acima do nível do mar. O
silêncio da mata dá lugar ao ruído do vento, do pólo industrial de Cubatão, da
Via Anchieta e das cidades da baixada (tudo avistado neste ponto).
|
Monumento do
Pico Ao fundo, a usina Henry Borden |
Provavelmente, era neste local que
havia um monumento com inscrições em pedra exaltando a atitude do Governador
Lorena e da Coroa Portuguesa em construir tal caminho. Segundo Mendes, este
monumento foi erigido a mando da Câmara da cidade de São Paulo, ainda no começo
das obras da Calçada, em 1790. Parte destas inscrições em pedra foi encontrada
por Washington Luís nas suas incursões pela Serra à procura de vestígios da
Calçada, durante as obras de melhoramento e pavimentação da estrada Caminhos do
Mar (estrada Velha de Santos), em 1922. O achado foi transferido para outro
monumento que encontraremos mais abaixo e no local foi construído o Monumento
do Pico, cujas inscrições em bronze já desapareceram. Aliás, a destruição de
monumentos não é um mal só da atualidade. Veja aqui um dos relatos do Pastor Daniel Parish
Kidder, que passou pela Calçada em 1839.
|
Vista do
monumento do Pico Abaixo e a direita, vê-se a estrada velha do mar |
A descida
Começando agora a descida íngreme da Serra do Mar, a
Calçada procura acomodar-se longe de qualquer nascente ou afluente, evitando
transposição de cursos d’agua, o que barateou a obra e a preservou. Os seus
executores também tomaram o cuidado de locá-la em um espigão divisor de
águas, onde as declividades são menores e, à medida do possível, no lado
norte do mesmo, onde está acomodada do vento Sul e há melhor insolação. Além disso, a calçada assume um perfil diferenciado daquele encontrado no planalto, abaulado. Agora tem a forma em “V”, fazendo com que a água escoe pelo centro da calçada. Essa medida, tomada pelos construtores, evita a erosão da borda da calçada promovida pela grande velocidade que a água adquire e, para tal, há uma diferenciação marcante no tamanho das rochas utilizadas. Ao centro, são de maior dimensão e resistência. Nas bordas, menores. Do topo da Serra até a cota 400 m a calçada apresenta as
maiores inclinações (trecho de 900 m). Logo após o Monumento do Pico, a
Calçada desce em direção nordeste, logo após volta a Noroeste até encontrar a
crista do divisor de águas, cortando o morro. Sendo o trecho muito íngreme,
os construtores utilizaram profundos cortes, parapeitos nos precipícios e
arrimos. O arrimo mais notável é dividido em vários níveis, com
15 metros de comprimento e 4 metros em sua maior altura. Outros arrimos foram
executados para aterro em curvas, sendo o maior de 9 metros de extensão. À
esquerda da calçada para quem desce, ainda no trecho íngreme, encontramos um
nicho escavado na pedra. Segundo Zanettini, esse nicho provavelmente serviu
para um oratório. |
|
Um pouso
Mais adiante, a Calçada se bifurca em torno de uma pequena separação, onde podemos observar a direita um platô em dois níveis. Uma entrada encontrada no último levantamento levou os pesquisadores aos resquícios de um pouso para tropas. Segundo relatos do viajante Daniel Parish Kidder, existiam quatro pousos no trecho de serra da Calçada. Somente este foi levantado pelo estudo.O pouso tinha sua face principal voltada para o Norte, feita intencionalmente devido à insolação favorável e próximo a uma nascente d´água. |
|
Observa-se
a calçada entre cortes bi-laterais. À direita, a entrada do pouso, onde estão os dois platôs e as evidências arqueológicas |
|
Encontros
Logo
adiante, atualmente, encontramos um Beldevere Circular, que marca o primeiro
encontro da Estrada Velha de Santos (SP-148) com a calçada. Esta
segue por 200 metros até encontrar novamente a estrada. Neste trecho,
segundo Zanettini, havia um grande depósito de sedimento sobre a
calçada, o que a preservou.
O trecho após o segundo
cruzamento da SP-148 é todo em zigue-zague. É composto de 7 curvas
fechadas e bem próximas, vários muros de arrimo, encaminhamentos de água e
encamisamentos nas curvas. Segundo Zanettini, esse trecho foi muito
utilizado durante a construção e pavimentação da Estrada Velha de Santos. Foram
encontradas várias estruturas de alvenaria (algumas até bloqueando o escoamento
de água), além dos postes de madeira que serviram para sustentar os cabos
telefônicos entre Santos e São Paulo, entre os séculos 19 e 20. Essas
intervenções, além de descaracterizar a calçada, contribuíram para destruí-la
em parte, pois rompia seu projeto inicial de escoamento das águas.
O terceiro e último encontro com a estrada velha de Santos é marcado com um monumento conhecido como “Padrão do Lorena”. Neste monumento estão os resquícios do monumento erguido na inauguração da calçada e encontrados por Washington Luís em 1922, além de gravuras pintadas em azulejo de autoria de J. Wasth Rodrigues Inclusive o retrato do governador Lorena e projeto de Victor Dubugrás. |
|
Monumento "Padrão do Lorena", situado em curva acentuada da SP-148 |
|
Estátuas Gregas
![]() |
Do outro lado da SP-148, temos dois patamares onde, segundo Toledo, o DER (Departamento de Estrada de Rodagem) construiu dois barracos hoje inexistentes, o que extingui qualquer vestígio da calçada neste local. Atualmente, neste local são encontradas estátuas gregas, quiosques e um parque infantil. Tudo isso construído, segundo Zanettini, pelo prefeito de Cubatão na época da RIO 92, provavelmente colocado como “investimento em meio ambiente”. É claro que nunca ninguém usou tal estrutura, nem teria como, já que a estrada velha do mar se encontra interditada em dois trechos. Tudo está lá, abandonado e escondendo ainda mais a calçada.... |
Deste ponto em diante, o acesso à calçada é difícil, pois este trecho não fez parte do estudo arqueológico de Zanettini, em 1991. Provavelmente, a última pessoa que percorreu a calçada até o sopé da Serra foi Benedito Lima de Toledo. Em seu trabalho, onde diz que percorreu esse trecho em companhia de um mateiro residente da região, o Sr. Inocêncio, cita um trecho praticamente plano para logo em seguida cair abruptamente. Próximo já ao sopé da serra, são encontrados degraus em pedra. Também há ziguezagues e muros de arrimo ao longo do percurso. |
![]() |
Lá embaixo....
No sopé da Serra, o traçado da Calçada do Lorena se confunde com o da Estrada Velha de Santos. Ambos caminhos utilizam o “Aterro de Cubatão”, construído entre 1786 e 1788, que compreende o trecho entre o rio Cubatão e o córrego do cafezal. Sobre o córrego do cafezal a o “Pontilhão da raiz da Serra”, na estrada velha de santos. A calçada do Lorena, neste trecho, passa ao lado desse pontilhão, sobre um aterro, segundo Toledo. Ambas as estradas atingem o monumento conhecido como “Cruzeiro Quinhentista”, que atualmente foi deslocado de seu local original, favor este executado pela Petrobrás. |
|
"Cruzeiro Quinhentista" |
|