Capítulo 2 Quando os caminhos se encontram
Guerra. Talvez os homens só vivessem para isso, concluiu Rowena, quando seu pai voltou de nova companha. Durante quatro luas o duque estivera percorrendo todo o sul, convocando os seus aliados para juntarem-se aos exércitos do rei, que combatiam rebeldes no norte. Parecia ainda mais velho e cansado. Do alto da torre do castelo, podia vê-lo se aproximar, acompanhado de seus homens. Voltou para o quarto, cabisbaixa. Já fazia um ano que sua mãe morrera. Sentia-se muito sozinha, e enquanto seu pai estivera fora, não recebera autorização nem mesmo para visitar as irmãs no convento.
- Milady...seu pai está no salão a sua espera para o jantar...- avisou-lhe a aia.
- Avise-o que já estou descendo. disse, sem disposição alguma.
Vestiu-se sem nenhuma preocupação, e desceu para o grande salão, onde as refeições eram servidas. Havia um grande movimento de homens pelo pátio, indicando uma ação militar.
- Ah...Rowena, minha filha. Como tem passado? o duque aproximou-se e tomou-lhe carinhosamente as mãos.
- Eu estou bem. E o senhor? Conseguiu êxito em sua campanha?
- Este não é um assunto para uma donzela, Rowena. o pai sorriu condescendente e tocou-lhe o rosto - venha...preciso lhe apresentar duas pessoas...
Havia dois homens sentados à mesa, e ambos levantaram-se ao vê-la. Um, era da idade do seu pai: alto, loiro, porém já grisalho, a barba cerrada. O outro era jovem, pouco mais velho que a moça. Os mesmos cabelos loiros, também alto, os olhos azuis...pareceu-lhe belo, mas qualquer rapaz lhe pareceria, já que via muito poucos em Glastonbury e jamais dirigia-lhes o olhar, como convinha a uma donzela.
- Quero lhe apresentar o Duque da Cornualha, Sir August Gryffindor disse-lhe, indicando o homem mais velho ele a pediu em casamento, Rowena, e eu lhe dei permissão. Ah, sim...e este jovem é o sobrinho e escudeiro do duque, Sir Godric.
- Rowena não disse nada. Sua expressão era vazia, mas por dentro sentia raiva. "Por que tenho que me casar com esse velho? Por que não o rapaz, então?"
"- O Duque é primo do Rei, Rowena." parecia que a voz do pai vinha de muito longe.
"Então é isso...quer me colocar dentro da família real, como sempre sonhou...sou sua marionete, e ele fará da minha vida o que quiser"
"- Então, o que me diz, minha filha?"
"O que eu posso lhe dizer? Que meu noivo é um velho, e que terei nojo em me deitar na mesma cama que ele?Que eu sou uma feiticeira, uma bruxa? Direi isso, e passarei o resto da minha vida no convento...talvez seja por isso que Helga está lá.."
- Sinto-me honrada, pai...- disse, automaticamente.
O duque Ravenclaw sorriu satisfeito com a amabilidade da filha.
- Será um grande casamento, Rowena...e uma grande aliança também.
Rowena tentou parecer o mais natural possível, principalmente depois que seu "noivo" tocou-lhe a mão com os lábios, dizendo-se satisfeito em desposá-la. "Onde mais um velho desse conseguirá uma noiva de dezesseis anos?"
Durante o jantar, os homens discutiram ferozmente sobre as batalhas que estavam por vir. Godric participava empolgado da conversa, mas eventualmente observava Rowena, que mal tocara na comida. Por um instante, seus olhares se encontraram, e ele viu toda a angústia que a jovem sentia em seus olhos. Voltou a sua atenção para o tio, que explicava as estratégias utilizadas para defender a Cornualha de um possível ataque. Mas desde aquele momento, soube que Rowena era diferente das outras mulheres que conhecera. "Exceto minha mãe", pensou.
Se até então a guerra era apenas uma ameaça, tornou-se real na época do Natal, quando o casamento de Rowena Ravenclaw e August Gryffindor seria realizado. A cerimônia fora adiada, e os dois duques partiram para Londres, respondendo a um chamado do Rei. Godric e alguns homens ficaram responsáveis pelo castelo e pela segurança de Rowena.
