Data: Ter Nov 23, 2004 3:24 pm
Assunto: Parceria ou pacto?
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O assunto parece não ter nada a ver com o Ramalhão, mas não é tão off-topic assim.
Ontem um programa esportivo da TV (Estação Futebol) levou o Presidente do Corinthians e o procurador da obscura empresa MSI, o iraniano Kia Joorabchian, para defenderem perante o Conselho Deliberativo do clube a tão falada parceria que injetará milhões de dólares no Timão durante 10 anos, em troca da cessão total dos direitos de licenciamento e imagem do time pelo mesmo prazo. O iraniano, com a maior “cara lavada” como diz minha esposa, deixou bem claro o lado dos “investidores”: em troca do dinheiro que irão investir, exigirão que a diretoria monte um supertime, que vença o Paulistão, o Brasileiro e a Libertadores every year (todos os anos).
Os valores são de tal monta que tornam impossível que o Conselho não aprove a parceria, apesar de alguns votos discordantes, como o do empresário Damião Garcia, que observou que a parceria poderá trazer títulos mas nada acrescentará ao patrimônio do clube, e ao final da parceria nada terá restado; ao que o Presidente Dualib respondeu que só o que importa ao Corinthians e à sua torcida são exatamente os títulos. Posição tão pragmática que chega a assustar.
A única pergunta realmente relevante, referente à verdadeira origem dos milhões de dólares a serem aplicados, foi feita pelo Juarez Soares: Sr. Joorabchian, esse dinheiro todo é seu? O procurador respondeu com um lacônico “I wished so...” E a pergunta ficou sem resposta — ou acabará sendo respondida na esfera policial ou em alguma CPI.
Lembro-me de ter lido há alguns meses, creio que no sítio Balípodo, uma matéria sobre o acesso de Palmeiras e Botafogo da Série B, e o dilema em que se encontra o futebol brasileiro. A matéria dizia mais ou menos o seguinte: o alviverde vivia tempos difíceis até surgir a parceria com a Parmalat. A injeção de recursos da multinacional italiana permitiu ao Palmeiras formar um timaço, que acabou com o jejum de títulos, conquistando o Brasileiro e a Libertadores e decidindo o Mundial Interclubes contra o Manchester United. Mas, quando a parceria terminou, o Palmeiras voltou rapidamente ao marasmo anterior, a ponto de cair para a Segundona em 2002. Já o Botafogo, que após os anos 70 viveu poucas fases realmente boas, acabou também rebaixado.
E o que fizeram os dois clubes? Sem alternativa, adotaram a política de “pés no chão”, que consistiu basicamente em não gastar mais do que a receita. Sendo membros do Clube dos 13, tiveram mais receita que a maioria seus adversários na Série B, e rapidamente retornaram à elite (na qual pelo menos o Botafogo está encontrando enormes dificuldades para se manter). A situação escolhida pelos dois times — gastar apenas o que arrecada — não permite grandes ousadias, não possibilita formar equipes de alto nível, nivela o futebol por baixo; mas parece ser a única saída para a maioria dos grandes clubes brasileiros, afogados em dívidas. Fatalmente vários acabarão por adotar essa filosofia. Com isso, a qualidade do futebol brasileiro (no que se refere aos campeonatos internos) tende a desabar, se não surgir outra solução.
Moral da história: ter dinheiro é fundamental. Segunda moral da história: as condições financeiras predominantes no futebol brasileiro permitem aos clubes, no máximo, montar times médios. Os clubes endividados não conseguem criar estruturas que os sustentem (com algumas poucas exceções), os craques que surgem vão logo embora e os campeonatos, com isso, são nivelados por baixo. Assim, quem dispuser de mais dinheiro e puder contratar jogadores de maior qualidade certamente ficará com os títulos. Daí o desespero do Dualib em receber o quanto antes a onda verde de dólares da MSI, sem se importar com a origem dessa grana toda. Afinal, tudo que importa são os títulos, certo?
Pode até não ser, mas parece muito a história de Fausto, o homem que fez um pacto com o diabo e vendeu-lhe a alma em troca de poder, amor e fortuna, mas depois teve que pagar o preço. O do Palmeiras foi a queda para a Série B.
Poderíamos imaginar o Santo André vivendo uma situação como essa. Vivemos buscando parceiros que aceitem investir algum dinheiro no Ramalhão, mas como time considerado “pequeno” não temos muito a oferecer além de um espaço na camisa. Nessas condições, que não diferem da grande maioria dos clubes brasileiros, poderemos no máximo ter um time “normal”, sem grandes craques, como o Palmeiras, Atlético Paranaense, etc.; não ganharemos títulos every year, mas aqueles que conquistarmos serão fruto de nosso próprio esforço; e pelo menos (espero) poderemos encostar a cabeça no travesseiro e dormir em paz. E se de repente aparecesse um maluco estrangeiro (russo, tailandês, luxemburguês, sei lá) oferecendo 1 milhão de dólares por mês em troca da “marca” Ramalhão, como reagiríamos?
Honestamente, se eu fosse ouvido a esse respeito faria questão de querer saber o nome e RG dos investidores e a origem do dinheiro. Afinal, paz de espírito não tem preço — e quem cabras não tem e cabritos vende, de algum lugar eles vêm.
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