Sentado em frente à lareira, o Duque Romulus Ravenclaw, senhor das terras de Glastonbury, aguardava ansiosamente pelo nascimento do seu filho e herdeiro. Tentava não ouvir os gritos de sua esposa, Ryona, que tentava trazer ao mundo outra criança. Aquela já era sua terceira gravidez, e nos dois partos anteriores as crianças não haviam sobrevivido. O duque rezava com todo o seu fervor cristão para que daquela vez nada acontecesse ao bebê. E nem à mãe.
Uma sombra silenciosa saiu de dentro do quarto, e encaminhou-se para a ampla sala onde o duque se encontrava. Este estremeceu ao perceber que a senhora Lyan, sua sogra, se encontrava ali. Não gostava da mãe de sua esposa, e se não fosse por Ryona já a teria expulsado do castelo. Sabia que ela era uma feiticeira, mas ocultava o fato de todos, receoso de que os padres do mosteiro tomassem conhecimento do que ocorria no seio de sua família. Afinal, era o homem mais poderoso da região e precisava impor respeito. Há séculos que a magia havia sido banida daquelas terras, para a salvação da humanidade, pensou.
- Sim?
- A criança nasceu viva, senhor meu genro, e com saúde. Essa vai sobreviver.
- Menino ou menina?
- Uma menina.
O duque não conseguiu disfarçar o seu descontentamento. Mas pelo menos a criança tinha saúde, e no futuro poderia conseguir-lhe um bom casamento, e uma aliança poderosa. E além disso Ryona tinha apenas dezoito anos, poderia lhe dar outros filhos, herdeiros de seu nome e de suas terras. Como se adivinhasse os pensamentos do genro, a caminho do quarto, Lyan lhe informou:
- Acho bom o senhor contentar-se apenas com sua filha...Ryona não poderá lhe dar mais filhos, senhor. Isso a mataria. Mas eu vejo um grande futuro para a menina, ah isso eu vejo...- dito isso, deixou o genro entrar no quarto.
" Maldita feiticeira, que queime no fogo do inferno..." , pensou, irado. Mas toda a raiva e decepção sumiram quando o duque finalmente viu a filha, envolta nos lençóis do berço. Ryona estava semi-acordada, mas pressentiu a chegada do marido.
- Romulus...- sussurrou, chamando-o.
- Você precisa descansar....- disse-lhe tranqüilamente é uma linda criança.
- Eu sinto muito...eu queria tanto lhe dar outro menino...e mamãe e a parteira disseram que eu não poderei ter mais filhos...
- Não precisa falar mais nada, Ryona...apenas durma.
Contemplou mais uma vez a filha no berço, dormindo tranqüilamente. Talvez sua sogra, com toda a sua arrogância, tivesse razão. A menina poderia vir um dia a se casar com um grande nobre, ou mesmo com um príncipe. Sorriu, imaginando aquela menininha sendo coroada uma rainha, senhora de toda a Inglaterra.
- Minha pequena...vou lhe dar o nome de Rowena, como se chamava minha mãe...
Rowena Ravenclaw foi criada como convinha a uma filha de nobres: cercada pelos muros do castelo de seu pai, protegida pelos seus guardas, e educada para ser uma grande dama. Sua mãe encarregara-se de lhe ensinar as atividades básicas de uma mulher dentro do castelo: fiar, tecer, tingir tecidos, cozinhar, dar ordens aos servos, e os princípios de uma boa esposa cristã, casta e obediente, como ela própria o era. Ainda uma criança, Rowena não compreendia muito bem o que sua mãe dizia com isso. Muito mais divertido era estar com sua avó. A velha Lyan lhe contava histórias dos povos antigos, que viveram naquelas terras antes dos romanos e posteriormente os padres, a dominarem.
- Antigamente, Rowena, essa ilha chamava-se Avalon...a terra das sacerdotisas, onde a magia era permitida. Ah, como eu gostaria que ela ainda existisse, e que não fossemos obrigadas a nos esconder...temer os padres que insistem em nos amedrontar com o fogo do inferno...
- Mas eu sou como a senhora, vó? perguntou assustada Uma feiticeira?
- Você pertence ao antigo povo, Rowena...de alguma forma, descendemos de Avalon...sim, minha filha, você é como eu....você sabe disso.