Aquele estava sendo um dos mais rigorosos invernos dos últimos tempos, e Rowena já não sentia vontade de fazer mais nada. Permanecia o dia todo diante da lareira, fingindo que fiava, enquanto imaginava como seria sua vida se pudesse usar toda a magia que pulsava dentro de si. E esta parecia ter aumentado desde a chegada dos Gryffindor ao castelo. Mais precisamente, Godric. Cada vez que o rapaz estava próximo, era como se uma grande força a dominasse, e era apenas nesse momento que Rowena sentia-se viva.
Até a véspera de Natal, não haviam trocado mais que duas ou três palavras. Mas naquela noite, sentindo-se cansada de ficar sozinha, pediu a uma de suas servas que chamasse Godric em seu alojamento, e que viesse cear em sua companhia.
- Mas Milady...não é prudente um homem...
- Não discuta minhas ordens...eu estou cansada de todas vocês, com seus conselhos...vá, me obedeça...eu sou a senhora, esqueceu-se?
Sem discutir, a mulher saiu e voltou logo depois com o rapaz. Rowena já se encontrava no salão, com a mesa posta.
- Sinto-me honrado em cear em sua companhia, Lady Rowena, já que em breve faremos parte da mesma família.
- Obrigada, Sr Gryffindor. respondeu, tentando esquecer o seu noivado sirva-se.
Durante um bom tempo, Godric limitou-se a apenas comer, enquanto observava Rowena mexer na comida, mas sem levá-la a boca. Sentindo que ele não tirava os olhos de si, a moça irritou-se e se antes achava que a companhia pudesse lhe fazer bem, agora a incomodava. O rapaz por sua vez não cansava de tentar compreender o que se passava com a jovem. Procurava, em sua expressão algo que lhe explicasse aquela estranheza no olhar.
- Eu gostaria de saber porque tanto me olha...há algo de errado com minha pessoa? Rowena perguntou, cansada do exame detalhado de Godric.
- De errado não...talvez diferente...a senhora não se parecesse muito com as outras mulheres...principalmente no olhar...
- E o que há de diferente em meu olhar?
- Parece que esconde algo...um segredo, talvez...
Rowena sentiu as mãos tremerem, e sem querer derramou o cálice de vinho sobre a mesa. Enquanto os criados limpavam o local, olhava apavorada para Godric. "Ele sabe. Mas como, se não lhe falei nada, e nem poderia?" Não trocaram mais nenhuma palavra durante o resto da ceia, mas Rowena sentia-se incomodada, como se Godric pudesse adivinhar o que ela realmente era. Terminou a refeição em silêncio, e retirou-se para o seu quarto, sem nem ao menos dizer boa-noite. Godric continuou observando-a, intrigado com o estranho comportamento da moça. "Ela esconde algo..."
Muitos dias se passaram desde a noite de Natal, mas Rowena nunca mais procurou Godric no pátio, ou em qualquer outro lugar do castelo onde o rapaz poderia estar. Passava a maior parte do tempo em seus aposentos, bordando ou tecendo. A neve castigava Glastonbury, e a moça sentia ainda mais a falta da avó. Pelo menos, se a velha Lyan estivesse ali, teria com quem conversar, e dividir as angústias que sentia...casar-se com aquele velho, definitivamente não estava em seus planos. Mas ela também sabia que não havia como fugir à determinação de seu pai. Seria amaldiçoada para o resto de sua vida, uma mulher largada a própria sorte. Por isso, apenas esperava...
Mesmo com o frio intenso, Rowena não deixava de subir o Tor, todas as manhãs. Era o seu ritual diário, para sempre lembrá-la do que realmente ela era. A cada dia que passava, sentia-se mais forte, a magia pulsando em suas veias. E lá, no alto da colina, parecia quase possível que pudesse trazer Avalon de volta. Por instantes, acreditava que não ouvia mais os sinos da Igreja e que a mítica ilha surgiria diante dos seus olhos.
- Então é aqui que a senhora se esconde todas as manhãs...- Rowena, com os olhos fechados, ouvia distante a voz de Godric.
- Somente aqui eu posso ser eu mesma...
- E quem é você, Rowena Ravenclaw?
- Uma filha de Avalon...- respondeu-lhe, vagamente.
- E o que faz aqui, na Ilha dos Padres? Por acaso esqueceu-se como se baixam as brumas? agora havia um nítido tom de zombaria na voz do rapaz. Rowena saiu do transe momentâneo, e encarou Godric com desprezo.
- E o que você sabe sobre Avalon?
