Data:  Seg Ago 30, 2004  4:45 pm 
Assunto:  Medalhas e injustiças
s, brasileiros, temos o costume de achar que nosso país é o melhor do mundo. Em alguns aspectos, como beleza e recursos naturais, pode até ser, mas essa nossa mania às vezes nos conduz a erros históricos de avaliação. Por exemplo, temos a convicção que um país tão grande e maravilhoso como o nosso deveria naturalmente ser uma potência olímpica, e só não é ainda porque "há algo ou alguém atrapalhando". E que uma vez removido esse "obstáculo" assumiremos nossa "verdadeira posição" no esporte mundial. 
Não há nada como uma Olimpíada para colocar-nos em nosso devido lugar. O 18º lugar no quadro geral de medalhas nos Jogos de Atenas representam exatamente a condição do Brasil no cenário esportivo mundial, por mais que a mídia tenha se esforçado para transformar atletas de nível médio em prováveis campeões olímpicos. 
E já começam as "análises" sobre o desempenho dos atletas brasileiros na Olimpíada. É até engraçado ler jornalistas, que deveriam saber do que estão falando, criticando Daiane dos Santos, Carlos Honorato ou o vôlei feminino por terem voltado da Grécia "de mãos vazias", reproduzindo na verdade a opinião do brasileiro comum, que nada ou pouco entende sobre esportes olímpicos e por isso julga com a emoção em lugar da razão. Caberia à Imprensa fazer uma análise minimamente séria, e chegaria com certeza às seguintes conclusões, entre outras: 
1) Nenhuma modalidade "nova" conquistou medalhas: todos os pódios brasileiros foram alcançados pelos mesmos esportes e favoritos de outros Jogos, basicamente vôlei de quadra e de praia, iatismo e judô, além do futebol (feminino, desta vez). 
2) Houve alguma evolução em modalidades como ginástica, natação e tae-kwon-do (não sei se escrevi direito). Mas fruto ainda de esforços individuais. Já o atletismo declinou claramente. 
3) É de se festejar o surgimento, por exemplo, de um nadador como Tiago Pereira, de 18 anos, que poderá vir a ser um futuro medalhista olímpico. Mas convém olhar para a raia ao lado: o americano Michael Phelps, poucos meses mais velho que Tiago, conquistou sozinho 6 medalhas de ouro. E não é um fenômeno isolado, como já mostraram Mark Spitz e Matt Biondi. O que mostra o quanto precisaríamos evoluir para contar com 2 ou 3 Tiagos em cada Olimpíada e fazer frente aos americanos e australianos. 
4) Por falar na Austrália, o verdadeiro salto de canguru que eles deram no cenário olímpico a ponto de fazer antigas potências esportivas como Alemanha, Grã-Bretanha e Cuba comer poeira foi resultado de um gigantesco investimento que começou em 1993, quando Sidney foi escolhida sede dos Jogos do ano 2000. Os chineses estão fazendo o mesmo e porão fim à hegemonia americana já nos Jogos de Pequim. O Brasil, por sua condição social e econômica, não tem nenhuma possibilidade de seguir esses exemplos, pelo menos nas próximas décadas. 
Enfim, a colocação do Brasil nesta Olimpíada foi exatamente o que deveríamos ter esperado. Para os próximos Jogos, o desafio não é melhorar, e sim manter a posição atual, já que vários dos atuais medalhistas estão se aposentando, sem sucessores à altura. 
Talvez o Brasil colhesse melhores resultados se adotasse o sistema de países como Jamaica e Quênia, concentrando esforços e investindo seus escassos recursos em algumas poucas modalidades, mais adequadas à cultura e ao modo de vida do país, em lugar de esperar que talentos natos pipoquem aqui e ali em modalidades variadas como tênis, saltos ornamentais ou esgrima. 
Por que, afinal, falei em "injustiças" no título? Foi praticamente uma imposição de minha esposa, que não se conforma com o maluco que interferiu na Maratona e praticamente tirou do brasileiro a chance de vencer a prova, muito menos com a "decisão" dos organizadores e da IAAF em confirmar o resultado da corrida para não "atrapalhar" a cerimônia de encerramento dos Jogos. Um elementar senso de justiça mandaria cancelar a prova. Cabe recurso da "decisão", mas nada mudará e a tendência é o COB ceder para não perder inclusive a medalha de bronze. 
Comecei a meditar sobre o ocorrido: imagine se o idiota tivesse entrado na pista do Estádio Olímpico e agarrado o corredor que estava prestes a vencer a corrida dos 400 metros rasos, ou se jogado na piscina bem na hora da última virada dos 4 x 100 metros medley. Ou se o prejudicado fosse americano e não brasileiro. Ou se ao invés de um pateta de saia fosse um fanático religioso com bombas amarradas ao corpo. Ou se a entidade promotora da competição tivesse "esquecido" de publicar a inscrição do maratonista brasileiro no BOD — Boletim Olímpico Diário ou coisa que o valha, e decidisse puni-lo com a perda de 2 posições no pódio... Ou... 
Pensando bem, é melhor parar por aqui. Em matéria de sofrer injustiças, já somos doutores.
 
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