
Chega
de Maledicência II
Muita gente
pensa que a mesmice é sinônimo de Cristianismo. A tradição tem muito mais
aparência de teia de aranha e mofo que alguma coluna ou estrutura sólida e
protetora. Parece-nos que estamos numa verdadeira guerra de controle. E
certamente o pior de todos é o controle religioso.
O radicalismo
religioso polarizado tem sido verdadeiro fragmentador da tolerância,
compreensão e aceitação interpessoal. Mais recentemente muita gente utilizou
uma convicção metodológica – G12 – para julgar e definir como descrentes e
proscritos todos os que não são “G12”. Este é apenas um dos exemplos que como
nós, cristãos, acabamos nos tornando intolerantes e até irracionais, muitas
vezes.
Jesus foi
muito contundente e explícito ao tratar da Unidade da Igreja, em João 17. Ele
foi categórico: “Para que todos sejam Um, a fim de que o mundo creia que tu me
enviaste”. Na sua oração, conhecida como sacerdotal, Jesus segue um caminho
muito bonito para culminar no seu desejo de revelar-se plenamente.
Os passos
desta maravilhosa oração de Jesus podem ser elencados como se segue:
- Glorifica o
Filho
- Eu te glorifiquei cumprindo minha parte
- Revelei-te aos homens que me deste
- Conhecem a Tua Palavra, e agora Te conhecem
- Abençoa e guarda esses que me deste
- Guarda para que sejam Um
- Livra-os do Maligno
- Santifica-os
- Rogo que eles sejam Um
- Quero estar com eles onde eu estiver
- Eles conheceram que Tu me enviaste
- Quero que conheçam o Teu nome e tenham o Teu amor
Jesus ora pela Unidade. Será
que o Pai sempre o ouvia ? Sim, diz João 11.42. Ele estava tão focado na
Unidade do Seu povo que
1. Santificou-se (v.19-21) para “produzir” Unidade
2. Repartiu a glória recebida do Pai (v.22) para “produzir” Unidade
3. Uniu-se plenamente ao Pai e aos seus discípulos para “ligar ambos” e
produzir Unidade (v.23).
Jesus não brincou de fazer discípulos, mas foi intensamente pleno em cada
detalhe de sua espiritualidade, tudo isso visando a Unidade do Povo que agora
era também Seu Povo – não somente de Seu Pai.
O propósito da Unidade é
a. Possibilitar o mundo crer que Deus enviou Jesus
b. Revelar que o amor de Deus por Seus filhos é o mesmo que Seu amor por Jesus
Obviamente que a teoria
sobre Unidade não é tão simples, mas também não é complexa assim. Paulo diz
que a inimizade foi “banida” na cruz (Ef 2.15,16), unindo todas as pessoas em
um só Corpo, no Corpo de Cristo. A Unidade é obra e propriedade do Espírito
Santo (Ef 4.3). Contudo, o texto nos convoca a uma ação objetiva:
DILIGENTEMENTE GUARDAR A UNIDADE.
A Unidade é para ser guardada, não para ser buscada. A Unidade foi feita na
Cruz, não nos bancos de seminário ou em qualquer culto ou vigília. Ninguém tem
a posse da Unidade – somente o Espírito Santo.
O entrave terrível e o
abismo existente dentro desse mundo da cristandade tem levado a generalizações
filosóficas inconseqüentes como as do ateu-filósofo Michel Onfray, que culpa a
religião sempre que pragmaticamente deduz que ela não obteve os melhores
resultados.
Nestes dias em que um teólogo assume o pontificado na Igreja Romana, vemos
declarações surpreendentes, novas até. Bento XVI chama o povo católico para
voltar-se à espiritualidade e à pessoa de Jesus, aos Evangelhos. Fala uma
linguagem bem próxima da Era Patrística, e se assemelha bastante a discursos e
pregações mais bíblicas do povo evangélico. Contudo, nunca jamais um
evangélico conseguirá enxergar isso positivamente, dada a interpretação
uníssona de ser a Igreja Romana a base para a vinda do reinado do Anticristo,
bem como a besta do apocalipse...
O mundo católico nunca aceitou Lutero pegar o boné e caminhar independente.