- Não muito mais que você...apenas o que os mais antigos ainda contam...o que me surpreende, no entanto, é uma moça cristã citar o nome da ilha onde o demônio estava presente...
- Não havia demônios em Avalon...havia pessoas...sacerdotisas cujo único interesse era manter viva a magia...- calou-se subitamente, percebendo a extensão do perigo que suas palavras representavam.
- Então esse é o seu segredo, Milady? Interessar-se por magia? O que diriam os padres?
- Pouco me importam os padres...pouco me importa tudo isso... ela esbravejou, indicando com os braços toda a extensão de terras de seu pai se eu não posso dizer a todos que Milady Ravenclaw, Duquesa de Glastonbury não passa de uma feiticeira Rowena caminhou devagar, procurando o caminho menos íngreme para descer, agora arrependida das últimas palavras esqueça tudo o que eu lhe disse...por Deus, esqueça....
- Esquecer? Godric sorriu-lhe não tenha medo, Rowena. Eu também sou um bruxo...
Era um fim de tarde quando um mensageiro chegou afobado ao castelo dos Ravenclaw. Rowena observava da janela do seu quarto, e sentiu um arrepio frio percorrer sua espinha quando Godric desdobrou o pergaminho que o homem lhe entregara. Como se adivinhasse o que estava acontecendo, a moça saiu de seu quarto, e desceu correndo as escadas. Encontrou-se com Godric no meio do salão, o rosto tenso.
- O que aconteceu? Quem era aquele homem?
- Um mensageiro, Milady...não trouxe boas notícias...
- Aconteceu algo com o meu pai, não?...o que houve?
- Foi numa batalha, há poucas semanas...os rebeldes do norte conseguiram invadir Londres...seu pai e o meu...meu tio morreram tentando defender o rei...- Godric observou as feições da moça tornarem-se ainda mais pálidas eu sinto muito...
- Você não sente nada!! Rowena gritou, deixando as lágrimas descerem livremente pelo seu rosto... era o meu pai...e agora?! O que vai ser de mim?! Me diga, Sr Godric Gryffindor...o que vai acontecer comigo? disse, num sussurro.
- Eu estou aqui para ajudá-la...se precisar de mim...
- Não preciso de você...por favor, apenas me deixe em paz...! - respondeu-lhe, rispidamente.
- Eu a deixo em paz então...mas não é seguro uma donzela sozinha por aí...ainda mais sendo uma bruxa...
Rowena voltou-se para Godric, os olhos chispando de raiva.
- Eu não lhe dei liberdade para me tratar dessa maneira...o que eu sou só diz respeito a mim mesma...
- Eu lhe digo isso porque nós somos iguais...eu também ainda não encontrei o meu lugar... - Godric suspirou, exasperado mas é você quem sabe, Rowena...vou respeitar a sua dor, porque eu também sinto a morte do meu tio...mas não vou deixá-la...prometi ao seu pai que cuidaria de você...e eu não costumo quebrar os meus juramentos...
Godric afastou-se, deixando a moça sozinha. Rowena sentia-se atordoada, sem saber qual rumo tomar. De um momento para o outro, o seu mundo seguro parecia estar desaparecendo...ruindo aos seus pés. Voltou para o seu quarto, solitária. Agora, já não tinha mais o seu pai, ninguém para guiá-la, lhe dizer o que deveria fazer. Deitou-se em sua cama, e afundando a cabeça nos travesseiros, chorou.
Já era noite fechada, quando acordou com o estrondo da porta do seu quarto se abrindo, e Godric adentrando o aposento.
- Eu posso saber ...- começou a dizer, mas Godric a interrompeu.
- Não é hora para ouvir os seus desaforos, Rowena...arrume suas coisas, precisamos sair de Glastonbury o mais rápido possível...
- O que lhe faz pensar que eu vou deixar a minha casa no meio da noite com você?
- Uma horda de rebeldes vindo em direção ao seu castelo é um bom motivo? Se você preferir, eu lhe deixo aqui, para que eles se divirtam a vontade com Lady Ravenclaw... o rapaz abriu os baús de Rowena, e começou a tirar algumas peças de roupa acho melhor você pegar um ou dois mantos de lã...está muito frio lá fora...o que foi? Ainda não acredita em mim? Godric encarou a moça, ainda encolhida num canto do quarto.
- Você...está falando sério? Rowena ajoelhou-se ao lado dos seus baús, recolhendo alguns xales eles estão vindo para cá? murmurou desalentada.
