Capítulo 5 - Hallowen

Com o fim do verão, os alunos chegaram à Hogwarts e a rotina de aulas instaurou-se novamente no castelo. Naquele princípio de outono chegaram as primeiras crianças vindas de Londres, que rapidamente integraram-se aos outros, habitantes do vilarejo. Salazar manteve sua atitude inflexível e não selecionou nenhum aluno nascido trouxa para a sua turma. Godric observou-o atentamente durante a seleção e achou que talvez já fosse hora para que o rapaz superasse aquela suposta raiva que sentia dos trouxas. Mas em todo caso, pensou, em pouco tempo estariam isolados e poderiam desenvolver uma nova sociedade autônoma, sem precisarem sentir medo de assumir o que eles realmente eram.

Rowena também observava Salazar, mas com outros olhos. Desde que ele voltara de Londres, ela passara a sentir uma grande euforia todas as vezes em que ele lhe falava, por mais insignificante que a conversa poderia ser. Agora o rapaz terminara a seleção, e era a vez de Rowena...ela sorriu para as crianças, um pouco assustadas e falou-lhes num tom amistoso...ao mesmo tempo seus olhos percorreram o salão novamente, e percebeu que também era observada pelo rapaz...e por alguns segundos os olhares se encontraram fazendo com que Rowena sentisse um agradável arrepio a percorrer-lhe o corpo.

Aquele fim de tarde transcorreu tranqüilamente e ao fim da seleção foi servido o jantar. Helga sentou-se entre Rowena e Godric, e à sua frente encontrava-se Gawen. A simples presença do rapaz a deixava irritada. Todos ali sabiam que o rapaz alimentava uma paixão quase infantil por Helga, e desejava desposá-la, embora nunca lhe tivesse feito o pedido diretamente. Aparentemente, a moça fingia não notá-lo, e o tratava como os demais. Mas no fundo sentia medo, se um dia ele realmente a pedisse em casamento. Ela não estava bem certa se seria certo, dentro dos rígidos padrões em que fora criada, aceitar tão facilmente a corte de um homem. Levantou os olhos do seu prato e percebeu que o rapaz lhe sorria. Sorriu-lhe de volta timidamente, sentindo o seu rosto corar.

***

Desde a primeira vez que conversara com Rowena, Salazar percebera que não estava diante de uma mulher como todas as outras que conhecera antes. A sua inteligência o desconcertava, mas ele não podia deixar de admitir que a admirava. E da simples admiração inicial, passou a desejá-la. Em todos os seus sonhos, Rowena era sempre a personagem principal, sua mulher e amante...mas talvez ele jamais partisse para conquistá-la se Godric não tivesse dado sinais claros de que também estava interessado nela. Ao pensar nisso, Salazar sorriu sarcasticamente: Godric não tinha o menor jeito com as mulheres, e isso ele pôde comprovar durante os dias em Londres.

Assim, com a chegada daquele outono frio e úmido, Salazar decidira que já era hora de se fazer notar como homemaos olhos de Rowena. E quando, numa manhã particularmente fria, a vira sair com algumas de suas alunas mais velhas em direção à floresta, decidiu seguí-la.

- Hoje a aula será lá fora...- disse aos seus alunos – vistam seus mantos, está um pouco frio...

- Mas senhor...está garoando...

- Não discuta...vamos, andem rápido – respondeu-lhes, secamente.

 

***

Rowena trouxera algumas de suas alunas mais velhas para a floresta a fim de procurarem unicórnios. O estoque de pelos daqueles animais já estava no fim, e eram muito úteis para uma série de feitiços e poções. Deixara os mais jovens e os rapazes aos cuidados de Helga e embrenhara-se por entre as árvores. Já era íntima daquele lugar, e gostava da paz que a floresta lhe trazia. Era a mesma sensação que experimentava no Tor, em Glastonbury.

Adiantara-se à frente das meninas, tomando a trilha que levava aos unicórnios. Iriam precisar de muitos pelos, pensou, para a celebração do Hallowen dali a alguns dias...e também de algumas ervas...abaixou-se para colhê-las, quando ouviu um burburinho de vozes atrás de si. Voltou-se, e viu-se frente a frente com Salazar, que lhe sorria.

- O que está fazendo aqui? – Rowena perguntou-lhe, aborrecida.

- Vim com meus alunos para... para estudarmos algumas ervas...hã...exatamente beladona – mentiu o rapaz, pegando a planta da mão de Rowena. Aquele simples toque a fez estremecer – vocês querem nos ajudar?

- Não...- a moça soltou a mão, ríspidamente – nós viemos atrás dos unicórnios. E se você nos der licença...- afastou-se lentamente, tentando saber o porque daquela reação. Se ao menos estivesse sozinha com Salazar...balançou a cabeça, negativamente. Precisava aprender a controlar tais pensamentos...parou abruptamente, e voltou para o ponto onde Salazar se encontrava. Ele parecia extremamente interessado em observar uma borboleta sobre um tronco de árvore, enquanto os seus alunos estavam espalhados, fazendo coleta de ervas, enquanto ele murmurava uma ou outra explicação. – Hã...eu preciso dar uma palavra com o senhor Salazar...podem ir – disse impaciente, diante da expressão surpresa das meninas – vão, eu as alcanço...é rápido...

