Capítulo 3 As terras de ninguém
Rowena Fala:
Assim, nos embrenhamos floresta adentro, tendo como guia Salazar. Os acontecimentos daquela manhã ainda permanecem claros na minha mente, apesar dos séculos que se passaram. Eu não podia imaginar o que aquele encontro iria significar em nossas vidas e para o mundo da magia. O primeiro contato com aquela floresta a qual conheceria em seus mínimos detalhes ao longo dos anos foi um pouco assustador: animais e plantas estranhas das quais apenas havia ouvido falar, seres estranhos deslizavam por entre a névoa, e depois descobri serem ninfas, um resquício do povo encantado que ali vivera muito antes da chegada dos romanos.
Durante todo o trajeto permaneci ao lado de Salazar e aos poucos fui me deixando levar pelo seu riso franco e aberto, tão diferente da seriedade contida de Godric. Desenvolvemos uma empatia quase que instantânea. Aos poucos fui conhecendo melhor sua história. Ele me contou que fugira daquela vila após a morte da mãe e fora criado por uma bruxa, que vivia do outro lado da floresta, e para a qual ele iria nos apresentar. Ele pouco se lembrava de sua mãe verdadeira, mas guardava na memória muitas das histórias que ela lhe contara em sua infância. Eu também lhe contei sobre a minha vida antiga em Glastonbury e como eu estava me sentindo livre, dona do meu próprio destino.
Em três dias, ou pouco mais, alcançamos o vilarejo, chamado Hogsmeade um dos poucos habitados somente por bruxos na Inglaterra cercado por terras nunca habitadas. Soube mais tarde que uma antiga lenda dizia que um dia os seus verdadeiros donos ali chegariam e salvariam a magia do seu inevitável desaparecimento. Se esta lenda se referia exatamente a nós quatro, eu nunca descobri. Mas este era o nosso mais profundo anseio : não deixar a magia morrer. Assim como em Avalon, o pouco conhecimento que detínhamos deveria ser passado para a frente.
Essas terras eram chamadas de terras-de-ninguém pelos habitantes do vilarejo Hogwarts no antigo dialeto do povo encantado.
Ídris Lóthien era uma mulher miúda, que beirava os quarentas anos. Tinha cabelos negros, que lhe chegavam até a cintura, e apesar da idade, ainda não havia sequer um fio branco. Seus olhos, também escuros, revelavam através do seu brilho que aquela mulher, aparentemente frágil, era uma das bruxas mais sábias e poderosas daquela região. Era a única ali que ainda possuía a Visão, um dom cada vez mais raro entre as feiticeiras.
Naquela tarde, cumpriu todo o ritual necessário para que pudesse deixar as imagens fluírem à sua frente. Todos os dias, desde que Salazar partira, há cerca de dois anos, ela buscava pelo filho adotivo, procurando saber onde ele estava, o que fazia... Ídris se casara muito jovem e seu marido morrera quando o único filho do casal, Gawen, ainda era um bebê. Um dia, ao andar pela floresta, encontrou Salazar desmaiado, doente e ferido. Era pouco mais velho que Gawen, e Ídris resolveu adotá-lo como filho. Agora, nos últimos dias, sabia que Salazar estava voltando para casa, e trazia consigo mais três jovens.
"Por Merlim...será possível..." pensou, intrigada. Podia ver muito mais que a aparência das duas moças e do rapaz desconhecido. Conseguia enxergar suas almas, ver o seu interior, suas características...e se lembrou da profecia, que geração após geração era passada aos mais jovens, a esperança que nunca morria, de que um dia a magia voltaria a ser tão importante como no passado.
"Coragem,
Inteligência,
Bondade,
Ambição...
E das terras-de-ninguém,
Posse tomarão
E a magia quase esquecida,
Ao novo mundo será trazida...
"Coragem, inteligência, bondade, ambição...e pensar que todos nós achávamos que isso era só uma lenda perdida no tempo...e Salazar está entre eles...eu sempre soube que de alguma forma eu não o encontrei por acaso..."
Gawen, um jovem alto e forte, muito parecido fisicamente com a mãe, olhos e cabelos pretos, entrou na pequena casa onde viviam, trazendo uma braçada de lenha para acender o fogo. Ídris sorriu para o filho, enquanto começava a preparar uma refeição para as visitas que chegavam.
- Salazar está de volta, Gawen...
Quando a floresta começou a rarear e as primeiras casas da vila apareceram, Salazar sentiu-se satisfeito por estar de volta. Deixara aquele lugar por volta de dois anos atrás, quando decidiu correr o mundo, e se vingar do trouxa que assassinara sua mãe. Não conseguira liquidar Fortunatus daquela vez, mas um dia ele voltaria...olhou para Rowena com o canto dos olhos, de modo que a moça não percebesse que estava sendo observada. Se nos primeiros dias de convivência ela parecia a mais desprendida do grupo, fazendo-lhe perguntas a respeito de tudo, agora, conforme se aproximavam do seu destino, Rowena estava mais calada.