- Eu sinto muito disse o rapaz, quase num sussurro mas é melhor nos apressarmos...não quero que nada aconteça com você...
Rowena juntou algumas peças de roupa, pegou suas jóias...só então que suas mãos tocaram o fundo do baú, e a moça pegou os pergaminhos com todas as lições de sua avó...
"A senhora tinha razão...o meu destino era outro..."
Era a sua libertação, a chance de viver como gostaria...livre. Terminou de juntar alguns de seus pertences, e respirou fundo:
- Se temos que ir, então vamos logo...
A escuridão de Glastonbury só era quebrada pelas tochas empunhadas pelos invasores, que vinham em grandes bandos, atravessando o pântano a cavalo, e destruindo tudo o que havia no caminho entre a vila e o castelo dos Ravenclaw. Aquela noite ficaria marcada para sempre na memória dos moradores, quando o poder da região mudou das mãos do justo duque, para as de aventureiros, os rebeldes do norte.
Rowena e Godric procuraram cavalgar silenciosamente, para não chamar a atenção dos invasores, o que particularmente era difícil. No entanto, o rapaz dera aos cavalos uma estranha erva, e os animais pareciam deslizar, eliminando assim o ruído de suas patas contra o chão. Rowena olhou interessada para as plantas desconhecidas, mas não obteve de Godric nenhuma resposta quando o interrogou com olhar.
Quando já estavam se afastando da vila, em direção ao lago, ouviram gritos desesperados de mulheres, vindo do convento. Rowena olhou apavorada para Godric:
- As irmãs...eles estão invadindo o convento, não há ninguém para protegê-las...- lembrou-se da época em que estivera na clausura...embora sentisse um certo medo das religiosas, e do que poderiam lhe fazer caso descobrissem o seu segredo, não podia negar que durante o tempo em que lá estivera, fora muito bem tratada pela madre e pelas outras irmãs. E ainda havia Helga, a estranha noviça.
- O que você quer que eu faça? Nós somos apenas dois...
- Mas nós podemos fazer algo...- Rowena deu meia-volta, e cavalgou em direção ao convento, e só parou quando faltavam poucos metros para alcançá-lo. Os portões estavam escancarados, as freiras tentavam fugir dos invasores, que as perseguiam. Rowena concentrou o seu pensamento numa pequena tocha de fogo, e fechou os seus olhos, enquanto com a mão direita procurava guiar as chamas para dentro do convento.
- Você vai acabar provocando um incêndio...- começou a dizer Godric, mas o fogo tomou a forma de um homem, que lentamente invadiu os muros...o rapaz observava o feitiço fascinado, ao mesmo tempo que gritos de dor eram ouvidos...gritos de homens que estavam sendo queimados, tocados por todo aquele fogo...as religiosas fugiam desesperadas, mas o homem-fogo só atingia os invasores, deixando as mulheres intactas...em questão de segundos, já não havia uma única pessoa dentro da construção, que aos poucos era destruído pelo incêndio.
A jovem feiticeira admirou as chamas que provocara, mas o seu bom senso lhe dizia que era hora de partir. Aos poucos, o susto das pessoas ao seu redor ia passando, e todos se perguntavam o que havia acontecido ali. Godric conjurou uma névoa espessa e opaca em torno de si e Rowena, e já iam avançando, quando um vulto penetrou no nevoeiro...
- Me deixe ir com vocês...Por Deus, Rowena, não me deixe aqui...
Rowena Ravenclaw olhou para trás. Helga corria desesperadamente, pedindo ajuda.
- Venha!! respondeu-lhe, esticando a mão. Suba.
Às margens do lago pantanoso, Rowena olhou pela última vez para o Tor, e para as sombras que eram a sua terra, onde passara a toda a sua infância...e de onde agora, era obrigada a fugir...
- Eu nunca poderia imaginar que você é uma bruxa, Helga...- as duas moças se encontravam no meio de uma floresta, aguardando o retorno de Godric, que fora explorar a região e procurar alguma vila onde pudessem se abrigar do frio intenso. Helga preparava um ensopado de coelho ( abatido por Godric ), enquanto Rowena permanecia encolhida num canto, tremendo de frio.