Enquadram todos os evangélicos como seita, a ponto de se ressaltar o
posicionamento do outrora cardeal Ratzinger sobre “encampar” todas as igrejas
ecumenicamente, dentro do manto católico.
De outro lado, algo curioso: O Papa João Paulo II, em meio à degradação da
família hodierna, posicionou-se com firmeza notável em defesa da mesma. Um dos
maiores beneficiários desse discurso foi o povo evangélico, que só fez afirmar
ou confirmar tudo que o Papa afirmava, sem levar a pecha de conservador ou
retrógrado – esta coube ao pontífice. Nas questões biogenéticas, certamente o
povo evangélico mais olha à distância a fala católica, do que afirma-se com
sólida e consistente argumentação ética e científica.
Muitas denominações circunspetas e herméticas tem preferido manter-se fora da
cristandade evangélica, como se isso não fosse exatamente uma marca do próprio
sistema evangélico. Naturalmente que não dar ouvidos a nada pode prejudicar o
contato com o mundo exterior e a própria reflexão positiva, mas sem dúvida
fortalece a teologia de gueto, a teologia controladora.
E assim continuamos sempre na mesma ladainha: católicos olham de cima pra
baixo os evangélicos, taxando-os todos de seita, argüindo que não serão salvos
se não voltarem para a única igreja. Evangélicos por sua vez “batem”
pesadamente na idolatria católica, e rejeitam quase que a totalidade do que se
vê e se produz no mundo cristão católico. Sem falar que dentro da própria
realidade evangélica atua o “espírito contestador e rompedor” de Lutero, pai
de toda essa eterna divergência entre nós evangélicos.
Levanto agora uma questão talvez nevrálgica, quiçá contundente: Não seria essa
divisão toda uma questão de conflito de controle? Não seria essa uma eterna
briga por controlar Deus? Ou as pessoas?
Os sistemas religiosos institucionais não conseguem nem conseguirão jamais
manter-se focados e dirigidos para a necessidade individual pessoal, humana.
Vão-se inchando e crescendo, e adquirindo missão institucional de crescimento.
Aí o que dá trabalho e é complexo é deixado de lado – cuidar de vidas, fazer
discípulos. Pode-se até mesmo montar uma estrutura institucional de fazer
discípulos que dará no mesmo resultado – divisão. Por que? Porque tenta
exercer o controle sobre pessoas, consegue, e depois usa o poder de controlar
para esmagar.
Rev. Ricardo Reis (FTCR) lembrou importante conceito da onipotência de Deus:
Ele é Deus porque tem todo o poder e sabe controlar todo o poder que tem. Sim,
amados, as instituições e os sistemas religiosos adquirem muito poder e depois
não sabem lidar com esse poder. Então começam as divisões, de dentro para
dentro – tal qual as correntes ideológicas do PT, ou as linhas ideológicas
católicas –, ou de dentro pra fora – tal qual o surgimento frenético de novas
igrejas.
Urge a cada um de nós pensar que é nosso próprio orgulho racional religioso o
principal impedimento para um diálogo humilde e construtivo. Uma vez que não
produzimos Unidade, ao menos fica mais fácil a missão – em sabendo que ela
terá necessariamente êxito, por ser um pedido de Jesus ao Pai.
A mim e a você cabe sermos humildes e não nos aferrarmos à arma que temos –
nossos conhecimentos, nossas convicções. Uma coisa é pastorear o rebanho com
convicção dentro da luz que temos. Outra coisa é sentar para verificar se esta
luz que temos não é trevas. Se for, mesmo que tenhamos uma Igreja grande ou
tradicional, estamos com os dois pés no Inferno – um porque estarmos errados,
e o outro pé por não querermos ouvir e reavaliar nada!
Há um futuro diferente do presente, para todos nós! Independente do que eu e
você vejamos, Deus fará porque tem poder para isso. Não desejo ser empecilho
nem asfalto para “A Patrola de Deus”, nem creio que você deseje. Por isso, eu
e você, façamos um esforço por preservar a Unidade que existe, abandonando
urgente e imediatamente o maligno hábito da maledicência e da crítica ao
alheio. Que Deus nos ajude a enxergar a diferença como um chamado simples: as
coisas podem não ser como eu acho que são !!!
Pastor Nils Bergsten
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