- Algum problema? perguntou-lhe, aproximando-se da moça que cavalgava mais a frente Tem estado muito silenciosa...
- Não tenho nada Rowena respondeu, rispidamente estou apenas pensativa...
- Hum...- Salazar sorriu sarcasticamente pensativa...
- Não precisa falar assim...só quero saber o que vamos fazer quando chegarmos nessa bendita vila...não agüento mais andar a cavalo...quer saber? Estou cansada de ficar andando a esmo, sem saber para onde ir...
- Calma...ou você acha que vai encontrar um dragão à entrada da vila? Eu tenho amigos lá, e tenho certeza que a minha mãe e o meu irmão adotivos irão acolhê-los em sua casa...
- Você ainda não conhece a Rowena o suficiente, Salazar adiantou-se Godric, emparelhando o seu cavalo ao lado do outro rapaz.
- E você por acaso me conhece o suficiente, Godric? Rowena parou e observou os dois rapazes eu incomodo tanto assim?
- Não foi isso que nós dissemos...
- Então me deixem sozinha...pronto a moça deu meia volta, e aproximou-se de Helga,que assistia a discussão de longe.
- Sinceramente? Devia tê-la deixado em Glastonbury...- comentou Godric, entediado.
- Ela tem personalidade...não é uma mulher qualquer respondeu Salazar, virando a cabeça para trás, observando o mal-humor de Rowena e é bonita também...- completou, em voz baixa.
Havia pouca gente fora das casas na pequena vila e a neve cobria boa parte das ruas de terra, o que as tornava enlameadas, sujando a roupa de qualquer um que por ali passasse. A primeira coisa que tanto Rowena, quanto Helga e Godric perceberam era que aquele lugar era extremamente pobre, e desprovido de qualquer conforto.
Salazar tomou a dianteira e sorriu quando viu Gawen parado à porta de sua casa, esperando-os. O rapaz saltou do cavalo e correu para abraçar o irmão.
- Pensávamos que jamais iria voltar, Salazar disse Gawen então, o que fez durante todo esse tempo? Já se tornou o bruxo mais poderoso do mundo? completou, ironicamente.
- Ainda não...mas há tempo para isso...aliás, gostaria de lhe apresentar meus companheiros de viagem...Rowena, Godric e Helga.
Gawen fez uma mesura com a cabeça, cumprimentando-os.
- Eu já sabia que vocês chegariam...
- A mãe nos viu? Salazar sorriu é impossível lhe fazer uma surpresa...
- Mas ela está ansiosa para reencontrá-lo...e para conhecê-los também completou, voltando-se para os outros três.
A casa de Ídris era pequena e simples, porém muito limpa e aconchegante. Durante todo aquele fim de tarde, a mulher fez o que pôde para deixar todos a vontade. Rowena estranhou o ambiente, e ainda mais por ser a primeira casa autêntica de bruxos que visitava, tudo lhe chamava a atenção. Mas o que mais a intrigava era a própria Ídris, a primeira bruxa experiente que conhecia, depois de sua avó. Não sabia se podia confiar ou não naquela mulher. Mas mesmo assim, a partir daquele momento passou a admirá-la.
Depois da refeição, e quando os hóspedes pareciam um pouco mais à vontade, Ídris chamou Gawen a um canto e lhe sussurrou algo. Em seguida, o rapaz deixou a casa.
- Pedi a Gawen que buscasse o velho Arthos...- disse a Salazar, e voltou-se para os jovens esse ancião é o chefe da vila. É ele quem faz as leis aqui em Hogsmeade.
- Gawen me disse que a senhora já nos esperava, mãe. Por quanto tempo me espionou ?
- Eu não o espionei, Salazar respondeu Ídris, severamente no entanto, desde o dia em que você deixou essa casa, em busca de poder e fortuna, eu o tenho acompanhado...todos os dias...e eu sei que há muito mais por trás de seus rostos...é como...se vocês quatro pertencessem a esse lugar...
- Do que, propriamente, a senhora está falando? perguntou Helga, receosa.
- Minha filha, você também tem a Visão, não? questionou, sem no entanto responder a pergunta da moça.
- Se chama o que posso ver diante da água de Visão, então a resposta é sim...
- Eu sabia...porque também tenho esse dom...e eu posso ver também outras características em vocês...e há uma antiga lenda...
- Por Merlim, mãe interrompeu Salazar, do outro lado da sala a senhora mesma disse...é apenas uma lenda, nada mais...