- E você acha que eu iria espalhar por toda Glastonbury o que eu realmente sou? a menina virou-se, com seus olhos azuis brilhando meu pai descobriu o que eu sou quando eu tentei ressuscitar um pássaro morto...ele me disse que já havia sido uma maldição ter uma filha mulher...e ainda feiticeira...que homem algum iria querer se casar comigo...por isso ele me trancou no convento...e esqueceu que eu existia...
- Mas havia outros bruxos na sua família?
- Não que eu saiba...- respondeu Helga, pensativa não, acho que não...
- Minha avó o era...e meu pai nunca soube...eu acho...mas eu sempre fiz disso um segredo...não sei como iria ser a reação das pessoas, e eu não podia colocar em risco a posição da minha família...
Helga mexia no ensopado sem prestar muita atenção ao que Rowena dizia. Pensava no que iria fazer da sua vida, agora que estava livre...há poucos dias, deixara Glastonbury para trás, num momento de pânico e terror...passado o susto, percebia que havia sido um tanto imprudente. Pelo menos, no convento estava segura entre quatro paredes, tinha uma cama quente e comida não faltava..."sim, mas você jamais poderia dizer que é uma bruxa...provavelmente seria excomungada pelo Padre Thomas...e depois, aqueles homens conseguiram invadir o convento...". Olhou para Rowena, ainda encolhida a um canto..."ela está apavorada...nunca sentiu fome ou frio...será que vai agüentar por muito tempo?
Olhou para a pequena panela que haviam encontrado numa cabana abandonada, na primeira noite após a fuga...famintos e com frio...Rowena começando a reclamar do cansaço...por sorte, naquela noite tiveram um teto para se proteger da intensa nevasca. Remexeu mais uma vez o cozido, mas já não lhe prestava mais atenção...imagens começavam a se formar na água...e Helga viu o rosto de Godric, voltando para o ponto onde se encontravam...mas sobre a imagem do rapaz, viu outra...um outro jovem, completamente desconhecido...os dois rostos se fundiram num só, e o seu próprio rosto apareceu, juntamente com o de Rowena...não gostava quando isso acontecia, e essas imagens aparentemente sem nexo surgiam diante dos seus olhos.
- Você está bem? Rowena aproximou-se, preocupada.
- Ahn? Ah, sim...eu estou...eu...acho que vi alguma coisa...
- Viu? Onde?
- No caldeirão...
- Não há nada aí dentro, além de comida...a não ser que...uma visão?
- Isso sempre me apavorou...mas agora, foi tão natural...- Helga virou para a outra moça isso já aconteceu com você antes?
- Não...isso é um dom, eu acho...segundo o que a minha avó me disse...um dom muito antigo...
Helga permaneceu em silêncio, pensativa. Pouco depois, Godric chegou, afobado.
- Eu consegui um lugar para passarmos a próxima noite...mas eu preciso realmente saber para onde vocês querem ir...
- Não temos para onde ir...- Helga tirou o caldeirão do fogo e o estendeu para o rapaz, que pegou um pedaço de carne eu não tenho a menor idéia do que fazer...
- Minha vida sempre esteve limitada ao castelo de meu pai...agora...não me importa para onde irei, só não quero sentir a neve sobre mim durante a noite Rowena também serviu-se, fazendo uma careta à comida precária.
- Eu falo isso, porque preciso viajar para a Cornualha...reaver a herança a que tenho direito...é uma viagem muito longa...não sei se vocês duas iriam agüentar...
- Você está querendo dizer que vai nos deixar por aí? Ou, pior, que estamos atrapalhando os seus planos?
- Ora, não seja tola, Rowena!! Eu estou apenas avisando...se vocês quiserem vir comigo, eu não me importo...
- E se eu não quiser ir para a Cornualha...
- Então você vai ter um problema para resolver...tranque-se num convento! Godric respondeu, rispidamente e você, Helga? Alguma objeção?
- Acho que não...quer dizer...para onde mais eu iria?
- Eu não disse que não queria ir para a Cornualha com você, Godric...eu realmente não tenho outra opção...
- Eu sei disso...- murmurou não pense que eu faço questão absoluta de levá-la comigo...mas eu prometi ao seu pai cuidar da sua segurança...bem, já que terminamos a nossa refeição, acho melhor irmos...antes que anoiteça...
Era apenas um menino...pouco mais de oito anos, alto e forte para a idade...estava acuado, debaixo da mesa tosca de madeira. A mulher gritava desesperada, mas ele não podia fazer nada...os homens riam, enquanto a violentavam...um a um, eram dois os seus algozes...
