Data: Ter Ago 17, 2004 11:34 am
Assunto: Não é tão difícil de entender
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Diz um antiga piada: sabem porque os cientistas passaram a usar, em suas experiências, advogados ao invés de ratos? Porque os ratos recusavam-se a fazer certas coisas.
Não é de hoje que se considera o meio jurídico uma coisa complicadíssima, uma espécie de irmandade hermética, acessível somente a pessoas devidamente "iniciadas", com linguagem, comportamentos e até moral próprias. Você, com sua lógica de leigo, diz a "eles" que o céu é azul, mas "eles" discordam e respondem que é roxo, apresentando longos, complicados e elaborados argumentos para comprovar que estão certos — e acabam convencendo muita gente.
Esse hermetismo parece ainda mais evidente quando se trata da justiça desportiva. É incrível a freqüência com que os tribunais desportivos tomam decisões que parecem contrariar o mais elementar bom senso, declarando solenemente que o céu é roxo. O caso dos 12 pontos é um claro exemplo disso. Embora o Santo André tenha comprovado de forma inequívoca que não teve culpa no caso (e culpa, acompanhada ou não de dolo, é elemento indispensável a qualquer condenação, como qualquer estudante de Direito de segundo ano sabe), o STJD não teve contemplação e aplicou ao Ramalhão uma das penas mais severas de que se tem notícia.
Mas isso tudo, apesar de lamentável, até poderia ser aceito com resignação pelos torcedores e diretores do Ramalhão, se houvesse a certeza que a decisão foi tomada com base exclusivamente na legislação desportiva. Mas paira no ar a desconfiança, se não convicção, de que há fatores externos influindo no caso. Desconfiança que aumenta muito com a estranha decisão da Procuradoria Jurídica do STJD em acolher somente um dos dois recursos de revisão apresentados pelo clube.
Recapitulando os fatos: vencido tanto na Comissão Disciplinar quanto no pleno do Tribunal, o Ramalhão descobriu uma brecha no Código Brasileiro de Justiça Desportiva e ingressou com pedido de revisão do processo. Na verdade, dois pedidos, pois duas foram as partidas que geraram a punição, mas totalmente idênticos na redação, argumentos e causa de pedir. E desde o início a Procuradoria percebeu que estava diante de um enorme abacaxi: a razão do clube era evidente, mas devolver o caso ao Tribunal com o parecer de deferimento, além da "saia justa" em que colocaria os juízes (evidenciando que estes não decidiram bem), deixaria também a CBF, que pediu a punição, devidamente queimada na parada.
A entrega do parecer foi adiado por duas vezes, parecendo sugerir que algo não estava indo bem. Podemos somente suspeitar que as pressões sobre os procuradores devem ter sido imensas. (Pressões de quem? Isso fica por conta da imaginação de cada um.)
E na segunda-feira, dia 16/8, no final da tarde, a Procuradoria finalmente divulga seu parecer. E, surpreendentemente, manifesta-se favoravelmente a um dos recursos e desfavoravelmente ao outro. O céu tornou-se bicolor...
Tudo muito confuso para um simples torcedor, mas não é assim tão difícil de entender, se tivermos o senso de abstração suficiente. Uma olhadinha na classificação da Série B já ajuda um bocado: o Ramalhão está hoje na zona de rebaixamento, e a recuperação dos 12 pontos o poria na área de classificação, o chamado G-8, tirando o lugar de pelo menos uma equipe que está brigando para entrar e jogando outra para a zona de descenso. Já a possível devolução de metade dos pontos deixaria o time no "miolo" da tabela, fora do G-8 e da zona da morte, e deixaria o assunto para ser decidido em campo, nas últimas rodadas.
Uma decisão salomônica, mas sem nada de jurídico; ao que tudo indica, foi tomada fora do gabinete dos procuradores. Até mesmo a súbita notoriedade do Ramalhão, efeito da conquista da Copa do Brasil, pode ter influenciado na decisão, pois pegaria muito mal o Brasil ser representado na Libertadores por um time de terceira divisão...
Resta aguardar os próximos passos para saber no que vai dar esse autêntico "imbroglio". Mas, que engraçado, o céu está me parecendo meio arroxeado.
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