- O Padre Thomas diz que magia é coisa do...do inferno...é pecado. E a minha mãe e meu pai concordam com ele...
- Eles não sabem o que dizem, Rowena. Sua mãe nasceu sem magia alguma, por isso ela concorda com o padre...e seu pai...bem, ele está mais preocupado com guerras do que o com o que diz a Igreja.
Isso não era bem verdade, pensou Rowena. Seu pai era um homem religioso, e nas raras vezes em que estava em casa, fazia questão de freqüentar a missa aos domingos, acompanhado da mulher e da filha. Se o duque soubesse que sua única filha aprendera a ler e a escrever escondida com a avó, e posteriormente todos os segredos da magia, provavelmente a teria trancado no convento de Glastonbury para o resto da vida. Mas Rowena respirava aliviada, porque era tão raro o pai passar mais que duas ou três luas por ano no castelo, que não tinha tempo para saber como a filha preenchia seus dias.
Para o Duque Ravenclaw, a única coisa que importava era que sua filha se casasse com um homem poderoso, de preferência com sangue real. A menina poderia ser mais bela, pensou. Rowena tinha cabelos longos, castanho-claros, mas eram muito lisos, e seus olhos eram cor de mel. Mas seus lábios eram finos demais, em relação ao rosto comprido e magro. "Ela já vai completar quatorze anos. Nessa idade, Ryona já havia sido prometida para mim...sim, é hora de procurar um marido para Rowena." Ele não sabia que Rowena já dominava plenamente seus poderes, que mantinha em seu quarto manuscritos secretos de feitiços, poções e encantamentos ensinadas pela avó. E que eventualmente subia ao Monte Tor para saudar o nascer do sol e que após as orações que fazia sob o olhar atento da mãe, queimava ervas em seu quarto para trazer a boa sorte ao castelo. Eram apenas nesses momentos que a jovem feiticeira sentia-se livre de verdade, longe de qualquer convenção.
A jovem entrou no quarto escuro, e viu o rosto pálido da avó na cama. Sabia que Lyan estava à beira da morte, mas negava-se a acreditar que fosse perder a única pessoa no castelo com quem podia conversar sobres seus medos e angústias. A única que sabia que Rowena Ravenclaw era uma bruxa.
- Vó...por favor...fique comigo...
- Chegou a minha hora...filha...guarde bem o que vou dizer: você nasceu para ser grande...
- Meu pai diz que serei rainha...
- Não é essa grandeza que estou dizendo, Rowena...você é sábia...e não deve guardar a sabedoria que tem apenas para você...
- Mas como ?
- Quero que você me prometa que não vai se entregar ao destino que seu pai está traçando para você...há muito mais reservado para a sua vida...
- Se eu não me casar, meu pai me tranca no convento...não há como fugir...
- Você vai fugir, Rowena...será doloroso, e você vai perder tudo o que tem, mas o que aprendeu comigo...isso vai permanecer...agora vá, querida...
Rowena saiu do quarto, sem entender o que sua avó queria dizer. Deixou as lágrimas correrem pelo seu rosto, silenciosamente. Ninguém iria se importar que ela estivesse chorando. Aliás, ninguém lhe notava mesmo. A mãe lhe era uma estranha, devotada demais às suas responsabilidades como senhora do castelo para prestar atenção à filha...seu pai estava longe, e sua aia provavelmente diria que não era mais uma criança para chorar daquela maneira. Ninguém se importava com a sua avó também...talvez para Ryona até mesmo fosse um alívio a mãe ir embora, e não ter que agüentar mais os olhares inquisidores dos habitantes de Glastonbury, perguntando-lhe se a velha era mesmo uma feiticeira...
Chorou muito, e também na manhã seguinte, quando a avó finalmente morrera. Tinha então, quatorze anos recém-completados, já era mulher feita. Mas agia feito uma criança desesperada. Ryona a observava severamente. Não imaginava que a filha fosse sentir assim a perda da avó. Naquela noite, entrou no quarto da moça, tentando trazer-lhe algum consolo.
- Assim é a vida, Rowena...os velhos morrem, enquanto novas crianças nascem...
- Mas eu não queria...
- Eu também não...era minha mãe...mas se essa é a vontade de Deus...o que nós podemos fazer? Sorria, querida...quando seu pai voltar, provavelmente lhe trará boas notícias...
- Um marido? perguntou, completando o pensamento da mãe - não, muito obrigada. Eu não vou me caasar...