Grite, sua vadia...feiticeira nojenta...é só para isso que você serve...
Súbito, um grito de dor, dessa vez vindo de um dos homens...um corpo caiu no chão...a mulher, ainda muito jovem, conseguira escapar de pelo menos um...enquanto se arrastava pela casa , procurava a criança desesperadamente...o outro homem a agarrou pelos cabelos, e a puxou para si, explorando rudemente o corpo da jovem, rindo diante da expressão de nojo e desprezo estampada no rosto de sua vítima...
Largue a minha mãe...você é um cão desprezível...seu, seu... o garotinho avançou em direção ao homem, mas este, com um violento tapa, jogou a criança contra a parede. A raiva do menino aumentou ainda mais, e em questão de segundos, atirou uma moringa dágua no homem. O atordoamento causado pela pancada não fora suficiente para deixá-lo fora de combate...sacou um punhal e avançou para o garoto...
Meu filho não!! a mulher gritou, desesperada deixe-o em paz...ele é uma criança...
Ora, cale-se, sua feiticeira-meretriz...- e com um golpe, fincou-lhe o punhal nas costas, e o sangue escorreu pelo chão batido do casebre...o garotinho avançou-lhe mais uma vez, e agora apenas a raiva servia de arma...raiva, e medo...sentiu o metal frio em seu rosto, e talvez sentisse outra e outra vez, se num último ato desesperado, a mulher se jogasse na frente do filho, recebendo em seu lugar o golpe fatal...
"Fuja, Salazar...para a floresta...lá você estará seguro...vá meu filho, e que os deuses o protejam..."
E ele fugiu...sangrando, desesperado...sabia que nunca iria adiantar pedir ajuda...aqueles homens eram respeitados em toda a vila, e gozavam da confiança do padre local....e sua mãe não passava de uma meretriz...
A cicatriz ficaria para sempre em seu rosto...e mesmo os anos em que vagou pelo mundo não foram suficientes para apagar a sua fúria...um dia todos eles pagariam pelo crime...
"Trouxas nojentos..." murmurou, antes de penetrar na floresta...
"Aquilo" não poderia ser chamado de um bom lugar para passar a noite, definitivamente, pensou Rowena, mal-humorada na manhã seguinte, sentindo dores por todo o seu corpo. Estavam em um celeiro abandonado, próximo a uma vila miserável. Havia feno por toda a sua roupa, e a moça pensou quanto tempo levaria para que o tecido, feito do mais puro linho, começasse a se desfiar.
Sabia no entanto que não adiantaria reclamar do desconforto daquela viagem. No mínimo, Godric iria lhe dizer, pela enésima vez, se ela teria preferido permanecer em Glastonbury, e ser violentada pelos invasores, antes de morrer. Em poucos dias, ela percebeu o quanto Helga era mansa, e não reclamava de nada, nem de frio, fome ou cansaço. Concluiu que tudo o que estavam passando deveria ser um paraíso em relação a vida no convento.
- Bom dia...- disse-lhe Godric foi uma boa noite, não?
- Só se foi para você...
- Eu sabia...- ele murmurou sente fome?
- Um pouco...
- Há um mercado nessa vila...podemos comprar um pouco de pão e frutas...
- É...podemos...
- E você poderia se animar mais...e tentar sorrir de vez em quando...
- Você pode me dar um motivo?
- Você está viva...- respondeu, sarcasticamente.
Ele entrou na vila a cavalo, com uma empáfia poucas vezes vistas naquela região. Vestia-se de forma simples, uma túnica de lã sem tingir e um manto grosso por cima. Sorriu satisfeito: ninguém dava sinais de reconhecê-lo como o garotinho que fugira dez anos atrás...dez anos, e aquele lugar continuava miserável, pensou. Aparentemente, nada mudara....e talvez não fosse muito difícil encontrar Fortunatus, o homem que assassinara sua mãe...
Porém, ao atingir o mercado, apeou e seguiu o restante do caminho a pé, segurando o seu cavalo pelas rédeas. Se permitiu examinar as bancas, e sentir o perfume das maçãs...
- Não há frutas muito boas...- atestou Helga , enquanto procuravam maçãs ou pêssegos para comprar...
- A neve tem acabado com todas as frutas ...quase não as encontramos mais...- comentou uma anciã diante da banca é uma judiação...