- Deixe-a terminar, Salazar pediu Godric, interessado por favor, senhora...
- Há uma lenda que diz que um dia, os donos de hogwarts chegarão para tomar posse da sua propriedade...
Salazar balançou a cabeça, incrédulo.
- Histórias antigas...que não fazem o menor sentido...- o rapaz virou-se para a mãe porque têm que haver pessoas predestinadas para tomar conta daquelas terras? E qual o sentido disso? Salvar a magia? Como? perguntou.
- Suas perguntas são muito inteligentes, Salazar...- disse uma voz rouca e cansada, vinda da porta e todas têm suas respostas os jovens viraram-se e viram um homem velho e encurvado apoiado num cajado. Era Arthos, o chefe da vila. Logo atrás estava Gawen, ansioso.
- Então, Salazar...continua a não acreditar nos mais velhos? Pensei que todo esse tempo fora de casa fizesse com que você adquirisse um pouco de humildade... o velho então virou-se para os hóspedes de Ídris são estes os jovens de que Gawen me falou durante o caminho, Ídris?
- Eles têm as características, senhor...todos os quatro...
- Quatro? Como assim?
- Salazar também...quando os vi percebi a harmonia entre as quatro características citadas na profecia...
Neste momento, Godric levantou-se, incomodado com aquela conversa, da qual ele quase nada entendera. Olhando para Helga e Rowena, percebeu que as duas moças sentiam o mesmo: uma conversa de loucos, a respeito de uma lenda ou profecia que nunca haviam ouvido antes.
- Seria melhor se o senhor pudesse nos explicar essa história melhor...que profecia é essa? E por que esperam tanto essas pessoas para tomar posse dessas terras? E por que acham que somos nós os escolhidos?
Arthos passou a mão pela cabeça e suspirou resignado. Já não tinha mais paciência com a juventude, concluiu. "Sempre arrogantes..."
- Vou lhes contar tudo, senhor...
- Griffyndor...Godric Griffyndor...
- Pois bem...- Arthos permaneceu um tempo em silêncio, como se relembrasse fatos de um passado muito remoto...todos os presentes na casa concentraram-se, tomando cuidado para não perder uma única palavra proferida pelo ancião.
- Há muitos anos, quinhentos ou mais, o povo remanescente de Avalon começou a povoar essa região. Eram druidas e sacerdotisas que estavam deslocados no mundo cristão. A Antiga Religião praticamente extinguira-se e a Ilha Sagrada estava perdida para sempre, escondida em suas brumas. Daquele povo restou apenas a lembrança...e a magia. Estas terras, nessa época, eram habitadas pelo Povo Encantado...fadas, veelas, duendes, ninfas...e este também estava em extinção. Parecia não haver mais futuro para a magia. Até que a última sacerdotisa nascida em Avalon, descendente do Merlim da Bretanha, fez a profecia...que um dia os verdadeiros donos das terras-de-ninguém ou hogwarts, na língua do povo encantado chegariam aqui para tomar posse de sua terra...e com isso salvariam a magia. Essas pessoas teriam que Ter características...traços de caráter próprios, que pudessem ser combinados... O que essa sacerdotisa quis dizer com isso, ninguém nunca descobriu...e ela morreu logo depois. Durante todos esses séculos, temos esperado...alguns aventureiros chegaram aqui, se dizendo os donos de hogwarts...mas não passavam de impostores. Nada fizeram em benefício da magia.
- Eu descendo diretamente dessa sacerdotisa murmurou Ídris, pensativa Sahana...
- Minha avó também se dizia descendente das mulheres de Avalon disse Rowena, timidamente seria mesmo verdade?
- Como saber? Nem todas vieram para cá...espalharam-se pelo mundo, formaram outras comunidades...outras tornaram-se cristãs...mas a magia tem sobrevivido... concluiu Arthos.
- O senhor...o senhor falou de características...- disse Helga, hesitante quais seriam?
- Coragem...inteligência...bondade...e ambição... adiantou-se Ídris e foi o que vi em vocês...
- Então...podemos ser nós essas pessoas? perguntou Godric, com brilho no olhar os donos de hogwarts?
- E porque não? Basta provarem...basta salvarem a magia...- concluiu o velho Arthos, os olhos também brilhando.
Salvar a magia...preservá-la...essas palavras não saiam da cabeça de Rowena e nos dias que se passaram, ela pegava-se pensando a respeito da história contada por Arthos. Não questionou os outros, mas aquilo a incomodava. Como ela poderia ser uma das pessoas profetizadas pela antiga sacerdotisa? E o que dizer de Helga, que mal sabia controlar seus poderes, que fora criada num convento?
"Como..."
