PARECER

por Maria Teresa Esteban


Monografia: Sistema de ciclos sob o olhar da professora

Aluna: Elisa Nacif Diniz

A implementação do sistema de ciclos nas redes públicas de educação em diversos estados e municípios brasileiros vem sendo alvo de muita polêmica, gerando intensos debates e provocando modificações no cotidiano escolar. A monografia apresentada por Elisa como trabalho de fim de seu curso de graduação enfoca a implantação desse sistema no município de Niterói, rede na qual trabalha, e propõe uma análise do sistema de ciclos sob o olhar da professora.

De seu lugar de professora, vivendo o cotidiano da sala de aula, discute o processo de implantação do novo sistema, suas repercussões, suas possibilidades, mas, também, seus desvios, suas incoerências, seus problemas. Em seu movimento por melhor compreender a proposta na qual se via inserida, faz uma excelente pesquisa bibliográfica, encontrando importantes documentos orientadores da elaboração do projeto de ciclos, como o Plan Langevin-Wallon e documentos da Fundação responsável pela gestão do sistema educacional público do município, e percorre a discussão teórica que vem sendo estabelecida, mostrando a formulação de dois conceitos: ciclos de formação e ciclos de aprendizagem. Essa teoria é confrontada ao processo vivido na rede pública de ensino, com ênfase na escola onde trabalha e especial atenção às diversas vozes que compõem esse cotidiano.

A escola desencadeia seu processo de investigação. A reflexão sobre a prática cotidiana, a necessidade de maior compreender seu fazer para criar estratégias para fazer melhor seu trabalho como docente, produz as questões que orientam a pesquisa realizada por Elisa e que resulta na monografia neste momento analisada. O objetivo do trabalho, portanto, é a alimentar o cotidiano escolar. Sem sair da escola, o trabalho não se limita a ela; evidencia que pensar a escola demanda múltiplas articulações, com diversos espaçostempos, sujeitos e conhecimentos. Para realizar o trabalho, não só monográfico, mas também pedagógico, mostra-se indispensável o diálogo com a teoria, mas uma teoria que contribua com o aprofundamento da reflexão sobre a prática e para a prática. A monografia vai se desenvolvendo com um permanente dialogo práticateoriaprática.

Elisa produz seu trabalho confrontando sujeitos, documentos, projetos, experiências, teorias, sem abrir mão de se colocar como um dos sujeitos participantes do diálogo. Seu trabalho procura mergulhar na polifonia que constitui o cotidiano escolar e as propostas formuladas para organizar este cotidiano. Surge um dialogo intenso, composto tanto por consensos quanto por conflitos; os conflitos, sob o olhar dessa professora, não devem ser negados, ocultados, evitados, mas incorporados produtivamente ao diálogo e à ação, como expressa o seguinte fragmento:

A pergunta que me faço é: Como viver este conflito de concepções? Melhor, como elucidar questões e assim causar conflitos? (pág. 49)

O conflito, presente na escola, é um dos fios condutores da monografia. O trabalho apresenta uma boa articulação do material pesquisado e traz elementos importantes para o aprofundamento da reflexão sobre o sistema de ciclos e sobre a ação docente. Porém, em alguns momentos não consegue entrelaçar, na análise, a diversidade de pontos de vista presente no próprio texto, o conflito instaurado pelo diálogo, nem sempre intencional, entre as diferentes concepções que habitam a escola. Trago mais um fragmento do texto para exemplificar minha análise. Na pág. 59 encontramos a seguinte afirmação: Esta constatação me leva a crer que, infelizmente, o professor ainda se mantém alheio ao processo de reflexão aceitando sem muitos questionamentos as receitas prontas que lhes entregam. Um pouco adiante (pág. 66/67) apresenta um depoimento de urna professora sobre a promoção automática/ciclo, do qual destaco: E seriação com ciclos não combinam, a proposta de se trabalhar com ciclos compreende mudar a forma de avaliar o aluno, dar um período de tempo para que ele consiga chegar aos objetivos (...). Parece-me que o texto da professora encarnada contradiz o texto sobre a professora genérica.

Esta observação tem o sentido de indicar a dificuldade de se percorrer o caminho escolhido por Elisa e de ressaltar o perigo das generalizações quando estamos tratando do cotidiano, espaçotempo em que os conflitos muitas vezes estão ocultos em aparentes consensos, em que pequenas pistas podem modificar todo um percurso. Esta observação sublinha a qualidade do trabalho realizado por Elisa, exatamente por enfrentar o difícil caminho de incorporar a polifonia ao estudo e à pesquisa. Com esta observação, também quero convidar Elisa a continuar sua formação como professora-pesquisadora, tomando sua monografia como base para outras questões, tendo ainda maior atenção com a elaboração de um discurso cada vez mais coerente com a perspectiva teórico-episternológica no qual se inscreve.

voltar