Mas Rowena já não ouvia mais nem Helga, nem a velha que vendia frutas. Ali perto, havia uma outra banca, com maçãs aparentemente em bom estado. Haviam combinado com Godric ( que saíra em busca de um negociante, para trocar algumas moedas de ouro que trazia consigo ) em esperá-lo naquele ponto.
- Rowena, onde você vai? gritou-lhe Helga, preocupada, enquanto a outra se afastava.
- Encontrei maçãs...espere aqui pelo Godric, eu já volto...
Encostou na banca onde estavam as maçãs. Um rapaz jovem, alto e forte segurava uma fruta como se fosse um troféu. Ele sorriu-lhe, mas Rowena sabia que não seria apropriado retribuir a gentileza para um estranho...enquanto escolhia as maçãs que iria comprar, observou-o com o canto dos olhos: era ruivo, olhos castanhos...uma barba rala tentava ocultar uma cicatriz que lhe tomava a metade do lado direito do rosto, até o canto dos seus lábios...comparou-o mentalmente a Godric, e achou-o diferente...parecia mais forte, mais homem...sentiu o seu rosto corar, e lembrou-se (mesmo a contragosto) dos ensinamentos do Padre Thomas, e o quão era feio e pecaminoso ter pensamentos impuros. "Só porque eu o achei bonito, isso é errado? Deus me puniria por isso? Ou são os homens que criaram o pecado?"
Súbito, um grito de criança a fez despertar de seu devaneio, e viu, desesperada, um garotinho tentando controlar um cavalo que puxava sua carroça, que avançava sobre as pessoas que circulavam naquele local. Mesmo tempos depois, Rowena não soubera explicar o que acontecera durante aqueles segundos cruciais. Talvez tivesse sido o seu instinto que a fez esticar as mãos e lançar sobre o cavalo uma tênue luz prateada...
- Impedimenta...- murmurou a moça, e sorriu satisfeita quando viu o garoto a salvo, antes de se dar conta do que estava acontecendo...
- FEITICEIRA!! gritou uma voz, e aos poucos a pequena multidão incendiou-se, sendo tomados por uma súbita histeria coletiva.
- FEITICEIRA!!FEITICEIRA...APEDREJEM-NA...
Sem saber o que fazer, Rowena principiou a correr, tentando em vão atravessar as pessoas que aos poucos juntavam legumes podres, ovos e pedras para jogarem contra aquela presença maligna em seu povoado...a moça tentava, naquela confusão encontrar Godric ou Helga, mas não os achava...sentiu uma pedra acertar sua nuca, depois outra...cambaleou, e antes de perder os sentidos, percebeu que estava sendo içada... fora colocada sobre um cavalo...
- Afastem-se, seus nojentos...
- Solte-a...ela é um demônio...
- E vocês não sabem o que dizem...são todos uns hipócritas!! Beatos pervertidos...
- Chamem Fortunatus...ele sabe o que fazer com esses adoradores do maligno...
- Isso...vão atrás dele...e digam à Fortunatus que Salazar Slytherin não se esqueceu do passado...e que um outro dia aparecerá aqui para resolver um mal-entendido...
...e tudo ficou escuro.
Quando acordou, Rowena estava deitada sobre um manto, cercada por altas árvores. Sua cabeça doía, e num primeiro instante, não se lembrou do que havia acontecido. Um pânico crescente tomou conta de si, e sentou-se abruptamente, tentando reconhecer o lugar onde estava.
- Ainda bem que você acordou...- disse-lhe uma voz suave, às suas costas.
A moça virou-se, e reconheceu o rapaz das maçãs.
- Foi um gesto muito generoso o seu, salvar aquele garoto...mas infelizmente esses trouxas não merecem tanta consideração...- continuou o desconhecido mesmo assim, eu a admiro...
- Eu não sei do que você está falando...aliás, eu não sei quem é você, preciso voltar para a vila, encontrar meus companheiros de viagem...- Rowena levantou-se, mas cambaleou, e o rapaz a amparou.
- Vamos por partes...meu nome é Slytherin, Salazar Slytherin...você não pode voltar para a vila...aqueles trouxas devem estar lhe caçando por todos os lugares agora...e você está ferida, ainda não me disse seu nome e o que está fazendo aqui, neste fim de mundo...
- Meu nome é Rowena Ravenclaw...vim de Glastonbury, acompanhada de dois...amigos...nós estamos viajando para a Cornulha...eu preciso encontrá-los...