Rowena estava sentada na sala da casa de Ídris, observando a mulher ensinar a Helga a melhor maneira de controlar a Visão, para que esta não a atrapalhasse em suas atividades diárias...lembrou-se com saudades de sua avó, das longas horas que passavam juntas, em que Rowena aprendia os segredos da magia. Os rapazes estavam fora, procurando algum animal para caçar. "O que será muito difícil, com toda esse neve..." comentara Ídris, contrariada, quando os dois filhos e Godric saíram armados de arco e flechas.
- Concentre-se, Helga...você tem o poder...precisa aprender a usá-lo... ouviu Ídris dizer no começo pode ser difícil...depois torna-se instintivo.
"Nós vamos salvar a magia...mas como? Com armas? Uma guerra? "
- Por que está tão silenciosa, Rowena? perguntou Ídris de repente.
- Ainda estou remoendo aquela história...salvar a magia...isso não faz sentido. De que maneira a magia está correndo perigo?
Ídris permaneceu em silêncio por alguns instantes, refletindo a pergunta que Rowena lhe fizera.
- Falta de conhecimento...- olhou para Helga e continuou temos tido pouquíssimos mestres... hoje, são poucos os que realmente conhecem a própria magia...
- Eu tive sorte de ter aprendido tudo com a minha avó...
- Pode ter certeza de que não aprendeu tudo...você sabe muito sim...mas ninguém pode afirmar que conhece, que sabe todas as coisas... corrigiu Ídris como eu disse, pessoas como a sua avó estão se tornando raras...o ser humano está se tornando cada vez mais egoísta...
"Ensinar magia? E por que não? Eu, pelo menos tenho mais conhecimento que muitos bruxos...a própria Helga, por exemplo...e Salazar e Godric cresceram com a magia..."
Rowena esboçou um sorriso. Quem poderia dizer que a profecia não estava realmente se referindo à eles?
Na manhã seguinte, Salazar levou os três companheiros até hogwarts. Aquelas terras eram distantes apenas uma légua da vila, e a primeira coisa que Helga, Rowena e Godric sentiram em relação àquele lugar foi desolação. Não era uma paisagem agradável aos olhos. Hogwarts não passava de um vale, encravado entre a floresta e as montanhas, com um enorme lago negro. Estava coberto pela neve e ali o ar era muito mais úmido e frio do que na vila.
- Isso não é grande coisa...mesmo no verão aqui costuma ser frio...- comentou Salazar, contemplando a paisagem mais que conhecida.
- Mas como isso pode ser uma terra prometida, destinada à pretensos salvadores da magia? caçoou Rowena, decepcionada.
- A questão não é hogwarts ser apenas isso...e sim como salvar a magia apenas com um punhado de terra...- continuou Salazar eu passei toda a minha infância olhando para este vale e imaginando o que poderia ser feito dele...
Godric caminhou até o lago pensativo, ponderando as palavras de Salazar. A magia era algo tão abstrato...não era como um ser humano, que poderia ser salvo de diversas maneiras. Refletiu por um longo tempo sobre a conversa do dia anterior.
- Posso adivinhar seus pensamentos? Rowena caminhou até o rapaz e contemplou a água do lago acredito que esteja tentando compreender o que Arthos quis dizer com "salvar a magia"?
- Era isso mesmo...
- Eu sabia...Helga e eu passamos boa parte da noite discutindo sobre isso...mas eu cheguei a uma conclusão...
- Então diga...
- Tanto eu, como você e Salazar tivemos orientação sobre o nosso poder...nós crescemos sabendo o que nós somos, certo?
- Hum...certo...e?
- Agora, a Helga foi colocada num convento...imagine o que teria acontecido com ela se ainda estivesse lá...
- Ela não poderia se assumir como bruxa...e provavelmente morreria cedo...como um pássaro preso...
- E teríamos uma bruxa a menos no mundo...porque ela não saberia o que realmente é...ou, mesmo se soubesse, não teria como utilizar os seus poderes da maneira certa...e eu acredito que isso aconteça com muitos bruxos...não ter conhecimento sobre o próprio poder.
- E onde entra a salvação da magia, Rowena?
- Godric...pense...nós podemos ensinar outros jovens a utilizar seus poderes...assim como eu fui orientada pela minha avó...entende? Conhecimento...formar bruxos...uma nova sociedade...- completou a moça, excitada montar nessas terras um local de ensino...uma escola...
Godric admirou-se do raciocínio lógico de Rowena, e sorriu satisfeito. A moça correspondeu ao sorriso, e foi com uma alegria quase infantil que juntaram-se à Helga e Salazar, expondo a idéia primária de fundarem uma escola de magia...contemplaram o vale mais uma vez, agora com outro olhar... agora aquelas terras pareciam mais belas...e mágicas também...