Rowena não saberia dizer o que a fizera mudar de idéia...ou simplesmente porque a presença de Salazar a incomodara tanto. Mas agora ela voltava, e em sua cabeça giravam mil pensamentos do que lhe falar...achou que podia gritar : eu quero você!, a frase que lhe sufocava, lhe fazia perder noites inteiras de sono...

Estava a poucos metros de Salazar...num raio de alguns metros, estavam sozinhos, os alunos espalhados pela floresta...e foi então que, ao dar mais um passo em direção ao rapaz, percebeu sob os seus pés o som das folhas secas se mexendo...era um ruído suave, como se...se uma cobra estivesse ali....olhou desesperada para o chão, enquanto a serpente deslizava tranqüilamente por entre os seus pés. Pelo resto de sua vida, Rowena jamais se lembraria dos detalhes daquela manhã...primeiro, o pânico, o medo de ser picada... e depois o choque, quando Salazar lhe pediu que não se mexesse...

"Não se aproxime...deixe-a em paz...vá embora..."

Rowena não compreendeu essas palavras...aliás, tudo o que ela ouviu foi um sibilo...vindo dos lábios de Salazar...e como se a serpente o entendesse, afastou-se...a moça ainda permaneceu por um bom tempo parada, o coração disparando...

- Você está bem? A cobra te picou?

- Co...como você fez...aquilo?

Salazar a puxou para si, e Rowena não ofereceu a menor resistência. Estava assustada demais para ter qualquer outra reação.

- Isso não é um segredo...eu posso me comunicar com as cobras...- o rapaz segurou-lhe o rosto com as mãos – desculpe se a assustei...eu não pretendia...eu só queria protegê-la...

- Eu não preciso de proteção – murmurou, enquanto tentava se desvencilhar dos braços do rapaz, mas a vontade de ficar ali era maior que qualquer sentimento de prudência ou pudor. E, quase sem perceber sentiu o toque leve dos lábios de Salazar nos seus, procurando beijá-la. – Não ! – afastou-se depressa, e olhou para os lados, a fim de confirmar se não haviam sido flagrados – eu preciso voltar...procurar os unicórnios...

- Então por que você voltou? – perguntou-lhe, insinuantemente...

- Porque...porque...isso não vem ao caso... – deu-lhe as costas novamente, e afastou-se depressa. Se tivesse em frente a um espelho naquele momento, veria o quanto estava sorrindo...

***

O dia de Hallowen enfim chegara, e desde a manhã o clima em Hogsmeade era de festa. Se tudo corresse conforme o combinado entre os homens em Londres, no dia seguinte àquela hora, estariam completamente isolados dos cristãos e de sua perseguição. Godric observava as pessoas irem e virem na orla da floresta, onde armaram uma grande mesa para o banquete que seria servido à noite. Pensava, um tanto incomodado se não haveria uma outra maneira de conviver em paz com os não-bruxos – trouxas, no linguajar de Salazar – sem ter que se isolarem daquela forma. Helga ajudava na preparação, e a visão da moça o fez lembrar do diálogo que travaram naquele mesmo dia, logo ao amanhecer.

"Os cristãos podem ser intransigentes em suas idéias... fanáticos até. Mas eu não posso condená-los em tudo, Godric – o rapaz podia ouvir a voz suave de Helga lhe falando – eu fui criada como cristã... mas sou bruxa, e hoje entendo que, o que os padres consideravam heresia é um outro tipo de sabedoria... um outro modo de viver que também precisa ser preservado."

"Mas eu me preocupo com o que poderá acontecer daqui para a frente, Helga...os cristãos não vão ter acesso ao nosso mundo, tudo bem... mas e aqueles que nascerem com magia entre eles, assim como você? Sem uma educação adequada, vão continuar a sofrer perseguições... serão discriminados... será que vamos conseguir trazê-los para Hogwarts?"

"Acho que somos os únicos aqui que nos preocupamos com eles... Salazar não faz questão nenhuma de tê-los em Hogwarts... e Rowena... para ela tanto faz... às vezes tenho a impressão de que sua mente está muito distante daqui..."

Helga era a pessoa mais justa e sensata que Godric já conhecera. Nunca havia visto levantar a voz para quem quer que fosse, mesmo com os seus alunos mais indisciplinados, ou com Salazar, cujas opiniões divergiam completamente. Rowena aproximou-se, o rosto corado e os cabelos soltos, como se ela ainda fosse uma menina. Não tinha a beleza e a doçura de Helga, mas mesmo assim não conseguia imaginar outra mulher que o tivesse perturbado antes daquela maneira. Mesmo com seu temperamento impetuoso e pedante. Era um desperdício, concluiu, que ela estivesse inclinada à corte de Salazar, como ele já havia observado várias vezes. Amassou uma folha com raiva, e soltou os farelos no ar: era exatamente aquilo que tinha vontade de fazer com Salazar, quando o via com Rowena.