- Não fale uma bobagem dessa. É lógico que você irá se casar. Toda mulher ou se casa, ou vai para o convento...você escolhe, Rowena.
Mas quando o duque voltou para o castelo, ainda não tinha um pretendente para Rowena, e esta respirou aliviada. Sua vida tornou-se mais vazia com a morte da avó, e não havia nada em Glastonbury que pudesse distrair uma jovem donzela, filha do duque, uma jovem feiticeira que se escondia de todos...eventualmente saía pelos campos para cavalgar com suas damas de companhia, mas aquelas mulheres que a serviam eram todas umas tolas...só sabiam falar de casamento e filhos..."você vai ser muito mais que isso..."ouvia a voz de sua vó latejando em seu ouvido.
Outro inverno chegou, e com ele uma estranha febre, que dizimou boa parte da ilha. Quando Ryona caiu doente, e os curandeiros a desenganaram, o duque mandou Rowena para o convento, o único lugar seguro de Glastonbury. Pelo menos ali ninguém ainda havia ficado doente. A jovem tentou evitar, querendo ficar ao lado da mãe a todo custo. Mas a vontade de seu pai era lei, e ela seguiu para a clausura.
Nos dois meses que passou em companhia das irmãs, Rowena permaneceu isolada de todas as freiras. Mesmo as mais jovens lhe pareciam velhas, e ela preferia ficar sozinha, refletindo em sua vida. Até que um dia, uma das noviças se aproximou, timidamente. Era muito nova, talvez até mais que a própria Rowena. Estavam no jardim, e Rowena lia a Bíblia, sua única distração na clausura.
- Milady Ravenclaw?
- Sim?
- Desculpe perturbá-la...sei que prefere ficar sozinha...mas eu vi que a senhora sabe ler muito bem o latim...
- Minha avó me ensinou...e também o padre Thomas...para ler as orações...
- As orações eu sei ler...mas não aprendi mais nada...meu pai não deixou...
Rowena olhou melhor para a moça a sua frente. Era muito loira, e os olhos de um azul-claro intenso. No entanto a jovem era muito diferente das outras noviças, resignadas ao convento. Seu olhar parecia implorar por liberdade...anos depois, Rowena compreenderia que aquela expressão era a mesma que ela carregava...a esperança de um dia poder realmente viver.
- Qual o seu nome, irmã?
- Sou Helga, senhora. Helga, filha de Ernst Hufflepuff, o ferreiro. Ficaria muito feliz se a senhora me ensinasse a ler melhor...se os padres deixarem, obviamente.
- E por que seu pai não deixou que lhe ensinassem a ler e a escrever?
- Porque ele disse que uma mulher que sabe demais vira feiticeira os olhos da jovem brilharam intensamente e me trouxe para o convento quando eu tinha doze anos porque eu era...sou...diferente...
Como se não pudesse ( ou quisesse ) dizer mais nada, Helga levantou-se assustada.
- Eu não queria incomodá-la...
- Não me incomodou... mentiu Rowena mas se você realmente quiser, eu posso ensiná-la disse, sem muita emoção. Pelo menos daquela forma, preencheria o seu tédio.
Convencer a madre e os padres não fora nada fácil. Mas Helga insistiu, dizendo que daquela foram poderia acompanhar melhor as orações...mesmo depois de anos, Rowena não estava bem certa de que os religiosos haviam sido convencidos apenas pelo poder das palavras...Foram poucos os momentos em que as duas jovens conseguiram isolar-se, para que Rowena pudesse ensinar o latim para Helga. As tarefas dentro do convento eram árduas, e sobrava pouco tempo para as lições.
Poucos dias depois Ryona morrera, trazendo novamente para Rowena o vazio. Já não havia mais nenhuma mulher no castelo que a amasse, e sabia que assim que voltasse para casa, seria a nova senhora, Duquesa de Glastonbury. Estava quase resoluta a permanecer no convento. Pelo menos despertara a simpatia de Helga, embora ainda não a considerasse exatamente uma amiga. Havia momentos em que a noviça parecia esconder algum segredo, e não foram poucas as vezes que Rowena sentiu-se apreensiva diante um súbito silêncio de Helga. Mas, o inverno já cedia espaço para a primavera, e a epidemia cessou. Foi quando o duque exigiu a volta de Rowena para casa.