- Se vocês estão indo para a Cornualha, então o caminho a ser seguido não é este...por aqui, vão avançar cada vez mais para o norte...
Rowena baixou os olhos, preocupada.
- Foi você quem me resgatou? E afinal, porque chama aquela gente de trouxas?
- Por que eles não têm a magia no sangue...como eu...e você...e nos perseguem, como se fôssemos parasitas, vermes perigosos...e sim, fui eu quem a tirou de uma bela enrascada...em que mundo você vive, afinal? o rapaz sorriu-lhe marotamente, mas Rowena não lhe correspondeu. Me desculpe se a ofendi...
- Está tudo bem...- a moça esboçou um sorriso agora, realmente preciso ir...tenho que encontrá-los...- Rowena levantou-se novamente, agora com mais firmeza muito obrigada, senhor Slytherin, mas eu tenho uma longa viagem...
- E você vai seguir viagem sozinha? Isso não é seguro para uma mulher...e esses seus amigos...são bruxos também?
- Sim, são...mas não se preocupe, eu não tenho medo...oras, eu nem sei porque estou a lhe dar satisfações...bem, muito obrigada, mais uma vez... a moça virou-se, e se afastou lentamente, no fundo temendo não encontrar Godric ou Helga, e se perder no meio daquela floresta estranha...ouviu um barulho atrás de si, e surpresa, viu Salazar, que a seguia lentamente:
- Posso não ser um cavalheiro...mas não deixaria uma dama sozinha...eu vou ajudá-la a encontrar seus amigos...pode subir na garupa.
Poucos minutos haviam passado, desde que Salazar decidira ajudar Rowena a procurar Godric e Helga, quando ouviram um barulho entre as árvores. Pedindo silêncio, o rapaz guiou o cavalo lentamente para longe do som, e aguardou. Aos poucos, viram a figura de dois jovens. Rowena respirou aliviada quando os reconheceu.
- São eles...Godric, Helga...- a moça apeou, e correu ao encontro dos dois.
- Rowena, você é louca? disse-lhe Godric, agora mais tranqüilo precisava fazer todo aquele espetáculo?
- Godric, por favor...pelo menos Rowena está a salvo...- Helga emendou, mais tranqüila você está bem? Lhe aconteceu alguma coisa?
- Eu estou bem...- Rowena olhou significativamente para Salazar graças a este cavalheiro, senhor Slytherin...- voltou-se para Godric e Helga foi ele quem me tirou da multidão...
- Eu não podia deixá-la a mercê daqueles trouxas, já lhe disse isso... respondeu Salazar, gentilmente e fico satisfeito que tenha encontrado seus amigos...
- Também ficou muito contente que Rowena esteja a salvo Godric se colocou entre os dois, e encarou a moça com seus olhos azuis, brilhando num misto de raiva e alívio só que agora, me diga...não poderemos voltar para a vila...eu perdi o caminho para a Cornualha...viu o que a sua desastrada demonstração de poder fez? Para onde vamos?
Rowena desviou o incômodo olhar de Godric, tentando procurar alguma saída para aquela situação. Estavam numa floresta, completamente desconhecida. Podia-se dizer que estavam perdidos. Salazar olhava para aquele grupo, divertindo-se com a cena. Jamais se esqueceria daquele primeiro contato com os três bruxos: Godric, nervoso por Ter perdido o controle da situação; Helga, aguardando que Godric resolvesse o problema, e Rowena, irritada.
- Bem...eu posso dizer que vocês estariam numa bela enrascada, se eu não estivesse aqui, he he debochou Salazar vocês estão num dia de sorte...eu conheço essa floresta como a palma da minha mão. Do outro lado, há um pequeno vilarejo, apenas com gente nossa...eu posso guiá-los...mediante um pequeno pagamento, logicamente.
Godric olhou com desprezo para aquele pretenso gozador, mas não lhe disse nada. Sabia que agora dependia daquele estranho para atravessar a floresta. E sempre lhe ficaria aquela sensação: que um dia precisara da ajuda de Slytherin.
- Você terá seu pagamento...antes deixe-me apresentar: sou Godric Gryffindor e esta é Helga Hufflepuff...
- Sou Salazar Slytherin...nasci nessa vila, mas fui criado na outra, para a qual vou lhes guiar...podem confiar em mim, é o lugar mais seguro para os bruxos em toda a Bretanha...