***

O Cristal de Latsirc era exatamento do tamanho de uma noz, mas concentrava o poder das Terras Alagadas, tão antigo quanto a própria humanidade. Há séculos era passado de mãe para a filha, pois somente as mulheres, de acordo com seu fluxo mensal, poderiam manejá-lo com segurança. A jovem Ayrel era a atual portadora e sabia que sua missão era a mais importante que conseguia se lembrar. Alguns comparavam aquela ação com o deslocamento de Avalon do mundo real, muito antes dos cristãos terem dominado as ilhas por completo.

Hengis escolheu a dedo a guarda que levaria sua filha até Stonehenge. Era uma missão arriscada para uma menina de apenas dezesseis anos, concluiu. E o sucesso dependia da chegada em segurança de Ayrel e do cristal, que seria colocado no centro do círculo. E quando faltassem poucos minutos para a meia-noite o ritual se iniciaria, em todas as localidades mágicas, numa corrente única de magia , auxiliados pela luz da lua.

Somente às vésperas da viagem Hengis decidiu acompanhar a comitiva. Ayrel sorriu docemente para o pai. "Se essa é sua vontade, não irei me opor..."

***

Rowena contemplava a lua cheia com um estranho brilho no olhar. Trajava um elegante vestido de lã branca e trazia os cabelos trançados com flores, exatamente como todas as donzelas de Hogwarts e do vilarejo. Via toda a expectativa na orla da floresta, onde a festa acontecia, mas sentia-se como se estivesse apenas assistindo àquela cena, sem participar. Era como um sonho...

Do meio de todos aqueles rostos sem expressão, apenas se destacava o de Salazar. E desde aquela manhã, não deixara mais que ele se aproximasse, e evitava a sua companhia se não houvesse mais ninguém no mesmo recinto. Mas aquela noite era diferente. Tinha tomado dois cálices de vinho, o suficiente para deixar a sua mente entorpecida.

Salazar saiu do meio da multidão e aproximou-se de Rowena. Ela mantinha a expressão serena, mas sentia o coração disparado. Ele trazia um cálice de vinho nas mãos, e tinha o rosto avermelhado, quase no mesmo tom dos seus cabelos. Sorria displicentemente, e lhe ofereceu a bebida.

- Obrigada, mas eu não gosto de vinho...

- A bebida faz com que os sentidos se tornem mais aguçados, Rowena...- Salazar sussurrou-lhe ao ouvido, tocando a face da moça com as pontas dos dedos – porque tem fugido de mim? Ainda está com medo...?

Rowena tirou a mão de Salazar do seu rosto, e riu, desdenhosamente.

- Eu? Com medo de você? Ora, Salazar...que pretensão a sua...medo? E eu sou alguma medrosa, por acaso? – sua voz assumiu um tom hesitante, praticamente imperceptível, mas que revelava um certo receio... – que perigo você representa?

- Talvez você não tenha medo de mim...mas do que eu, do que nós podemos fazer...- ele deu dois passos e aproximou-se ainda mais de Rowena – eu lhe quero, e sei que você também...- segurou-lhe o rosto com uma das mãos e, com a outra, enlaçou-a pela cintura, trazendo o seu corpo para junto do seu, e beijou-lhe a boca com uma ânsia desmedida. Rowena tentou empurrá-lo, mas desta vez ele a segurava com força, e ela deixou-se levar pela sensação inédita do beijo...

Quanto tempo ficaram ali era algo que Rowena jamais soubera. Apenas desconfiava que daquela noite em diante sua vida jamais seria como antes. Queria Salazar, queria permanecer ao seu lado o tempo todo, a vida inteira se possível.

Nenhum dos dois, no entanto percebera que a hora para a execução do feitiço já se aproximara...que todas as donzelas agora se uniam em torno da grande fogueira montada na floresta...e que em todos os vilarejos a mesma cena se repetia, numa grande corrente mágica, cujo poder se uniria ao do Cristal... e que em breve estariam isolados, todos os bruxos... não, nada disso importava para os dois jovens.

Salazar puxou Rowena para longe, os dois praticamente fugindo dos olhares maliciosos dos outros. Ela sorria, e era assim que ele gostaria de vê-la sempre. "E tê-la para sempre..." – a princípio assustou-se com o próprio pensamento. Não sabia, até aquele momento, a extensão do seu desejo pela moça.

***

O que todos se perguntavam, mas ninguém sabia a resposta, era como seriam os efeitos do feitiço após a sua execução. Alguns afirmavam que todos os bruxos seriam transportados para uma outra dimensão. Outros, que os trouxas não conseguiriam entrar em território bruxo e vice-versa. Por isso, quando a bela lua cheia surgiu no céu, exatamente à meia-noite, houve consenso geral que o feitiço fora realizado com sucesso. E todos dormiram tranqüilos naquela noite, sem saber o que estava por vir...

 

Capítulo 6...

 

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